Eduardo Galeano
Este volume oferece uma nova versão brasileira de As veias abertas da América Latina.
Esta tradução, excelente trabalho de Sergio Faraco,
melhora a não menos excelente tradução anterior, de
Galeno de Freitas. E graças ao talento e à boa vontade
destes dois amigos, meu texto original, escrito há quarenta
anos, soa melhor em português do que em espanhol.
*
O autor lamenta que o livro não tenha perdido
atualidade. A história não quer se repetir – o amanhã não
quer ser outro nome do hoje –, mas a obrigamos a se
converter em destino fatal quando nos negamos a aprender
as lições que ela, senhora de muita paciência, nos ensina
dia após dia.*
Segundo a voz de quem manda, os países do sul do
mundo devem acreditar na liberdade de comércio (embora
não exista), em honrar a dívida (embora seja desonrosa),
em atrair investimentos (embora sejam indignos) e em
entrar no mundo (embora pela porta de serviço). Entrar no mundo: o mundo é o mercado. O mercado
mundial, onde se compram países. Nada de novo. A
América Latina nasceu para obedecê-lo, quando o mercado
mundial ainda não se chamava assim, e aos trancos e
barrancos continuamos atados ao dever de obediência.
Essa triste rotina dos séculos começou com o ouro e a
prata, e seguiu com o açúcar, o tabaco, o guano, o salitre, o
cobre, o estanho, a borracha, o cacau, a banana, o café, o
petróleo... O que nos legaram esses esplendores? Nem
herança nem bonança. Jardins transformados em desertos,
campos abandonados, montanhas esburacadas, águas
estagnadas, longas caravanas de infelizes condenados à
morte precoce e palácios vazios onde deambulam os
fantasmas.
Agora é a vez da soja transgênica, dos falsos bosques
da celulose e do novo cardápio dos automóveis, que já não
comem apenas petróleo ou gás, mas também milho e cana
de-açúcar de imensas plantações. Dar de comer aos carros
é mais importante do que dar de comer às pessoas. E outra
vez voltam as glórias efêmeras, que ao som de suas
trombetas nos anunciam grandes desgraças.
*
Nós nos negamos a escutar as vozes que nos advertem:
os sonhos do mercado mundial são os pesadelos dos países
que se submetem aos seus caprichos. Continuamos
aplaudindo o sequestro dos bens naturais com que Deus, ou
o Diabo, nos distinguiu, e assim trabalhamos para a nossa
perdição e contribuímos para o extermínio da escassa
natureza que nos resta. Exportamos produtos ou exportamos solos e subsolos?
Salva-vidas de chumbo: em nome da modernização e do
progresso, os bosques industriais, as explorações mineiras e
as plantações gigantescas arrasam os bosques naturais,
envenenam a terra, esgotam a água e aniquilam pequenos
plantios e as hortas familiares. Essas empresas todo
poderosas, altamente modernizadas, prometem mil
empregos, mas ocupam bem poucos braços. Talvez elas
bendigam as agências de publicidade e os meios de
comunicação que difundem suas mentiras, mas amaldiçoam
os camponeses pobres. Os expulsos da terra vegetam nos
subúrbios das grandes cidades, tentando consumir o que
antes produziam. O êxodo rural é a agrária reforma; a
reforma agrária ao contrário.
Terras que poderiam abastecer as necessidades
essenciais do mercado interno são destinadas a um só
produto, a serviço da demanda estrangeira. Cresço para
fora, para dentro me esqueço. Quando cai o preço
internacional desse único produto, alimento ou matéria
prima, junto com o preço caem os países que de tal produto
dependem. E quando a cotação subitamente vai às nuvens,
no louco sobe e desce do mercado mundial, ocorre um
trágico paradoxo: o aumento dos preços dos alimentos, por
exemplo, enche os bolsos dos gigantes do comércio agrícola
e, ao mesmo tempo, multiplica a fome das multidões que
não podem pagar seu encarecido pão de cada dia.
*
O passado é mudo? Ou continuamos sendo surdos? As veias abertas da América Latina nasceu pretendendo
difundir informações desconhecidas. O livro compreende
muitos temas, mas talvez nenhum deles tenha tanta
atualidade como esta obstinada rotina da desgraça: a
monocultura é uma prisão. A diversidade, ao contrário,
liberta. A independência se restringe ao hino e à bandeira
se não se fundamenta na soberania alimentar. Tão só a
diversidade produtiva pode nos defender dos mortíferos
golpes da cotação internacional, que oferece pão para hoje
e fome para amanhã. A autodeterminação começa pela
boca.
Em 27 de julho de 2001, o presidente dos Estados
Unidos, George W. Bush, perguntou aos seus compatriotas:
– Vocês já imaginaram um país incapaz de cultivar
alimentos suficientes para prover sua população? Seria uma
nação exposta a pressões internacionais. Seria uma nação
vulnerável. Por isso, quando falamos de agricultura,
estamos falando de uma questão de segurança nacional.
Foi a única vez em que não mentiu.
Montevidéu, 2010
Este livro não teria sido possível sem a colaboração que, de um modo ou de outro, prestaram Sergio Bagú, Luis Carlos Benvenuto, Fernando Carmona, Adicea Castillo, Alberto Couriel, André Gunder Frank, Rogelio García Lupo, Miguel Labarca, Carlos Lessa, Samuel Lichtensztejn, Juan A. Oddone, Adolfo Perelman, Artur Poerner, Germán Rama, Darcy Ribeiro, Orlando Rojas, Julio Rossiello, Paulo Schilling, Karl-Heinz Stanzick, Vivian Trías e Daniel Vidart.
A eles, e aos inúmeros amigos que me incentivaram no
trabalho destes últimos anos, dedico o resultado, do qual,
por certo, são inocentes.
Eduardo Galeano
Fins de 1970
Temos observado um silêncio muito
parecido com a estupidez.
Proclamação insurrecional da Junta Tuitiva
na cidade de La Paz, em 16 de julho de 1809
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Prefácio
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Título original: Las venas abiertas de América Latina
Este livro foi publicado pela primeira vez em 1978 (Editora
Paz e Terra).
Tradução: Sergio Faraco
Capa: Sebastian e Alejandro G. Schnetzer
Revisão: Jó Saldanha
Cip-Brasil.
Catalogação-na-Fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
Galeano, Eduardo H., 1940
Galeano, Eduardo H., 1940
As veias abertas da América Latina / Eduardo Galeano;
tradução de Sergio Faraco. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2012.
Tradução de: Las venas abiertas de América Latina
Inclui índice
ISBN 978.85.254.0755-9
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