PRIMEIRA PARTE
O Rei Açúcar e Outros Monarcas Agrícolas
13. As Plantações, os Latifúndios e o Destino
A busca do ouro e da prata foi, seguramente, o motor
central da conquista, mas em sua segunda viagem
Cristóvão Colombo trouxe das ilhas Canárias as primeiras
raízes da cana-de-açúcar e as plantou em terras hoje
pertencentes à República Dominicana. Semeadas, brotaram
logo, para a grande alegria do almirante
[1]. O açúcar, que
era cultivado em pequena escala na Sicília e nas ilhas
Madeira e Cabo Verde, e comprado por alto preço no
Oriente, era um artigo tão cobiçado pelos europeus que até
nos enxovais de rainhas chegou a figurar como parte do
dote. Era vendido nas farmácias e pesado em gramas
[2].
Durante pouco menos de três séculos a partir do
descobrimento da América não houve, para o comércio da
Europa, produto agrícola mais importante do que o açúcar
cultivado nestas terras. Multiplicaram-se os canaviais no
litoral úmido e quente do nordeste do Brasil, e depois
também nas ilhas do Caribe: Barbados, Jamaica, Haiti,
Dominicana, Guadalupe, Cuba e Porto Rico. Também
Veracruz e a costa peruana se mostraram sucessivos
cenários favoráveis à exploração, em grande escala, do
“ouro branco”. Imensas legiões de escravos vieram da África
para proporcionar ao rei açúcar a numerosa e gratuita força
de trabalho que exigia: combustível humano para queimar.
As terras foram devastadas por essa planta egoísta que
invadiu o Novo Mundo arrasando matas, malversando a
fertilidade natural e extinguindo o húmus acumulado pelos
solos. O longo ciclo do açúcar deu origem, na América
Latina, a prosperidades tão fatais como as que foram
engendradas pelos furores da prata e do ouro em Potosí,
Ouro Preto, Zacatecas e Guanajuato; ao mesmo tempo,
impulsionou com decisivo vigor, direta ou indiretamente, o
desenvolvimento industrial da Holanda, França, Inglaterra e
Estados Unidos.
A plantação, nascida da demanda de açúcar no
ultramar, era uma empresa movida pelo afã do lucro de seu
proprietário e posta a serviço do mercado que a Europa ia
articulando internacionalmente. Por sua estrutura interna,
no entanto – e considerando que, em boa medida, bastava
se a si mesma –, alguns de seus traços dominantes eram
feudais. Por outro lado, utilizava mão de obra escrava. Três
idades históricas distintas – mercantilismo, feudalismo,
escravatura – ajustavam-se numa só unidade econômica e
social, mas era o mercado internacional que estava no
centro da constelação de poder que o sistema de
plantações desde cedo integrou.
Da plantação colonial, subordinada às necessidades
estrangeiras e, em muitos casos, com financiamento
estrangeiro, provém em linha reta o latifúndio de nossos
dias. Este é um dos gargalos de garrafa que estrangulam o
desenvolvimento da América Latina e um dos primordiais
fatores da marginalização e da pobreza das massas latino
americanas. O latifúndio atual, mecanizado em grau
suficiente para multiplicar os excedentes de mão de obra,
dispõe de abundantes reservas de braços baratos. Já não
depende da importação de escravos africanos nem da
encomienda indígena. Funciona com o pagamento de
diárias irrisórias, a retribuição de serviços em espécies ou o
trabalho gratuito em troco do usufruto de um pedacinho de
terra; nutre-se da proliferação de minifúndios, resultado de
sua própria expansão, e da contínua migração interna de
legiões de trabalhadores que, empurrados pela fome,
buscam as sucessivas safras.
A estrutura combinada da plantação funcionava – e
assim funciona também o latifúndio – como um filtro
projetado para a evasão das riquezas naturais. Ao integrar-se no mercado mundial, cada área cumpriu um ciclo
dinâmico: pela concorrência de produtos substitutivos, pelo
esgotamento da terra ou pelo surgimento de outras zonas
com melhores condições, logo sobreveio a decadência. A
cultura da pobreza, a economia da subsistência e a letargia
são os preços que, com o transcurso dos anos, vem a cobrar
o impulso produtivo original. O Nordeste era a zona mais
rica do Brasil e hoje é a mais pobre; em Barbados e no Haiti
habitam formigueiros humanos condenados à miséria; o
açúcar converteu-se na chave mestra do domínio de Cuba
pelos Estados Unidos, ao preço da monocultura e do
implacável empobrecimento do solo. Não só o açúcar. Esta é
também a história do cacau, que iluminou as fortunas da
oligarquia de Caracas; do algodão do Maranhão, de súbito
esplendor e súbita queda; das plantações de seringueiras
no Amazonas, convertidas em cemitérios de trabalhadores
nordestinos recrutados a troco de moedinhas; dos arrasados
matagais de quebracho no norte argentino e no Paraguai;
dos sítios de sisal em Yucatán, onde os índios yaquis foram
exterminados. É também a história do café, que avança
deixando desertos no caminho, e das plantações de frutas
no Brasil, na Colômbia, no Equador e nos desditosos países
centro-americanos. Com melhor ou pior sorte, cada produto
foi-se tornando um destino frequentemente fugaz para
países, regiões e homens. O mesmo itinerário, por certo, foi
seguido pelas zonas produtoras de riquezas minerais.
Quanto mais cobiçado pelo mercado mundial, maior é a
desgraça que o produto causa ao povo latino-americano que
com sacrifícios o cria. No entanto, a zona menos castigada
por esta lei de aço, o rio da Prata, que lançava couros e
depois carne e lã nas correntes do mercado, não conseguiu
escapar da jaula do subdesenvolvimento.
continua na página...98
____________________
____________________
Febre do Ouro, Febre da Prata
O Rei Açúcar e Outros Monarcas Agrícolas
Primeira Parte: As Plantações, os Latifúndios e o Destino(1)
__________________
[1] ORTIZ, Fernando. Contrapunteo cubano del tabaco e el azúcar. La Habana, 1963.
[2] PRADO JÚNIOR, Caio. Historia económica del Brasil. Buenos Aires, 1960.
Nenhum comentário:
Postar um comentário