Antón S. Makarenko
Livro Um
Capítulo 2
O inglório começo da Colônia Gorki
A seis quilômetros de Poltava, pelas encostas arenosas, uma floresta de pinheiros se estendia por cerca de duzentos hectares, e ao longo da orla da floresta corria a estrada de Khárkov, na qual brilhavam seixos de pedras bem cuidadas de brilho monótono.
Na floresta havia uma clareira de cerca de quarenta hectares. Em um de seus cantos havia cinco caixas de tijolos, geometricamente corretos, que juntas formavam um quadrado perfeito. Esta é a nova colônia para menores infratores da lei.
O pátio arenoso descia para uma vasta clareira na floresta, até os juncos de um pequeno lago, em cuja margem oposta ficavam as cercas e valetas de uma fazenda kuláks (1). Além da casa da fazenda, uma fileira de velhas bétulas e dois ou três telhados de palha assomavam no céu. E é só.
Antes da Revolução, aqui havia uma colônia para menores delinquentes. Em 1917 a colônia se dissolve, deixando poucos vestígios pedagógicos. A julgar por essas impressões, preservadas em alguns velhos e rasgados cadernos-diário, os principais pedagogos eram velhos militares, provavelmente suboficiais aposentados, cujas funções consistiam em vigiar cada passo de seus alunos, tanto no trabalho quanto no recreio, e dormir durante as noites com eles no quarto ao lado. Pelo que contaram os camponeses do bairro, deduziu-se que a pedagogia desses guardas não brilhava por complicações especiais. Externamente, ele se expressava por meio de um instrumento tão simples quanto uma bengala.
Os vestígios materiais da ex-colônia eram ainda mais insignificantes. Os vizinhos mais próximos da colônia haviam transferido e levado para seus próprios armazéns tudo o que podia ter qualquer valor material: as oficinas, os armazéns, os móveis. Entre outros valores, levaram até o pomar inteiro de árvores frutíferas. No entanto, nada em toda essa história lembrava os vândalos. O pomar não havia sido derrubado, mas desenterrado e replantado em outro lugar; As janelas das casas também não foram quebradas, mas retiradas com cautela; as portas, intocadas por qualquer machado raivoso, foram cuidadosamente arrancadas de suas dobradiças e os fornos derrubados tijolo por tijolo. Apenas o aparador, na antiga residência do diretor, permaneceu em seu lugar.
- Por que deixaram o bufê? - perguntei a um vizinho, Luká Semiónovitch Vekhól, que veio da fazenda para ver os novos donos.
- Bem, porque, como você pode ver, pode-se dizer que este armário é inútil para a nossa gente. Você mesmo julgará que não vale a pena desmontá-lo. E nas nossas casas, ele nem ia passar pelas portas, por causa da altura dele e da largura também...
Pelos cantos dos barracões havia toda sorte de tralha amontoada, mas não havia coisas úteis. Seguindo pistas mais recentes, consegui recuperar alguns objetos de valor, roubados nos últimos dias. Eram uma velha e simples semeadeira, oito bancadas de marceneiro cambaias, quase de pé, um cavalo merino capado de trinta anos, outrora quirguiz, e um sino de bronze.
Ao chegar na colônia, já lá encontrei o chefe do abastecimento Kaliná Ivánovtich, que me saudou com uma pergunta:
- O senhor é que será o diretor do Departamento Pedagógico?
Logo percebi que Kaliná Ivánovitch falava com sotaque ucraniano, embora por princípio se recusasse a reconhecer o idioma da Ucrãnia. As palavras ucranianas abundavam em seu léxico e ele sempre pronunciava a letra "guê" da maneira sulista, como um "h". Mas não sei por que na palavra "pedagógico" ele acentuava tanto aquele "guê" na pronúncia literária russa, que o seu "guê" saia talvez até duro de mais.
- O senhor é que será o diretor do Departamento Pedagógico?
- Porque? Eu sou o diretor da colônia...
"Não", ele objetou, tirando o cachimbo da boca. Você ficará a cargo da parte pedagógica e eu o chefe da parte econômica.
Imaginem o pan (2) de Vrubel, já completamente careca, com apenas um rastro de cabelo nas orelhas. Raspem a barba deste pan e aparem-lhe os bigodes à moda episcopal. Coloque um cachimbo entre os dentes, e terão não mais pan, mas Kaliná Ivánovitch Serdiuk. Ele era um homem extraordinariamente complicado para um trabalho tão simples quanto administrar uma colônia infantil. Ele tinha atrás de si pelo menos cinquenta anos de atividades diferentes. Mas apenas duas épocas foram seu orgulho: na juventude, ele havia sido um hussardo no Regimento Keksholm (3) de guarda-costas de Sua Majestade Kexholm e, no ano 18, durante a ofensiva alemã, liderou a evacuação da cidade de Mirgorod.
Kaliná Ivánovitch foi o primeiro objeto da minha atividade pedagógica. Sua abundância nas mais diversas convicções foi para mim uma grande dificuldade. Com o mesmo prazer, ele criticou os burgueses, os bolcheviques, os russos, os judeus, nosso relaxamento e meticulosidade alemã. Mas seus olhos azuis brilhavam com tanto amor pela vida, ele era tão sensível, receptivo e disposto, que não poupei nenhuma energia pedagógica por ele. E comecei a educá-lo desde o primeiro dia, desde a nossa primeira conversa:
- Como é possível, camarada Serdiuk, que a colônia não tenha diretor? Alguém deve responder por tudo.
Kaliná Ivánovitch tirou o cachimbo novamente e curvou-se educadamente no meu rosto:
- Então o senhor quer ser o diretor da colônia? E que sou, de certa forma, seu subordinado?
-Não, isso não é obrigatório. Se quiser, eu serei seu subordinado.
- Não estudei pedagogia e o que não me diz respeito, não me diz respeito. O senhor ainda é jovem e quer que eu, um velho, seja o garoto de recados. Isso também não é bom. Porém, para ser o diretor da colônia me falta cultura, e além disso, que necessidade eu tenho?...
Kaliná Ivánovitch afastou-se de mim com raiva. Ele estava chateado. Ele ficou triste o dia todo, e ao anoitecer apareceu no meu quarto já completamente abatido.
- Aqui coloquei uma cama e uma mesa. O que consegui encontrar...
- Obrigado.
- Fico pensando no que vamos fazer com essa colônia. E decidi que, claro, é melhor se o senhor for o diretor da colônia e eu for uma espécie de subordinado do senhor.
- Vamos nos entender, Kaliná Ivánovitch. Ficaremos bem.
- Eu também acho. A coisa não é tão difícil e cumpriremos nosso dever. E o senhor, como homem culto, será uma espécie de diretor da colônia.
Pusemos mãos à obra. Com a ajuda de paus conseguimos erguer o rocinante de trinta anos. Kaliná Ivánovitch subiu em algo parecido com uma carroça, gentilmente cedido por um vizinho, e todo essa geringonça se dirigiu para a cidade a uma velocidade de dois quilômetros por hora. O período de organização começou.
Para este período, uma tarefa muito precisa foi definida: a concentração de valores materiais essenciais para a educação do homem novo. Por dois meses, Kaliná Ivánovitch e eu passamos dias inteiros na cidade. Kaliná Ivánovitch estava no veículo e eu a pé. Ele acreditava que andar a pé rebaixava sua dignidade, e era impossível para mim me conformar com o ritmo que o ex-corcel quirguiz poderia proporcionar.
Em dois meses, com a ajuda de técnicos rurais, conseguimos colocar mais ou menos em ordem uma das casernas da velha colônia: montamos janelas, consertamos os fogões, colocamos novas portas. No domínio da política externa obtivemos apenas um sucesso, embora, por outro lado, verdadeiramente notável: por força de pedidos e de tanto insistirmos obtivemos da Comissão de Abastecimento do Primeiro Exército de Reserva 150 puds (4) de farinha de centeio. Mas não tivemos tanta sorte de poder concentrar outros valores materiais.
Comparando tudo isso com meus ideais no campo da cultura material, vi que, mesmo que tivesse cem vezes mais, estaria tão longe de alcançar o ideal quanto estou agora. Como resultado, tive que declarar encerrado o período de organização. Kaliná Ivánovitch concordou com meu ponto de vista:
- E o que é que você vai coletar, se eles, os parasitas, se dedicam a fazer isqueiros? Eles arruinaram o povo, está entendendo, e agora dizem: Organizem-se como puderem. Teremos que fazer o mesmo que Ilyá Muromets (5)...
- O mesmo que Ilyá Muromets?
- Sim. Existiu esse tal... Ilyá Muromets... talvez você saiba, bem, aqueles parasitas declararam que ele era um paladino, um herói. Mas considero que ele não passava de um mendigo e um vagabundo, que andava de trenó em pleno verão.
- Pois bem: seremos como Ilyá Muromets. Afinal, isso não é tão ruim. E onde está o bandido Solovéi (6)?
- Bandidos, amigo, tem quantos você quiser...
Duas educadoras vieram para a colônia: Iekaterína Grigórievna e Lídia Pietróvna. Em minhas buscas por pedagogos, cheguei quase ao completo desespero; ninguém queria se dedicar à educação do homem novo em nossa floresta, porque todos temiam os "vagabundos" e ninguém confiava na sorte final de nosso empreendimento. E só em uma conferência de professores rurais, na qual fui obrigado a falar, encontrei duas pessoas vivas. Fiquei feliz por serem mulheres. Eu acreditava que a enobrecedora influência feminina iria completar nosso sistema de forças.
Lídia Pietróvna ainda era muito jovem, uma garotinha. Ela havia acabado de sair do ensino médio e ainda não havia perdido o hábito dos cuidados maternos. O delegado provincial da Instrução Pública perguntou-me ao assinar a sua nomeação:
- Para que você quer essa garotinha? Se ela não sabe nada...
- Isso é exatamente o que eu procurava. De vez em quando me ocorre que o conhecimento não é tão importante agora. Essa Lídochka é um ser muito puro, e conto com ela como uma espécie de vacina.
- Você não está querendo ser sabido demais? Está bem, que seja...
Por outro lado, Iekaterína Grigórievna era um lobo pedagógico experiente. Ela não nasceu muito antes de Lídochka, mas Lídochka se apoiou em seu ombro como uma criança com sua mãe. No rosto sério e bonito de Iekaterína Grigórievna destacavam-se sobrancelhas negras, quase masculinas. Ela sabia usar vestidos com penteados sublinhados que guardava por um verdadeiro milagre, e Kaliná Ivánovitch, ao conhecê-la, expressou-se com propriedade:
- Com uma moça destas é preciso andar com muito cuidado...
E, assim, estava tudo pronto.
continua na página 18...
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(1) Kuláks: camponeses-proprietários, ricos, que exploravam o trabalho de camponeses pobres. (N. do T.)
(2) Pan: senhor ou patrão em ucraniano (N. do T.)
(3) O czar Nicolau II (1868-1918. (N. do T.)
(4) Pud: medida de peso, cerca de 16kh. (N. do T.)
(5) Herói lendário da velha Rússia. (N. do T.)
(6) No original, Solovêi-Razboinik, literalmente, "Rouxinol-Bandido", lendário salteador que teria sido vencido por Ilyá Muromets. (N. do T.)
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Leia também:
Livro Um
O inglório começo da Colônia Gorki (a)
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