Júlio Verne
A Volta ao Mundo em 80 Dias
Durante esta cena que iria talvez comprometer tão gravemente seu futuro, Mr. Fogg, acompanhando Mrs. Aouda, passeava pelas ruas da cidade inglesa. Desde que Mrs. Aouda tinha aceitado sua oferta de conduzi-la à Europa, ele começara a providenciar todos os detalhes necessários para uma viagem tão longa. Que um inglês como ele fizesse a volta ao mundo com uma sacola de viagem na mão, admite-se; mas uma mulher não a poderia empreender nestas condições. Daí a necessidade de comprar roupas e objetos para a viagem. Mr. Fogg se incumbiu desta tarefa com a calma que o caracterizava, e a todas as desculpas e objeções da viúva, confusa com tanta amabilidade:
— É no interesse da minha viagem, está no meu programa, respondia invariavelmente.
Feitas as aquisições, Mr. Fogg e a jovem regressaram ao hotel e jantaram à mesa dos hóspedes, que estava suntuosamente servida. Depois, Mrs. Aouda, um pouco cansada, subiu para o seu apartamento, depois de ter apertado “à inglesa” a mão do seu imperturbável salvador.
O respeitável gentleman, este, absorveu-se durante toda a tarde na leitura do Times e do Illustrated London News.
Se fosse homem capaz de ficar espantado com algo, teria ficado ao não ver aparecer o seu criado à hora de deitar. Mas, sabendo que o paquete para Yokohama não deveria sair de Hong Kong antes do dia seguinte pela manhã, não se preocupou. No dia seguinte, Passepartout não se apresentou ao toque da sineta de Mr. Fogg.
O que pensou o honrado gentleman ao saber que o seu criado não tinha voltado ao hotel, ninguém poderá dizer. Mr. Fogg contentou-se com pegar sua sacola de viagem, pediu para avisarem Mrs. Aouda, e mandou buscar um palanquim. Eram oito horas, e o preamar, que o Carnatic deveria aproveitar para sair dos escolhos do porto, estava previsto para as nove e meia.
Quando o palanquim chegou à porta do hotel, Mr. Fogg e Mrs. Aouda subiram para o confortável veículo, e as bagagens seguiram atrás sobre uma carreta. Meia hora mais tarde, os viajantes desciam no cais de embarque, e aí Mr. Fogg soube que o Carnatic tinha partido na véspera.
Mr. Fogg, que esperava encontrar, ao mesmo tempo, o paquete e o criado, ficara sem um e sem outro. Mas nenhum sinal de desapontamento apareceu em seu semblante, e como Mrs. Aouda o olhava com inquietude, contentou-se em responder:
— É um incidente, senhora, nada mais que um incidente.
Neste momento, um personagem, que o observava com atenção, aproximou-se. Era o inspetor Fix, que o cumprimentou e disse:
— Não era o senhor, como eu, um dos passageiros do Rangoon, que chegou ontem?
— Sim, senhor, respondeu friamente Mr. Fogg, mas não tenho a honra...
— Desculpe-me, mas pensava encontrar aqui o seu criado.
— Sabe onde ele está, senhor? perguntou ansiosamente a jovem.
— O que! respondeu Fix, fingindo surpresa, não está aqui?
— Não, respondeu Mrs. Aouda. Desde ontem que não aparece. Teria embarcado sem nós no Carnatic?
— Sem os senhores, madame?... respondeu o agente. Mas, desculpe a minha pergunta, contavam partir neste paquete?
— Sim, senhor.
— Eu também, madame, e, como vê, estou muito desapontado. O Carnatic, tendo terminado seus reparos, deixou Hong Kong doze horas antes sem avisar ninguém, e agora vai ser preciso esperar oito dias pela próxima partida! Ao pronunciar as palavras “oito dias”, Fix sentia o coração pular de alegria. Oito dias! Fogg retido oito dias em Hong Kong! Haveria tempo para receber o mandado de prisão. Finalmente a sorte declarava-se a favor do representante da lei.
Avaliem, então, o golpe mortal que recebeu, quando ouviu Mr. Fogg dizer com a sua voz calma:
— Mas há outros navios além do Carnatic, parece-me, no porto de Hong Kong!
E Mr. Fogg, oferecendo seu braço a Mrs. Aouda, dirigiu-se para as docas à procura de um navio que estivesse de partida.
Fix, assombrado, foi atrás. Dir-se-ia que um fio o atava àquele homem. Contudo, a sorte parecia verdadeiramente ter abandonado aquele a quem até então tanto servira. Phileas Fogg, durante três horas, percorreu o porto em todos os sentidos, decidido, se preciso fosse, a fretar uma embarcação para o transportar a Yokohama; mas só viu navios carregando ou descarregando, e que, portanto, não poderiam estar de partida. Fix sentiu renascer sua esperança. Entretanto Mr. Fogg não se desconcertava, e ia continuar a sua busca, mesmo que precisasse passar a Macau, quando foi abordado por um marinheiro na entrada do porto.
— Vossa Honra procura um barco? perguntou-lhe o marinheiro, tirando o chapéu.
— Tem um barco pronto para partir? perguntou Mr. Fogg.
— Sim, Vossa Honra, o barco de pilotagem n.° 43, o melhor da frotilha.
— Navega rápido?
— Entre oito e nove milhas, mais ou menos. Quer vê-lo?
— Sim.
— Vossa Honra ficará satisfeito. É algum passeio no mar?
— Não. De uma viagem.
— Uma viagem?
— Encarregar-se-ia de levar-me a Yokohama?
O marinheiro, a estas palavras, deteve os movimentos do braço, esbugalhou os olhos.
— Vossa Honra está brincando? disse.
— Não! Perdi a partida do Carnartic, e preciso estar dia 14, o mais tardar, em Yokohama, para tomar o paquete para São Francisco.
— Lamento, respondeu o piloto, mas é impossível.
— Ofereço cem libras (2.500 F) por dia, e uma gratificação de duzentas libras se chegar a tempo.
— A sério? perguntou o piloto.
— Muito a sério, respondeu Mr. Fogg.
O piloto afastara-se um pouco para o lado. Olhava o mar, evidentemente hesitando entre o desejo de ganhar uma soma enorme e o medo de se aventurar tão longe. Fix estava com pânicos mortais.
Neste interim, Mr. Fogg voltara-se para Mrs. Aouda.
— Não tem medo, madame? perguntou.
— Consigo, não, senhor Fogg, respondeu a jovem.
O piloto aproximara-se outra vez do gentleman, e girava o chapéu entre as mãos.
— Então, piloto? disse Mr. Fogg.
— Então, Meu Senhor, respondeu o piloto, não posso arriscar nem meus homens, nem a mim, nem mesmo a si, em uma travessia tão longa num barco de vinte toneladas apenas, e nesta época do ano. Além disso, não chegaríamos a tempo, porque há mil seiscentas e cinqüenta milhas de Hong Kong a Yokohama.
— Mil e seiscentas apenas, disse Mr. Fogg.
— Dá na mesma.
Fix respirou fundo.
— Mas, acrescentou o piloto, haverá talvez meio de se arranjar de outro modo.
Fix não respirava mais.
— Como? perguntou Phileas Fogg.
— Indo a Nagasaki, a extremidade sul do Japão, mil e cem milhas, ou apenas a Shangai, oitocentas milhas de Hong Kong. Nesta última travessia, não nos afastaríamos da costa chinesa, o que seria uma grande vantagem, ainda mais que aí as correntes levam para o norte.
— Piloto, respondeu Phileas Fogg, é em Yokohama que devo tomar o paquete, não em Shangai ou em Nagasaki.
— Por que não? respondeu o piloto. O paquete para São Francisco não parte de Yokohama. Faz escala em Yokohama e em Nagasaki, mas o seu porto de partida é Shangai!
— Está certo do que diz?
— Certo.
— E quando o paquete deixa Shangai?
— Dia 11, às sete da noite. Temos, pois, quatro dias pela frente. Quatro dias, são noventa e seis horas, e com uma média de oito milhas por hora, se tivermos sorte, se o vento soprar de sudeste, se o mar estiver calmo, podemos fazer as oitocentas milhas que nos separam de Shangai.
— E pode partir...
— Em uma hora. O tempo de comprar os víveres e aparelhar.
— Negócio fechado... É dono do barco?
— Sim, John Bunsby , patrão da Tankadère.
— Quer um sinal?
— Se isso não ofender Vossa Honra.
— Aqui estão duzentas libras por conta... Senhor, acrescentou Phileas Fogg voltando-se para o agente, se quiser aproveitar...
— Senhor, respondeu resolutamente Mr. Fix, ia lhe pedir esse favor.
— Bem. Em meia hora estaremos a bordo.
— Mas o pobre rapaz... disse Mrs. Aouda, a quem o desaparecimento de Passepartout preocupava extremamente.
— Vou fazer por ele tudo o posso fazer, respondeu Phileas Fogg.
E, enquanto Fix, nervoso, febril, raivoso, se encaminhava para o barco-piloto, os dois se dirigiram para os escritórios da polícia de Hong Kong. Ali, Phileas Fogg deu a descrição de Passepartout, e deixou uma quantia suficiente para repatriá-lo.
A mesma formalidade foi cumprida junto ao agente consular francês, e o palanquim, após passar pelo hotel, onde as bagagens foram pegas, reconduziu os viajantes ao embarcadouro.
Soavam três horas. O barco-piloto n.° 43, com sua tripulação a bordo, seus víveres embarcados, estava pronto para largar.
A Tankadère era uma pequena goleta atraente de vinte toneladas, bem pinçada na frente, bem solta em suas maneiras, muito alongada em suas linhas d’água. Parecida um iate de corrida. Seus cobres brilhantes, sua ferragens galvanizadas, sua coberta branca como marfim, indicavam que o mestre John Bunsby sabia conservá-la em bom estado. Seus dois mastros inclinavam-se um pouco para trás. Levava velas latinas, mezena, traquete, e, com vento pela popa, podia cortar o mar maravilhosamente. Devia navegar rápido, e, de fato, já ganhara diversos prêmios nos “matches” de barcos de pilotagem.
A tripulação da Tankadère era composta pelo mestre John Bunsby e quatro homens. Eram desses marinheiros valorosos que, com qualquer tempo, se aventuram à busca dos navios, e conheciam muito bem estes mares. John Bunsby , homem de cerca de quarenta e cinco anos, vigoroso, bronzeado de sol, o olhar vivo, a expressão enérgica, bem aprumado, bom no que fazia, teria inspirado confiança aos mais medrosos.
Phileas Fogg e Mrs. Aouda passaram ao navio. Fix já se achava ali. Pela escotilha de popa da goleta, descia-se para um quarto quadrado, cujas anteparas se desdobravam em forma de catres por cima de um divã circular. No meio, uma mesa iluminada por um lampião que oscilava. Era pequeno, mas limpo.
— Lamento não poder lhe oferecer coisa melhor, disse Mr. Fogg a Fix, que se inclinou sem responder.
O inspetor de polícia sentiu uma espécie de humilhação em aproveitar assim os obséquios do senhor Fogg.
— Com certeza, pensava, é um tratante muito delicado, mas é um tratante.
As três e dez, as velas foram içadas. O pavilhão inglês tremulava no casco da goleta. Os passageiros estavam sentados no convés. Mr. Fogg e Mrs. Aouda lançaram um último olhar para o cais, para ver se Passepartout aparecia.
Fix não estava sem apreensões, porque o acaso poderia conduzir àquele lugar o infeliz rapaz a quem tratara tão indignamente, e então dar-se-iam explicações, das quais Fix não se sairia muito bem. Mas o francês não apareceu, e, sem dúvida, o narcótico embrutecedor ainda o tinha sob sua influência.
— Afinal, o mestre John Bunsby fez-se ao largo, e a Tankadère, tomando o vento em suas velas, lançou-se balouçando sobre as ondas.
continua pag 124...
A Volta ao Mundo em 80 Dias é um romance de aventura escrito pelo francês Júlio Verne e lançado em 1873. A obra retrata a tentativa do cavalheiro inglês Phileas Fogg e seu valete, Passepartout, de circum-navegar o mundo em 80 dias.
sempre com algum spolier animado...
A VOLTA AO MUNDO EM 80 DIAS - Jules Verne
│ Resenha Animada
A Volta ao Mundo em 80 Dias
CAPÍTULO XX
EM QUE FIX ENTRA EM CONTATO DIRETO COM PHILEAS FOGG
Durante esta cena que iria talvez comprometer tão gravemente seu futuro, Mr. Fogg, acompanhando Mrs. Aouda, passeava pelas ruas da cidade inglesa. Desde que Mrs. Aouda tinha aceitado sua oferta de conduzi-la à Europa, ele começara a providenciar todos os detalhes necessários para uma viagem tão longa. Que um inglês como ele fizesse a volta ao mundo com uma sacola de viagem na mão, admite-se; mas uma mulher não a poderia empreender nestas condições. Daí a necessidade de comprar roupas e objetos para a viagem. Mr. Fogg se incumbiu desta tarefa com a calma que o caracterizava, e a todas as desculpas e objeções da viúva, confusa com tanta amabilidade:
— É no interesse da minha viagem, está no meu programa, respondia invariavelmente.
Feitas as aquisições, Mr. Fogg e a jovem regressaram ao hotel e jantaram à mesa dos hóspedes, que estava suntuosamente servida. Depois, Mrs. Aouda, um pouco cansada, subiu para o seu apartamento, depois de ter apertado “à inglesa” a mão do seu imperturbável salvador.
O respeitável gentleman, este, absorveu-se durante toda a tarde na leitura do Times e do Illustrated London News.
Se fosse homem capaz de ficar espantado com algo, teria ficado ao não ver aparecer o seu criado à hora de deitar. Mas, sabendo que o paquete para Yokohama não deveria sair de Hong Kong antes do dia seguinte pela manhã, não se preocupou. No dia seguinte, Passepartout não se apresentou ao toque da sineta de Mr. Fogg.
O que pensou o honrado gentleman ao saber que o seu criado não tinha voltado ao hotel, ninguém poderá dizer. Mr. Fogg contentou-se com pegar sua sacola de viagem, pediu para avisarem Mrs. Aouda, e mandou buscar um palanquim. Eram oito horas, e o preamar, que o Carnatic deveria aproveitar para sair dos escolhos do porto, estava previsto para as nove e meia.
Quando o palanquim chegou à porta do hotel, Mr. Fogg e Mrs. Aouda subiram para o confortável veículo, e as bagagens seguiram atrás sobre uma carreta. Meia hora mais tarde, os viajantes desciam no cais de embarque, e aí Mr. Fogg soube que o Carnatic tinha partido na véspera.
Mr. Fogg, que esperava encontrar, ao mesmo tempo, o paquete e o criado, ficara sem um e sem outro. Mas nenhum sinal de desapontamento apareceu em seu semblante, e como Mrs. Aouda o olhava com inquietude, contentou-se em responder:
— É um incidente, senhora, nada mais que um incidente.
Neste momento, um personagem, que o observava com atenção, aproximou-se. Era o inspetor Fix, que o cumprimentou e disse:
— Não era o senhor, como eu, um dos passageiros do Rangoon, que chegou ontem?
— Sim, senhor, respondeu friamente Mr. Fogg, mas não tenho a honra...
— Desculpe-me, mas pensava encontrar aqui o seu criado.
— Sabe onde ele está, senhor? perguntou ansiosamente a jovem.
— O que! respondeu Fix, fingindo surpresa, não está aqui?
— Não, respondeu Mrs. Aouda. Desde ontem que não aparece. Teria embarcado sem nós no Carnatic?
— Sem os senhores, madame?... respondeu o agente. Mas, desculpe a minha pergunta, contavam partir neste paquete?
— Sim, senhor.
— Eu também, madame, e, como vê, estou muito desapontado. O Carnatic, tendo terminado seus reparos, deixou Hong Kong doze horas antes sem avisar ninguém, e agora vai ser preciso esperar oito dias pela próxima partida! Ao pronunciar as palavras “oito dias”, Fix sentia o coração pular de alegria. Oito dias! Fogg retido oito dias em Hong Kong! Haveria tempo para receber o mandado de prisão. Finalmente a sorte declarava-se a favor do representante da lei.
Avaliem, então, o golpe mortal que recebeu, quando ouviu Mr. Fogg dizer com a sua voz calma:
— Mas há outros navios além do Carnatic, parece-me, no porto de Hong Kong!
E Mr. Fogg, oferecendo seu braço a Mrs. Aouda, dirigiu-se para as docas à procura de um navio que estivesse de partida.
Fix, assombrado, foi atrás. Dir-se-ia que um fio o atava àquele homem. Contudo, a sorte parecia verdadeiramente ter abandonado aquele a quem até então tanto servira. Phileas Fogg, durante três horas, percorreu o porto em todos os sentidos, decidido, se preciso fosse, a fretar uma embarcação para o transportar a Yokohama; mas só viu navios carregando ou descarregando, e que, portanto, não poderiam estar de partida. Fix sentiu renascer sua esperança. Entretanto Mr. Fogg não se desconcertava, e ia continuar a sua busca, mesmo que precisasse passar a Macau, quando foi abordado por um marinheiro na entrada do porto.
— Vossa Honra procura um barco? perguntou-lhe o marinheiro, tirando o chapéu.
— Tem um barco pronto para partir? perguntou Mr. Fogg.
— Sim, Vossa Honra, o barco de pilotagem n.° 43, o melhor da frotilha.
— Navega rápido?
— Entre oito e nove milhas, mais ou menos. Quer vê-lo?
— Sim.
— Vossa Honra ficará satisfeito. É algum passeio no mar?
— Não. De uma viagem.
— Uma viagem?
— Encarregar-se-ia de levar-me a Yokohama?
O marinheiro, a estas palavras, deteve os movimentos do braço, esbugalhou os olhos.
— Vossa Honra está brincando? disse.
— Não! Perdi a partida do Carnartic, e preciso estar dia 14, o mais tardar, em Yokohama, para tomar o paquete para São Francisco.
— Lamento, respondeu o piloto, mas é impossível.
— Ofereço cem libras (2.500 F) por dia, e uma gratificação de duzentas libras se chegar a tempo.
— A sério? perguntou o piloto.
— Muito a sério, respondeu Mr. Fogg.
O piloto afastara-se um pouco para o lado. Olhava o mar, evidentemente hesitando entre o desejo de ganhar uma soma enorme e o medo de se aventurar tão longe. Fix estava com pânicos mortais.
Neste interim, Mr. Fogg voltara-se para Mrs. Aouda.
— Não tem medo, madame? perguntou.
— Consigo, não, senhor Fogg, respondeu a jovem.
O piloto aproximara-se outra vez do gentleman, e girava o chapéu entre as mãos.
— Então, piloto? disse Mr. Fogg.
— Então, Meu Senhor, respondeu o piloto, não posso arriscar nem meus homens, nem a mim, nem mesmo a si, em uma travessia tão longa num barco de vinte toneladas apenas, e nesta época do ano. Além disso, não chegaríamos a tempo, porque há mil seiscentas e cinqüenta milhas de Hong Kong a Yokohama.
— Mil e seiscentas apenas, disse Mr. Fogg.
— Dá na mesma.
Fix respirou fundo.
— Mas, acrescentou o piloto, haverá talvez meio de se arranjar de outro modo.
Fix não respirava mais.
— Como? perguntou Phileas Fogg.
— Indo a Nagasaki, a extremidade sul do Japão, mil e cem milhas, ou apenas a Shangai, oitocentas milhas de Hong Kong. Nesta última travessia, não nos afastaríamos da costa chinesa, o que seria uma grande vantagem, ainda mais que aí as correntes levam para o norte.
— Piloto, respondeu Phileas Fogg, é em Yokohama que devo tomar o paquete, não em Shangai ou em Nagasaki.
— Por que não? respondeu o piloto. O paquete para São Francisco não parte de Yokohama. Faz escala em Yokohama e em Nagasaki, mas o seu porto de partida é Shangai!
— Está certo do que diz?
— Certo.
— E quando o paquete deixa Shangai?
— Dia 11, às sete da noite. Temos, pois, quatro dias pela frente. Quatro dias, são noventa e seis horas, e com uma média de oito milhas por hora, se tivermos sorte, se o vento soprar de sudeste, se o mar estiver calmo, podemos fazer as oitocentas milhas que nos separam de Shangai.
— E pode partir...
— Em uma hora. O tempo de comprar os víveres e aparelhar.
— Negócio fechado... É dono do barco?
— Sim, John Bunsby , patrão da Tankadère.
— Quer um sinal?
— Se isso não ofender Vossa Honra.
— Aqui estão duzentas libras por conta... Senhor, acrescentou Phileas Fogg voltando-se para o agente, se quiser aproveitar...
— Senhor, respondeu resolutamente Mr. Fix, ia lhe pedir esse favor.
— Bem. Em meia hora estaremos a bordo.
— Mas o pobre rapaz... disse Mrs. Aouda, a quem o desaparecimento de Passepartout preocupava extremamente.
— Vou fazer por ele tudo o posso fazer, respondeu Phileas Fogg.
E, enquanto Fix, nervoso, febril, raivoso, se encaminhava para o barco-piloto, os dois se dirigiram para os escritórios da polícia de Hong Kong. Ali, Phileas Fogg deu a descrição de Passepartout, e deixou uma quantia suficiente para repatriá-lo.
A mesma formalidade foi cumprida junto ao agente consular francês, e o palanquim, após passar pelo hotel, onde as bagagens foram pegas, reconduziu os viajantes ao embarcadouro.
Soavam três horas. O barco-piloto n.° 43, com sua tripulação a bordo, seus víveres embarcados, estava pronto para largar.
A Tankadère era uma pequena goleta atraente de vinte toneladas, bem pinçada na frente, bem solta em suas maneiras, muito alongada em suas linhas d’água. Parecida um iate de corrida. Seus cobres brilhantes, sua ferragens galvanizadas, sua coberta branca como marfim, indicavam que o mestre John Bunsby sabia conservá-la em bom estado. Seus dois mastros inclinavam-se um pouco para trás. Levava velas latinas, mezena, traquete, e, com vento pela popa, podia cortar o mar maravilhosamente. Devia navegar rápido, e, de fato, já ganhara diversos prêmios nos “matches” de barcos de pilotagem.
A tripulação da Tankadère era composta pelo mestre John Bunsby e quatro homens. Eram desses marinheiros valorosos que, com qualquer tempo, se aventuram à busca dos navios, e conheciam muito bem estes mares. John Bunsby , homem de cerca de quarenta e cinco anos, vigoroso, bronzeado de sol, o olhar vivo, a expressão enérgica, bem aprumado, bom no que fazia, teria inspirado confiança aos mais medrosos.
Phileas Fogg e Mrs. Aouda passaram ao navio. Fix já se achava ali. Pela escotilha de popa da goleta, descia-se para um quarto quadrado, cujas anteparas se desdobravam em forma de catres por cima de um divã circular. No meio, uma mesa iluminada por um lampião que oscilava. Era pequeno, mas limpo.
— Lamento não poder lhe oferecer coisa melhor, disse Mr. Fogg a Fix, que se inclinou sem responder.
O inspetor de polícia sentiu uma espécie de humilhação em aproveitar assim os obséquios do senhor Fogg.
— Com certeza, pensava, é um tratante muito delicado, mas é um tratante.
As três e dez, as velas foram içadas. O pavilhão inglês tremulava no casco da goleta. Os passageiros estavam sentados no convés. Mr. Fogg e Mrs. Aouda lançaram um último olhar para o cais, para ver se Passepartout aparecia.
Fix não estava sem apreensões, porque o acaso poderia conduzir àquele lugar o infeliz rapaz a quem tratara tão indignamente, e então dar-se-iam explicações, das quais Fix não se sairia muito bem. Mas o francês não apareceu, e, sem dúvida, o narcótico embrutecedor ainda o tinha sob sua influência.
— Afinal, o mestre John Bunsby fez-se ao largo, e a Tankadère, tomando o vento em suas velas, lançou-se balouçando sobre as ondas.
continua pag 124...
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Julio Verne nasceu em Nantes em 8 de fevereiro de 1828. Fugiu de casa com 11 anos para ser grumete e depois marinheiro. Localizado e recuperado, retornou ao lar paterno. Em um furioso ataque de vergonha por sua breve e efêmera aventura, jurou solenemente (para a sorte de seus milhões de leitores) não voltar a viajar senão em sua imaginação e através de sua fantasia.
Promessa que manteve em mais de oitenta livros.
Sua adolescência transcorreu entre contínuos choques com o pai, para quem as veleidades exploratórias e literárias de Júlio pareciam totalmente ridículas.
Finalmente conseguiu mudar-se para Paris onde entrou em contato com os mais prestigiados literatos da época. Em 1850 concluiu seus estudos jurídicos e, apesar insistência do pai para que voltasse a Nantes, resistiu, firme na decisão de tornar-se um profissional das letras.
Foi por esta época que Verne, influenciado pelas conquistas científicas e técnicas da época, decide criar uma literatura adaptada à idade científica, vertendo todos estes conhecimentos em relatos épicos, enaltecendo o gênio e a fortaleza do homem em sua luta por dominar e transformar a natureza.
Em 1856 conheceu Honorine de Vyane, com quem casou em 1857.
Por essa época, era um insatisfeito corretor na Bolsa, e resolveu seguir o conselho de um amigo, o editor P. J. Hetzel, que será seu editor in eternum, e converteu um relato descritivo da África no Cinco Semanas em Balão (1863). Obteve êxito imediato. Firmou um contrato de vinte anos com Hetzel, no qual, por 20.000 francos anuais, teria de escrever duas novelas de novo estilo por ano. O contrato foi renovado por Hetzel e, mais tarde, por seu filho. E assim, por mais de quarenta anos, as Voyages Extraordinaires apareceram em capítulos mensais na revista Magasin D'éducation et de Récréation.
Em A Volta ao Mundo em 80 Dias, encontramos, ao mesmo tempo, muito da breve experiência de Verne como marinheiro e como corretor de Bolsa. Nada mais justo, também, que o novo estilo literário inaugurado por Júlio Verne, fosse utilizado por uma nova arte que surgia: o cinema. Da Terra à Lua (Georges Mélies, 1902), La Voyage a travers l'impossible (Georges Mélies, 1904), 20.000 lieus sous les mers (Georges Mélies, 1907), Michael Strogof (J. Searle Dawley, 1910), La Conquête du pôle (Georges Mélies, 1912) foram alguns dos primeiros filmes baseados em suas obras. Foram inúmeros.
A Volta ao Mundo em 80 dias foi filmado em 1956, com enredo milionário, dirigido por Michael Anderson, música de Victor Young, direção de fotografia de Lionel Lindon. David Niven fez Phileas Fogg, Cantinflas, Passepartout, Shirley MacLaine, Aouda. Em 1989, foi aproveitado para uma série de TV, com a participação da BBC, dirigida por Roger Mills. No mesmo ano, outra série de TV, agora nos EE.UU., dirigida por Buzz Kulik, com Pierce Brosnan (Phileas Fogg), Eric Idle (Passepartout), Julia Nickson-Soul (Aouda), Peter Ustinov (Fix).
Apesar de tudo, a vida de Verne não foi fácil. Por um lado sua dedicação ao trabalho minou a tal ponto sua saúde que durante toda a vida sofreu ataques de paralisia. Como se fosse pouco, era diabético e acabou por perder vista e ouvido. Seu filho Michael lhe deu os mesmos problemas que dera ao pai e, desgraça das desgraças, um de seus sobrinhos lhe disparou um tiro à queima-roupa deixando-o coxo. Sua vida efetiva também não foi das mais tranquilas e todos os seus biógrafos admitem ter tido uma amante, um relacionamento que só terminou com a morte da misteriosa dama.
Verne também se interessou pela política, tendo sido eleito para o Conselho de Amiens em 1888 na chapa radical, reeleito em 1892, 1896 e 1900.
Morreu em 24 de Março de 1905
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A Volta ao Mundo em 80 Dias é um romance de aventura escrito pelo francês Júlio Verne e lançado em 1873. A obra retrata a tentativa do cavalheiro inglês Phileas Fogg e seu valete, Passepartout, de circum-navegar o mundo em 80 dias.
Data da primeira publicação: 30 de janeiro de 1873
Autor: Júlio Verne
Editora: Pierre-Jules Hetzel
País: França
Personagens: Phileas Fogg, Passepartout, Princesa Aouda, Inspetor Fix, James Forster
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sempre com algum spolier animado...
A VOLTA AO MUNDO EM 80 DIAS - Jules Verne
│ Resenha Animada
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