Antón S. Makarenko
Livro Um
Capítulo 3
Característica das necessidades primordiais
continuando...Na própria colônia não usávamos termos como delinquentes, e a nossa colônia nunca foi chamada assim. Naquela época éramos chamados de moralmente defeituosos. No entanto, para o mundo exterior o nome era inapropriado, pois cheirava excessivamente a um negócio do Departamento de Educação.
Eu fiquei com pedaço de papel em algum lugar no corredor do departamento correspondente, junto à porta do gabinete. Através desta porta passava uma enorme quantidade de gente. Às vezes reuniam-se no gabinete tantos visitantes, que qualquer um podia entrar. Então você tinha que ir até a autoridade através dos visitantes e deslizar silenciosamente o papel sob sua mão.
A autoridade dos departamentos de abastecimento entendia bem pouco das sutilezas classificatórias da pedagogia, e nem sempre passava pela sua cabeça que os "delinquentes juvenis" tinham alguma relação com a instrução. mas a tintura emocional da expressão "delinquente juvenil" era bastante impressionante. Por isso, eram raras as vezes em que a autoridade nos encarava severamente e dizia:
- Então, por que veio aqui? Dirija-se ao seu Departamento de Educação Pública.
A autoridade dizia com mais frequência após reflexão:
- Quem é que os abastece? O Departamento das Prisões?
- Quem é que os abastece? O Departamento das Prisões?
- Não, veja bem, o Departamento das Prisões não abastece, porque afinal de contas se trata de criança...
- Então quem é que os abastece?
- Pois é, acontece que até agora isto ainda não foi esclarecido...
- Como assim, não foi esclarecido? Que coisa estranha!
A autoridade anotava algo no seu bloco e sugeria que voltássemos dali a uma semana.
- Neste caso, libere-nos por enquanto pelo menos vinte puds.
- Vinte eu não posso dar, receba por ora cinco puds, e depois eu verifico isso.
Cinco puds era pouco, e ademais a conversa encetada não correspondia aos nossos planos, nos quais, evidentemente, não se previam quaisquer verificações.
O único resultado aceitável para a Colônia Gorki era quando a autoridade não fazia quaisquer perguntas, mas recebia o nosso papelzinho calada e escrevia no canto: "Entregue-se'.
Em tal caso eu voava para a colônia em corrida desabalada:
- Kaliná Ivánovitch! Uma ordem! Cem puds! Depressa, arranje uns ajudantes e vá buscar tudo, senão eles lá acabam investigando...
Kaliná Ivánovitch curvava-se sobre o papelucho, todo contente:
- Cem puds! Não me diga! E de onde vem isso?
- Então não está vendo? Da Comissão do Abastecimento Provincial da Seção Jurídica da Província...
- E vá alguém entendê-los! Mas para nós tanto faz; que venha do próprio diabo, desde que venha! He, he, he!...
A primeira necessidade do homem é o alimento. Por isso a situação com as roupas não nos deprimia tanto quanto a situação com o alimento. nossos educandos estavam constantemente famintos e isso dificultava sensivelmente o problema da reeducação moral. Apenas um certa parte, e pequena, do seu apetite, os colonistas conseguiam satisfazer por meio dos seus próprios recursos.
Uma das modalidades básicas da nossa indústria alimentícia privada era a pesca. No inverno isso era muito difícil. O método mais fácil era a pilhagem, o esvaziamento dos iáteri, redes em forma de pirâmides, que era colocadas num riacho próximo e no nosso lago pelos habitantes da aldeia vizinha. o instinto de conservação e o bom senso econômico inerente ao ser humano impediam a nossa rapaziada de roubar as próprias redes, mas entre os nossos colonistas encontrou-se um que violou esta regra de ouro.
continua na página 32...
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Capítulo 3
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