sexta-feira, 10 de março de 2023

Makarenko - Poema Pedagógico Livro 1: Conversa com Zavgubnarobraz

Poema Pedagógico


Antón S. Makarenko


Com devoção e afeto
ao nosso chefe. amigo e mestre
Maxím Gorki



Índice 

primeiro livro

1.   Conversa com o Zavgubnarobraz (delegado provincial da Instrução Pública)
2.   O inglório começo da Colônia Gorki
3.   Característica das necessidades primordiais
4.   Operações de caráter interno
5.   Assuntos de importância estatal
6.   Conquista do tanque de ferro
7.   Não existe pulga ruim
8.   Caráter e cultura
9.   Ainda existem cavaleiros na Ucrânia
10. Heróis da educação socialista
11. A semeadeira triunfal
12. Brátchenko e o comissário regional do Abastecimento
13. Ossádchi
14. Bons vizinhos
15. O nosso é o mais bonito
16. Gabersup
17. Sharin em pé de guerra
18. "Aliança" com o campesinato
19. Jogo de roupas
20. Sobre os vivos e os mortos
21. Alguns velhos nocivos
22. Amputação
23. Sementes de qualidade
24. Calvário de Semion
25. Pedagogia do Comandante
26. Os monstros da segunda colônia
27. A conquista do Komsomol
28. Início da marcha das fanfarras


segundo livro

1.   O jarro de leite
2.   Otchenásh
3.   Os Dominantes
4.   O teatro
5.   Educação de kulák
6.   Flechas do Cupido
7.   Reforços
8.   Os 9º e 10º Destacamentos
9.   O quarto destacamento misto
10. O casamento
11. Lírica
12. Outono
13. Viagens do amor e da poesia
14. Sem lamentos!
15. Gente difícil
16. Zaporójie
17. Como contar
18. Reconhecimento bélico


terceiro livro

1.   Pregos
2.   O Destacamento de Vanguarda Mista
3.   Prosa Kuryazh
4.   Tudo está indo bem
5.   Idílio
6.   Cinco dias
7.   O 373 bis
8.   Hopak
9.   Transfiguração
10. Aos pés do Olimpo
11. O primeiro feixe
12. E a vida continuou
13. Ajudem o menino!
14. Recompensas
15. Epílogo


Livro Um

Capítulo 1

Conversa com o Zavgubnarobraz (delegado provincial da Instrução Pública)


Em setembro de 1920, o delegado provincial para a Instrução Pública me chamou.

- Ouça-me, meu caro, ele me disse, "ouvi dizer que você está gritando por aí... porque eles montaram sua escol de trabalho... nas instalações do Conselho Provincial de Economia.

- Como não gritar? A coisa não é só gritar, é sentar e uivar: que escola de trabalho é aquilo? Tudo fumado, sujo... Parece uma escola? (1)

- Sim... Para o seu gosto, seria necessário construir um novo prédio, colocar novas carteiras, e então você você estaria ensinando. A questão não está, irmão, nos prédios; o importante é educar o homem
novo, mas vocês pedagogos não fazem nada além de sabotar tudo: vocês não gostam do prédio e das mesas eles não são como deveriam ser. Falta-lhe isso... quer saber?... O fogo revolucionário. Janotas, é o que vocês são.

- Eu até que não sou janota.

- Vá lá, você não é... Intelectuais sarnentos! Eu procuro e procuro, temos uma tarefa tão grande pela frente: proliferam esses vagabundos, moleques abandonados - não se pode pela rua! Além disso, eles já entram nas casas. Dizem-me que isto é um assunto nosso, da Educação Pública... O que acha?

- O que pensar?

- É isso aí: eles não querem nem saber, com quem quer que eu fale, só recebo um redondo "não" - Eles vão nos esfaquear, dizem. Naturalmente, você gostaria de ter um pequeno escritório, seus livrinhos... Olhe só para você, até óculos já botou...

Desatei a rir:

- Ora vejam, agora até meus óculos atrapalham!

- O que eu quero dizer é que vocês só querem saber de leitura, mas se lhes puserem pela frente um ser humano vivo, lá vão vocês: o tal ser humano vivo vai me matar! Intelectuais!

O Zavgubnarobraz me espetava com seus olhinhos negros enfezados, e de sob o bigode nietzschiano, emitia impropérios contra toda nossa confraria pedagógica. Só que ele não tinha razão, esse Zavgubnarobraz.

- Mas ouça-me, por favor...

- "Ouça-me, ouça-me..." Ouvir o quê? Para quê?  O que é que você pode me dizer? Vai me dizer, ah, se fosse daquele jeito... como na América! Há pouco eu li um livreco a esse respeito, alguém me empurrou. Reformador... ou, como é mesmo, espere... isso mesmo reformatórios. Pois bem, isso nós ainda não temos.

- Não é isso, o senhor me escute.

- Mesmo antes da Revolução . Isso sinjá se sabia lidar com esses vagabundos. Já existiam as colônias para delinquentes juvenis.

- Isso não nos serve, sabe... O que foi antes da Revolução não serve para nós.

- Certo. Isso significa que temos de criar o homem novo de maneira nova.

- De maneira nova, isso mesmo, nisso você está certo.

- Mas ninguém sabe de que jeito fazer isso.

- Nem você sabe?

- Nem eu sei.

- Pois aqui comigo, sabe,,, eu tenho uns caras aqui mesmo no Departamento de Educação da Província que sabem...

- Mas não querem pôr mãos à obra.

- Não querem os safados, quanto a isso você acertou.

- Mas se eu começar alguma coisa, eles vão infernizar-me a vida, vão acabar comigo. Faça o que fizer, não é nada disso.

- Vão mesmo os desgraçados, nisso você está certo.

- E o senhor vai acreditar neles e não em mim.

- Não vou acreditar neles, vou dizer-lhes: e por que não começaram vocês mesmos?

- Mas se eu de fato meter os pés pelas mãos?

O Zavgubnarobraz deu um murro na mesa:

- Mas que conversa é essa de meter os pés pelas mãos? Meter os pés pelas mãos? Então você vai meter os pés pelas mãos, e daí, ora bolas! O que é que você quer de mim? acha que eu não compreendo nada, ou o quê? Então façaas suas trapalhadas, meta os pés pelas mãos, mas o trabalho tem de ser feito. Faça, e depois veremos. O principal é que, sabe... não se trata de alguma colônia de delinquentes juvenis qualquer, mas, você entende, é a Educação Social... precisamos de um homem novo assim... um que seja nosso! e você trate de construí-lo. De qualquer jeito, todos têm de aprender. Então você vai aprender, também. Até foi bom você me dizer que não sabe. Pois então está resolvido, e tudo bem.

- Mas existe um lugar? Uns prédios sempre são necessários, apesar de tudo.

-  Existe, meu caro. Um lugar e tanto. Exatamente no lugar onde ficava a colônia de deliquentes juvenis. Não é longe - umas seis verstá (2). É gostoso ali: bosques, campos - dá para criar umas vacas...

- E gente?

- Vou já, já tirar gente do bolso, para você. Quem sabe vai querer também um automóvel?

- E dinheiro?

- Dinheiro temos. Aqui, receba.

Ele tirou um pacote de notas da gaveta da escrivaninha.

- Cento e cinquenta milhões. Isto dá para qualquer tipo de despesa de organização e para alguma mobília de que precise...

- E para as vacas?

- As vacas vão ter de esperar; lá não ha nem vidraças. E para o ano você me prepara uma estimativa.

- Mas fica meio esquisito, assim - não seria bom eu dar uma olhada ali, antes?

- Eu já olhei... e daí, acha que vai enxergar mais do que eu? Vá para lá duma vez e pronto!

- Pois muito bem - disse eu, aliviado, porque naquele momento nada me parecia mais assustador do que o recinto do Conselho Econômico da Província.

- Assim é que se fala - disse Zavgubnarobraz. - Vá em frente! A causa é sagrada.


continua na página 14...
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(1) Makarenko se refere ao improvisado edifício da escola na cidade de Poltava, que então dirigia, local que funcionava parte do dia como escritório do Conselho Econômico da Província.
(2) Verstá: milha russa.
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Leia também:

Livro Um
Conversa com Zavgubnarobraz

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