sexta-feira, 28 de julho de 2023

Makarenko - Poema Pedagógico Livro 1(a): Característica das necessidades primordiais

Poema Pedagógico


Antón S. Makarenko


Livro Um

Capítulo 3

Característica das necessidades primordiais

No dia seguinte eu disse aos educandos:

- O dormitório tem que estar limpo! vocês precisam ter monitores de plantão no dormitório. e quanto a ir para a cidade, só com a minha licença. E quem sair sem ordem minha não precisa voltar, porque não o receberei.

- Oh oh! disse Vólokhov. Quem sabe dá pra ser menos severo?

- Escolham, rapazes, o que mais lhes convier. Não pode ser de outro jeito. Na colônia deve haver disciplina. Se não lhes agrada, cada um de vocês vai para onde quiser. Mas quem continuar vivendo na colônia, terá de manter a disciplina. Como quiserem. Não haverá covil de ladrões aqui.

Zadórov estendeu-me a mão:

- Toque aqui. Tem razão! Você, Vólokhov, cale a boca. Nessas coisas você ainda é bobo. É melhor estarmos aqui. Ou você quer ir para a prisão preventiva?

- Mas como, vamos ser obrigados a ir pra escola também? - perguntou Vólokhov.

- Sim.

- E se eu não quiser estudar? Pra que eu preciso disso?

- A escola é indispensável, obrigatória. Quer você queira ou não, tanto faz. Está vendo, o Zadórov acabou de dizer que você é bobo. Isso significa que você precisa estudar, ficar esperto.

Vólokhov balançou a cabeça zombeteiramente, e disse, repetindo as palavras de uma piada ucraniana:

- Quem dançou, dançou mesmo!

No terreno da disciplina, o incidente com Zadórov marcou uma virada. E, com toda a honestidade, eu não fui atormentado por nenhuma dor de consciência. Sim, eu havia surrado um educando. Vivi toda a incoerência pedagógica, toda a ilegalidade jurídica daquele incidente, mas ao mesmo tempo entendi que a limpeza de minhas mãos pedagógicas era uma questão secundária em comparação com a tarefa colocada diante de mim. E decidi determinado a ser um ditador, se não conseguisse avançar com qualquer outro método. Depois de um tempo, tive um sério conflito com Vólokhov, que, estando de plantão, não havia arrumado o dormitório e se recusou a fazê-lo após minha advertência. Olhei para ele com ar zangado e disse:

- Não me faça perder a paciência! Arrume, senão....

- Senão, o quê? Vai fazer o quê, me quebrar a cara? O senhor não tem direito!

Agarrei-o pelo colarinho e, puxando-o para perto de mim, sibilei bem perto de seu rosto com absoluta sinceridade:

- Escute! É meu último aviso; não vou te quebrar a cara, mas vou deixá-lo aleijado! Pode fazer queixa de mim depois, vou para a cadeia e não é da sua conta!

Vólokhov se livrou de minhas mãos e me disse com lágrimas nos olhos:

- Não vale a pena ir para a cadeia por uma bobagem dessas. Eu arrumo o quarto, com os diabos!

Eu trovejei para ele:

- Que jeito de falar é esse?

- Como você quer que eu fale com o senhor?... Vá para o...!

- Como é? Vamos, xingue-me!

Vólokhov riu e fez um gesto evasivo com a mão.

- Está bem, homem, tudo bem... Vou arrumar o dormitório, vou arrumar, não grite!

No entanto, deve-se ressaltar que não pensei por um minuto que tivesse encontrado na violência um meio poderoso de pedagogia. O incidente com Zádorov me custou mais caro do que ao próprio Zadórov. Eu estava com medo de seguir o caminho do menor esforço. Lídia Pietróvna foi quem me condenou com mais franqueza e insistência entre os educadores. Na noite desse mesmo dia, com o rosto apoiado em seus pequenos punhos fechados, ela me disse persistentemente:

- Então, você já encontrou o método? Como no seminário, não é?

- Deixe-me em paz, Lídochka!

- Não, o senhor me diga: vamos quebrar caras? E eu também posso? Ou só o senhor?

- Lídochka, eu te respondo mais tarde. Por enquanto não nem eu mesmo sei. Espere um pouquinho.

- Muito bem, vou esperar.

Iekaterína Grigórievna andou passou vários dias com a testa franzida e, ao falar comigo, assumiu uma postura educadamente oficial. Apenas cinco dias depois, ele me perguntou com um sorriso sério:

- Então, como se sente?

- Igual. Eu me sinto muito bem.

- Mas o senhor sabe qual é a parte mais triste de toda essa história?

- O mais triste?

- Sim. O mais desagradável é que os rapazes se referem à sua façanha com admiração e entusiasmo. Estão até dispostos a ficar apaixonados pelo senhor, com o Zadórov o primeiro de todos. Como explicar? Não compreendo. Será que é o hábito da escravidão?

Depois de refletir um pouco, respondi a Iekaterína Grigórievna:

- Não, aqui não se trata de escravidão. Aqui é uma coisa diferente. Analise com cuidado: o Zadórov, mais mais forte do que eu, ele poderia ter me aleijado com um só golpe, mas não reagiu. Considere também que ele não tem medo de nada, Tampouco Burún e os outros têm medo. Em toda essa história eles não veem uma surra, estão vendo tão-somente a ira, uma explosão humana. Eles entendem muito bem que ele poderia muito bem não ter batido nele, que poderia tê-lo devolvido como incorrigível à comissão (1), o que poderia causar-lhes muitos problemas sérios. Mas eu não fiz isso, preferindo tomar uma atitude, procedendo de uma forma que foi perigosa para mim, embora humana e não formal. E ao que parece a colônia lhes é necessária, apesar de tudo. A coisa aqui é bem complexa. Além disso, eles veem que nós trabalhamos muito duro por eles. Apesar de tudo, eles também são gente. E isso é um fato de suma importância.

"Talvez", Iekaterna Grigórievna me respondeu pensativamente.


continua na página 17...
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(1) - Refere-se à comissão que estava a cargo dos delinquentes juvenis.
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Leia também:

Livro Um
Capítulo 2
Capítulo 3
Característica das necessidades primordiais (a)

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