segunda-feira, 29 de junho de 2020

Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 14 (2) — Albatrozes e Pinguins

Edgar Allan Poe - Contos




Aventuras de Arthur Gordon Pym 
Título original: Narrative of A. G. Pym 
Publicado em 1837





14 — Albatrozes e Pinguins



continuando....



Encontram-se na ilha de Kerguelen algumas espécies de focas e também abundam as focas de tromba ou elefantes marinhos. Os pinguins existem em grandes quantidades e são de quatro famílias diferentes. O pinguim real, assim chamado devido ao seu porte e à beleza da plumagem. Geralmente, tem a parte superior do corpo cinzenta, por vezes mesclada de lilás, sendo a parte inferior do branco mais puro que possam imaginar. A cabeça é de um negro brilhante, assim como os pés. Mas a principal beleza da sua plumagem reside em duas largas riscas douradas que descem da cabeça ao peito. O bico é longo, umas vezes cor-de-rosa, outras vermelho vivo. Estes pássaros andam muito direitos, com uma postura pomposa, sempre com a cabeça bem erguida e as asas pendentes como dois braços e, como a cauda se projeta para fora do corpo, na mesma direção das coxas, a sua semelhança com a figura humana é realmente surpreendente e poderia enganar qualquer pessoa que os visse de repente ou à luz crepuscular. Os pinguins reais que encontramos em Kerguelen eram um pouco maiores do que os gansos. As outras espécies são: o pinguim macaroni, o jack-ass e o pinguim rookery. São muito mais pequenos, têm uma plumagem menos bela e são diferentes sob todos os aspetos.

Além do pinguim, encontram-se nesta ilha muitas outras aves, entre as quais se podem citar a uria, o petrel azul, a cerceta, o pato, a galinha de Port Egmont, o corvo-marinho verde, a pomba do Cabo, a nelly, a andorinha-do-mar, a gaivota, o petrel das tempestades ou Mother Carey, chicken, o grande petrel, ou na linguagem dos marinheiros, a Mother Carey's goose e, finalmente, o albatroz.

O grande petrel é do mesmo tamanho que o albatroz vulgar e é carnívoro. Às vezes chamam-lhe petrel-quebra-ossos ou petrel-águia-marinha. Estas aves não são esquivas e, quando convenientemente arranjadas e temperadas, constituem uma alimentação bastante agradável. Por vezes, ao voar, rasam a superfície das águas muito de perto, com as asas abertas, parecendo que não as movem, ou utilizam.

O albatroz é uma das maiores e mais rápidas aves dos mares do Sul. Pertence à família das gaivotas e agarra a sua presa em pleno voo, nunca pousando a não ser para cuidar das crias. O albatroz e o pinguim estão ligados por uma estranha amizade. Os seus ninhos são construídos de uma maneira muito uniforme, de acordo com um plano estabelecido entre as duas espécies, ocupando o albatroz o centro de um quadrado formado pelos ninhos de quatro pinguins. Os navegadores são unânimes em chamar a esta espécie de acordo ou conjunto de ninhos uma rookery. Estas colônias já foram descritas mais de uma vez, mas como nem todos os nossos leitores tiveram oportunidade de ler essas descrições e como mais tarde virei a falar do pinguim e do albatroz, não me parece despropositado dizer agora algumas palavras sobre o seu modo de viver.

Quando chega a época da incubação, estas aves reúnem-se em grandes grupos e, durante alguns dias, parecem deliberar sobre o melhor método a seguir. Finalmente passam à ação. Escolhem um local plano, de dimensões adequadas, geralmente entre três e quatro acres, o mais perto possível do mar, embora fora do seu alcance. O que mais pesa na sua escolha do terreno é a uniformidade da superfície e a existência de poucas pedras. Resolvida esta questão, as aves atuam de comum acordo e, como que movidas pelo mesmo espírito, começam a fazer, com uma correção matemática, o traçado de um quadrado ou de outro paralelogramo, que se adapte melhor à natureza do terreno, numa extensão suficiente para instalar todas as aves da colônia, mas só essas, parecendo assim querer exprimir a sua intenção de fechar a colônia aos vagabundos, que não tenham participado na construção do acampamento. Um dos lados do polígono fica paralelo à costa e é aberto para que as aves possam entrar e sair.

Depois de terem traçado os limites do acampamento, começam a limpar o terreno de toda a espécie de detritos, removendo tudo, pedra a pedra, que transportam para fora, mas perto das linhas traçadas de forma a erigir uma muralha nos três lados do polígono, voltados para terra. Junto a esta muralha e do lado de dentro, constroem uma passagem perfeitamente plana, com uma largura de 6 a 8 pés, que se estende a toda a volta do acampamento, com o fim de estabelecer uma espécie de passeadouro comum.

A operação que se segue consiste em dividir todo o terreno em pequenos quadrados perfeitamente iguais em dimensões. Para o conseguir, fazem estreitos caminhos, completamente nivelados e cruzando-se em ângulos retos, através de toda a extensão da rookery. Em cada intersecção fica um ninho de pinguim e no centro de cada quadrado um ninho de albatroz, de forma que cada pinguim está rodeado por quatro albatrozes e cada albatroz está cercado de um número igual de pinguins. O ninho de um pinguim consiste num buraco aberto no solo, com uma profundidade suficiente para que o seu único ovo não role. O albatroz adota uma construção menos simples levantando um pequeno montículo com um pé de altura e dois de largura, feito de terra, algas e conchas e, no cimo, constrói o ninho.

As aves têm um cuidado muito especial em nunca deixar os ninhos vazios durante o tempo que dura a incubação e mesmo até que as crias estejam suficientemente fortes para se bastarem a si próprias. Durante a ausência do macho que foi ao mar à procura de alimentos, a fêmea substitui-o e, só quando o companheiro regressa, ela se vai embora. Os ovos nunca ficam descobertos, pois quando uma ave deixa o ninho, logo outra ocupa o seu lugar. Esta precaução é indispensável devido à tendência para a gatunice que existe na colônia, pois os seus habitantes não têm escrúpulos em se roubarem mutuamente os ovos, sempre que têm oportunidade para isso.

Embora existam algumas destas colônias, habitadas exclusivamente por pinguins e albatrozes, encontram-se, porém muitas outras com uma enorme variedade de aves marinhas, que têm os mesmos direitos, espalhando os seus ninhos onde calha, ou onde encontram espaço, mas nunca usurpando os lugares já ocupados por espécies mais fortes. O aspeto destas colônias, vistas de longe, é muito estranho. Toda a atmosfera por cima dos acampamentos está obscurecida por uma multidão de albatrozes (misturados com outras espécies mais pequenas) que sobrevoam continuamente a rookery, seja porque partem para o mar, seja porque regressam aos ninhos. Ao mesmo tempo, vê-se uma multidão de pinguins, para trás e para diante nos estreitos carreiros e no corredor que dá a volta ao acampamento, andando com o pomposo porte militar que os caracteriza. Numa palavra, seja qual for a maneira como encaremos as coisas, nada é mais surpreendente do que o espírito de reflexão manifestado por estes seres emplumados e nada é, com toda a certeza, melhor para fazer meditar qualquer ser inteligente e ponderado.

Na própria manhã da nossa chegada a Christmas Harbour, o imediato, senhor Patterson, mandou descer as embarcações para ir à caça das focas (embora a época ainda não fosse a melhor) e deixou o capitão com um jovem familiar, num ponto da costa a oeste, porque deviam ter algo para fazer no interior da ilha, de que eu não fui informado. O capitão Guy levou uma garrafa com uma carta dentro e, do local onde desembarcou, dirigiu-se a um dos picos mais altos da ilha. É provável que tencionasse deixar a carta naquele ponto para algum navio que ele soubesse vir mais tarde. Assim que o perdemos de vista (Peters e eu estávamos no barco do imediato), começamos a explorar a costa, à procura de focas. Passamos cerca de três semanas nesta tarefa, examinando minuciosamente todos os recantos não só de Kerguelen, mas também de outras ilhotas vizinhas. No entanto, os nossos trabalhos não foram coroados de grande êxito. Vimos muitas focas, mas eram tão desconfiadas que só conseguimos reunir, e com muito custo, trezentas e cinquenta peles ao todo. Os elefantes marinhos ou focas de tromba, abundam ao longo da costa da ilha principal, mas só matamos uma vintena e com grande dificuldade. Nas ilhotas encontramos uma grande quantidade de focas, mas tinham a pele dura e não as importunamos. No dia 11 de novembro voltamos a bordo da escuna, onde encontramos o capitão Guy e o sobrinho, que nos descreveram o interior da ilha como um dos sítios mais tristes e estéreis do mundo. Tinham passado dois dias em terra, devido a um mal-entendido entre eles e o segundo-piloto, que não lhes tinha enviado a tempo uma embarcação para voltarem ao navio.






continua na página 220...

__________________


Edgar Allan Poe (nascido Edgar Poe; Boston, Massachusetts, Estados Unidos, 19 de Janeiro de 1809 — Baltimore, Maryland, Estados Unidos, 7 de Outubro de 1849) foi um autor, poeta, editor e crítico literário estadunidense, integrante do movimento romântico estadunidense. Conhecido por suas histórias que envolvem o mistério e o macabro, Poe foi um dos primeiros escritores americanos de contos e é geralmente considerado o inventor do gênero ficção policial, também recebendo crédito por sua contribuição ao emergente gênero de ficção científica. Ele foi o primeiro escritor americano conhecido por tentar ganhar a vida através da escrita por si só, resultando em uma vida e carreira financeiramente difíceis.

Ele nasceu como Edgar Poe, em Boston, Massachusetts; quando jovem, ficou órfão de mãe, que morreu pouco depois de seu pai abandonar a família. Poe foi acolhido por Francis Allan e o seu marido John Allan, de Richmond, Virginia, mas nunca foi formalmente adotado. Ele frequentou a Universidade da Virgínia por um semestre, passando a maior parte do tempo entre bebidas e mulheres. Nesse período, teve uma séria discussão com seu pai adotivo e fugiu de casa para se alistar nas forças armadas, onde serviu durante dois anos antes de ser dispensado. Depois de falhar como cadete em West Point, deixou a sua família adotiva. Sua carreira começou humildemente com a publicação de uma coleção anônima de poemas, Tamerlane and Other Poems (1827).

Poe mudou seu foco para a prosa e passou os próximos anos trabalhando para revistas e jornais, tornando-se conhecido por seu próprio estilo de crítica literária. Seu trabalho o obrigou a se mudar para diversas cidades, incluindo Baltimore, Filadélfia e Nova Iorque. Em Baltimore, casou-se com Virginia Clemm, sua prima de 13 anos de idade. Em 1845, Poe publicou seu poema The Raven, foi um sucesso instantâneo. Sua esposa morreu de tuberculose dois anos após a publicação. Ele começou a planejar a criação de seu próprio jornal, The Penn (posteriormente renomeado para The Stylus), porém, em 7 de outubro de 1849, aos 40 anos, morreu antes que pudesse ser produzido. A causa de sua morte é desconhecida e foi por diversas vezes atribuída ao álcool, congestão cerebral, cólera, drogas, doenças cardiovasculares, raiva, suicídio, tuberculose entre outros agentes.

Poe e suas obras influenciaram a literatura nos Estados Unidos e ao redor do mundo, bem como em campos especializados, tais como a cosmologia e a criptografia. Poe e seu trabalho aparecem ao longo da cultura popular na literatura, música, filmes e televisão. Várias de suas casas são dedicadas como museus atualmente.


____________________



Edgar Allan Poe

CONTOS

Originalmente publicados entre 1831 e 1849 



_____________________

Leia também:

Edgar Allan Poe - Contos: Silêncio
Edgar Allan Poe - Contos: Um Manuscrito encontrado numa Garrafa
Edgar Allan Poe - Contos: A Entrevista
Edgar Allan Poe - Contos: Berenice (começo)
Edgar Allan Poe - Contos: Morella
Edgar Allan Poe - Contos: O Rei Peste
Edgar Allan Poe - Contos: O Rei Peste (fim)
Edgar Allan Poe - Contos: Um Homem na Lua (01)
Edgar Allan Poe - Contos: A Sombra
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym (Prefácio)
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 1 — Aventureiros Precoces(1)
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 1 — Aventureiros Precoces(2)
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 2 — O Esconderijo(1)
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 2 — O Esconderijo(2)
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 2 — O Esconderijo(3)
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 3 — «Tigre» Enraivecido (1)
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 3 — «Tigre» Enraivecido (2)
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 4 — Revolta e Massacre
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 5 — A Carta de Sangue
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 6 — Um Raio de Esperança
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 7 — Plano de Libertação
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 8 — O Fantasma
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 9 — A Pesca dos Víveres
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 10 — O Brigue Misterioso
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 11 — A Garrafa de Porto
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 13 (1) — Enfim Salvos!
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 13 (2) — Enfim Salvos!
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 14 (1)  — Albatrozes e Pinguins
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 14 (2)  — Albatrozes e Pinguins
Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 15 — As Ilhas que não se encontram




O BAILE DA MORTE VERMELHA, DE EDGAR ALLAN POE [Nocautes Literários]






Nenhum comentário:

Postar um comentário