quarta-feira, 24 de abril de 2024

Makarenko - Poema Pedagógico Livro 1(b): Operações de caráter interno

Poema Pedagógico


Antón S. Makarenko


Livro Um

Capítulo 4

Operações de caráter interno

    Eu até fiquei contente com essa circunstância. Esperava que pronto, agora começará a falar o interesse geral, coletivo, e obrigará a todos a se interessarem pelo caso dos roubos com zelo maior. Com efeito, todos os rapazes ficaram tristes, mas zelo não apareceu nenhum, e quando passou a impressão, o interesse esportivo tomou conta novamente de todos: quem seria esse que trabalhava tão agilmente?
   Mais alguns dias, sumiu da cavalariça o arreio do Malích, e nós não podíamos sequer ir até a cidade. Tivemos de andar pela aldeia vizinha e pedir uma emprestada para os primeiros dias.
   Os furtos já aconteciam todos os dias. De manhã se descobria que neste ou naquele lugar faltava alguma coisa: machados, serrotes, vasilhames, lençóis, arreios, gêneros. Tentei não dormir à noite, andava pelo pátio com o revólver, mas mais do que duas, três noites, é claro, não consegui aguentar. Pedi a Óssipov que ficasse de plantão por uma noite, Mas ele ficou tão apavorado que não falei mais nisso.
   Entre os rapazes, eu suspeitava de muitos, incluindo também Gud e Taranêts. Prova, entretanto, eu não tinha nenhuma, e tive de conservar minhas suspeitas em segredo.
   Zadoróv ria às gargalhadas e brincava:

- O que é que o senhor pensava, Anton Semiónovitch: isto aqui é uma colônia de trabalho – trabalhe, trabalhe, e nada de divertimento? Espere só, isto ainda vai piorar bem! E o que o senhor vai fazer com aquele que for apanhado?

- Vou pô-lo na cadeia.

- Bem, Isso ainda não é nada. Pensei que o senhor IA bater nele.

Certa vez, alguém saiu para o pátio de noite, todo vestido:

- Vou andar um pouco com o senhor.

- Cuidado para que os ladrões não se encarnicem contra você.

- Não, eles bem sabem que o senhor está de guarda, hoje eles não vão roubar, de qualquer jeito. E daí, o que é que tem isso?

- Mas confesse, Zadórov, Que você tem medo deles.

- De quem? Dos ladrões? Claro que tenho medo. Mas não se trata de eu ter medo, o senhor tem de concordar, Anton Semiónovitch: o caso é que de certa forma não fica bem delatar.

- Mas se é de vocês mesmos que eles roubam.

- De mim, o quê? Não há nada de meu por aqui.

- Mas vocês todos vivem aqui.

- Que vida é essa, Anton Simiónovitch? Isso então é vida? Não vai dar em nada esta sua colônia. O senhor se debate à toa. Vai ver só, eles vão roubar tudo e se mandar. O senhor faria melhor se contratasse alguns guardas e lhes desse alguns fuzis.

- Isso não, não vou contratar guardas nem lhes darei fuzis.

- Mas por quê? - espantou-se Zadórov.

- Os guardas têm de ser pagos, e nós já somos pobres demais. E o mais importante é que vocês mesmos têm de ser os donos.

   A ideia de que era preciso contratar guardas era compartilhada por muitos colunistas. No dormitório teve lugar um autêntico debate sobre o assunto.
   Anton Brátchenko, o melhor representante do segundo grupo de colunistas, argumentava:

- Quando há um guarda de plantão, ninguém vai sair para roubar. E se sair, apesar de tudo, é caso de aplicar lhe uma descarga de sal naquela parte. Quando ele andar salgadinho durante um mês, vai perder a vontade de roubar.

   Respondia lhe Kóstia Vietkóvski, um garoto bonito cuja especialidade “em liberdade” era realizar buscas e apreensões com ordens falsificadas. Durante essas buscas, desempenhava papéis secundários, os papéis principais pertenciam aos adultos. O próprio Kóstia - isso ficou registrado no seu dossiê - nunca roubou nada, ele se empolgava exclusivamente com o lado estético da operação. E sempre se referia aos ladrões com desprezo. Fazia bastante tempo que eu já reparava na índole sutil desse menino. O que mais me espantava era facilidade com que ele se relacionava com os rapazes mais truculentos e era autoridade amplamente reconhecida em questões políticas. Kóstia argumentava:

- Anton Semiónovitch tem razão. Nada de guardas! Por enquanto ainda não compreendemos, mas logo compreenderemos todos que não se pode roubar dentro da colônia. Mesmo agora, muitos já estão compreendendo. Nós vamos logo montar guarda nós mesmos. Certo, Burún? – dirigiu-se inesperadamente a Burún.

   Em fevereiro, a nossa despenseira deixou o seu emprego na colônia - eu conseguir a sua transferência para um hospital qualquer. Num certo domingo, o Malích foi levada até sua porta e todos os seus amiguinhos e participantes de chás filosóficos puseram-se ativamente a colocar dentro do trenó as suas numerosas sacolas e valises. A boa velhinha, balançando-se pacificamente no alto das suas riquezas, partiu ao encontro da sua nova vida à mesma velocidade de dois km por hora.
   Malích voltou tarde, mas junto com ele voltou a velhinha e se precipitou aos gritos e soluços no meu quarto: fora roubada até o último filme. Seus amigos e ajudantes carregaram todas as suas sacolas, valises e maletas não só para o trenó, mas também para outros lugares - foi um assalto declarado. Acordei imediatamente Kaliná Ivánovitch, Zadórov e Taranêts, e realizamos uma busca geral em toda a colônia. Foi roubada tanta coisa, que não deu tempo de esconder bem tudo. Entre os arbustos, no sótãos dos armazéns, sob os degraus da porta de entrada, e mesmo debaixo das camas e atrás dos armários foram encontrados todos os tesouros da despenseira. A velhinha era rica de verdade: encontramos cerca de uma dúzia de toalhas de mesa novas, muitos lençóis e toalhas de rosto, colheres de prata, vasinhos, uma pulseira, brincos e muitas miudezas de toda espécie.
   A velhinha chorava no meu quarto, e o quarto ai aos poucos se enchendo de detidos - seus ex-amigos e simpatizantes.
   No começo, eles negaram tudo, nossa eu dei uns berros com eles e os horizontes clarearam. Verificou-se que os principais assaltantes não eram os amigos da velhinha. Estes se limitaram algumas lembranças, como um guardanapo de chá ou um açucareiro. Ficou esclarecido que o ativista principal em todo esse episódio fora Burún. Essa descoberta espantou a muitos, e a mim principalmente. Burún, desde o primeiro dia, parecia o mais equilibrado de todos, estava sempre sério, era contidamente social, e na escola era o que estudava melhor, com a mais tensa atenção e interesse. O que me deixou estupefato foi o ímpeto e a competência das suas ações: ele escondera fardos inteiros dos bens da velha. Não restava dúvida de que todos os roubos anteriores na colônia foram obras das suas mãos. 
  Finalmente eu chegar à fonte do mal! Coloquei Burún diante do tribunal popular, o primeiro julgamento na história da nossa colônia.


Operações de caráter interno (b)

Nenhum comentário:

Postar um comentário