terça-feira, 18 de novembro de 2025

Eduardo Galeano: As veias abertas da América Latina - Primeira Parte: As Plantações, os Latifúndios e o Destino(1)

A Pobreza do Homem como resultado da riqueza da terra

PRIMEIRA PARTE 

O Rei Açúcar e Outros Monarcas Agrícolas

     13. As Plantações, os Latifúndios e o Destino
          A busca do ouro e da prata foi, seguramente, o motor central da conquista, mas em sua segunda viagem Cristóvão Colombo trouxe das ilhas Canárias as primeiras raízes da cana-de-açúcar e as plantou em terras hoje pertencentes à República Dominicana. Semeadas, brotaram logo, para a grande alegria do almirante [1]. O açúcar, que era cultivado em pequena escala na Sicília e nas ilhas Madeira e Cabo Verde, e comprado por alto preço no Oriente, era um artigo tão cobiçado pelos europeus que até nos enxovais de rainhas chegou a figurar como parte do dote. Era vendido nas farmácias e pesado em gramas [2]. Durante pouco menos de três séculos a partir do descobrimento da América não houve, para o comércio da Europa, produto agrícola mais importante do que o açúcar cultivado nestas terras. Multiplicaram-se os canaviais no litoral úmido e quente do nordeste do Brasil, e depois também nas ilhas do Caribe: Barbados, Jamaica, Haiti, Dominicana, Guadalupe, Cuba e Porto Rico. Também Veracruz e a costa peruana se mostraram sucessivos cenários favoráveis à exploração, em grande escala, do “ouro branco”. Imensas legiões de escravos vieram da África para proporcionar ao rei açúcar a numerosa e gratuita força de trabalho que exigia: combustível humano para queimar. As terras foram devastadas por essa planta egoísta que invadiu o Novo Mundo arrasando matas, malversando a fertilidade natural e extinguindo o húmus acumulado pelos solos. O longo ciclo do açúcar deu origem, na América Latina, a prosperidades tão fatais como as que foram engendradas pelos furores da prata e do ouro em Potosí, Ouro Preto, Zacatecas e Guanajuato; ao mesmo tempo, impulsionou com decisivo vigor, direta ou indiretamente, o desenvolvimento industrial da Holanda, França, Inglaterra e Estados Unidos.
     A plantação, nascida da demanda de açúcar no ultramar, era uma empresa movida pelo afã do lucro de seu proprietário e posta a serviço do mercado que a Europa ia articulando internacionalmente. Por sua estrutura interna, no entanto – e considerando que, em boa medida, bastava se a si mesma –, alguns de seus traços dominantes eram feudais. Por outro lado, utilizava mão de obra escrava. Três idades históricas distintas – mercantilismo, feudalismo, escravatura – ajustavam-se numa só unidade econômica e social, mas era o mercado internacional que estava no centro da constelação de poder que o sistema de plantações desde cedo integrou.
     Da plantação colonial, subordinada às necessidades estrangeiras e, em muitos casos, com financiamento estrangeiro, provém em linha reta o latifúndio de nossos dias. Este é um dos gargalos de garrafa que estrangulam o desenvolvimento da América Latina e um dos primordiais fatores da marginalização e da pobreza das massas latino americanas. O latifúndio atual, mecanizado em grau suficiente para multiplicar os excedentes de mão de obra, dispõe de abundantes reservas de braços baratos. Já não depende da importação de escravos africanos nem da encomienda indígena. Funciona com o pagamento de diárias irrisórias, a retribuição de serviços em espécies ou o trabalho gratuito em troco do usufruto de um pedacinho de terra; nutre-se da proliferação de minifúndios, resultado de sua própria expansão, e da contínua migração interna de legiões de trabalhadores que, empurrados pela fome, buscam as sucessivas safras. 
     A estrutura combinada da plantação funcionava – e assim funciona também o latifúndio – como um filtro projetado para a evasão das riquezas naturais. Ao integrar-se no mercado mundial, cada área cumpriu um ciclo dinâmico: pela concorrência de produtos substitutivos, pelo esgotamento da terra ou pelo surgimento de outras zonas com melhores condições, logo sobreveio a decadência. A cultura da pobreza, a economia da subsistência e a letargia são os preços que, com o transcurso dos anos, vem a cobrar o impulso produtivo original. O Nordeste era a zona mais rica do Brasil e hoje é a mais pobre; em Barbados e no Haiti habitam formigueiros humanos condenados à miséria; o açúcar converteu-se na chave mestra do domínio de Cuba pelos Estados Unidos, ao preço da monocultura e do implacável empobrecimento do solo. Não só o açúcar. Esta é também a história do cacau, que iluminou as fortunas da oligarquia de Caracas; do algodão do Maranhão, de súbito esplendor e súbita queda; das plantações de seringueiras no Amazonas, convertidas em cemitérios de trabalhadores nordestinos recrutados a troco de moedinhas; dos arrasados matagais de quebracho no norte argentino e no Paraguai; dos sítios de sisal em Yucatán, onde os índios yaquis foram exterminados. É também a história do café, que avança deixando desertos no caminho, e das plantações de frutas no Brasil, na Colômbia, no Equador e nos desditosos países centro-americanos. Com melhor ou pior sorte, cada produto foi-se tornando um destino frequentemente fugaz para países, regiões e homens. O mesmo itinerário, por certo, foi seguido pelas zonas produtoras de riquezas minerais. Quanto mais cobiçado pelo mercado mundial, maior é a desgraça que o produto causa ao povo latino-americano que com sacrifícios o cria. No entanto, a zona menos castigada por esta lei de aço, o rio da Prata, que lançava couros e depois carne e lã nas correntes do mercado, não conseguiu escapar da jaula do subdesenvolvimento.

O Rei Açúcar e Outros Monarcas Agrícolas
Primeira Parte: As Plantações, os Latifúndios e o Destino(1)
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[1] ORTIZ, Fernando. Contrapunteo cubano del tabaco e el azúcar. La Habana, 1963.
[2] PRADO JÚNIOR, Caio. Historia económica del Brasil. Buenos Aires, 1960.

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