Antón S. Makarenko
Livro Um
Capítulo 3
Característica das necessidades primordiais
continuando... Foi Taranêts. Ele tinha dezesseis anos, descendia de uma antiga família de ladrões, era esguio e cheio de marcas de varíola, alegre, engenhoso, magnífico organizador e homem empreendedor. Mas não sabia respeitar interesses coletivos. Um dia ele roubou diversas redes da margem do rio - iáteri - e as trouxe para a colônia. Atrás dele vieram os donos das redes e o assunto acabou em grande escândalo. Depois disso os aldeões vizinhos começaram a montar guarda aos iáteri e os nossos caçadores muito raramente conseguiam pegar alguma coisa. Mas, algum tempo depois, Taranêts e outros colonos assumiram o controle de seus próprios redes, cedidas por 'um conhecido da cidade'. Graças a estas redes próprias, a pesca começou a desenvolver-se rapidamente. No início, o peixe era consumido por um pequeno círculo de pessoas, mas, no final do inverno, Taranêts decidiu, sem qualquer prudência, incluir-me também no círculo.
Ele levou um prato de peixe frito para o meu quarto.
- Isto é peixe para o senhor.
- Estou vendo, só que não vou aceitar.
- Por quê?
- Porque não está certo. O peixe deve ser dado a todos os colonistas.
- A troco de quê? - ruborizou-se Taranêts, ofendido - A troco de quê? Eu consegui as redes, eu pesco, me molho todo no riacho, e devo dar para todos?
- Pois então fique com o peixe. Eu não consegui nada nem me molhei no riacho.
- Mas isso é um presente nosso para o senhor...
- Não, eu não estou de acordo, tudo isso não me agrada. E não está direito.
- Mas o que é que não está direito?
- Isto: você não comprou as redes, certo? ganhou-as de presente?
- Foi de presente.
- Presente para quem? Para você? Ou para toda a colônia?
- Por que 'para toda a colônia'? Foi para mim.
- Pois eu acho que foi para mim e para todos. E as frigideiras, de quem são? suas? São de todos. E o óleo de girassol que vocês pedem à cozinheira - de quem é o óleo? - É de todos. E a lenha, o fogão, os baldes? Então, o que me diz? Eu posso tirar as redes de você, e ponto final. E o pior é a falta de companheirismo. E daí que as redes são suas? Mas você faça uma para os companheiros também. Todos podem pescar, não é mesmo?
- Tudo bem - disse Taranêts - Que seja. mas o senhor aceite o peixe assim mesmo.
Aceitei o peixe. Desde aquele dia, a pesca tornou-se tarefa geral que se fazia em turnos e a produção era entregue na cozinha.
O segundo método de obtenção privada de gêneros alimentícios eram as viagens para a feira, na cidade. todos os dias Kaliná Ivánovitch atrelava o Malích - o cavalo guirguiz - e se punha a caminho atrás dos produtos ou pelos departamentos. Dois ou três colonistas costumavam aproveitar a viagem, quando sentiam necessidade de ir à cidade para uma consulta no hospital, um depoimento em alguma comissão ou para ajudar Kaliná Ivánovitch a segurar o Malích. Todos esses felizardos costumavam voltar da cidade fartamente alimentados e trazendo alguma coisa para os companheiros. Não houve um só caso de um deles ser 'apanhado' na feira. Os produtos resultantes dessas incursões tinham aspecto legal: 'uma mulher me deu', 'encontrei um conhecido'. Eu me esforçava para não ofender o colonista com suspeitas maldosas e sempre acreditava naquelas explicações. E a que poderia levar a minha desconfiança? Os sujos e famintos colonistas, fuçando à procura de comida, não me pareciam objetos apropriados para a pregação de qualquer tipo de moral relacionada a motivos fúteis como o furto, na feira, de algumas rosquinhas ou um par de solas.
Na nossa inenarrável pobreza havia também um lado bom, que mais tarde nunca mais tivemos. Éramos igualmente famintos e pobres também nós, os educadores. naquele tempo, não ganhávamos quase nada, nos satisfazíamos com o nosso condiór e andávamos envoltos em quase idênticos farrapos. No decorrer de todo o inverno, eu andei de botas sem solas, com um pedaço de trapos que serviam de meias sempre pendurado para fora. Somente Ieketerína Grigórievna ostentava seus vestidos limpos, compostos e bem passados.
continua na página 22(34)...
______________
______________
Leia também:
Livro Um
Capítulo 2
Capítulo 3
Característica das necessidades primordiais (d)
Nenhum comentário:
Postar um comentário