segunda-feira, 29 de junho de 2020

Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XXV - De Quanto Pode a Fortuna nas Coisas Humanas e...

O PRÍNCIPE

Maquiavel


AO MAGNÍFICO LORENZO DE MEDICI NICOLÓ MACHIAVELLI






CAPÍTULO XXV



DE QUANTO PODE A FORTUNA NAS COISAS HUMANAS E DE QUE
MODO SE LHE DEVA RESISTIR

(QUANTUM FORTUNA IN REBUS HUMANIS POSSIT, ET QUOMODO ILLI SIT
OCCURREN DUM)




Não ignoro que muitos têm tido e têm a opinião de que as coisas do mundo sejam governadas pela fortuna e por Deus, de forma que os homens, com sua prudência, não podem modificar nem evitar de forma alguma; por isso poder-se-ia pensar não convir insistir muito nas coisas, mas deixar-se governar pela sorte. Esta opinião tornou-se mais aceita nos nossos tempos pela grande modificação das coisas que foi vista e que se observa todos os dias, independente de qualquer conjetura humana. Pensando nisso algumas vezes, em parte inclinei-me em favor dessa opinião. Contudo, para que o nosso livre arbítrio não seja extinto, julgo poder ser verdade que a sorte seja o árbitro da metade das nossas ações, mas que ainda nos deixe governar a outra metade, ou quase. Comparo-a a um desses rios torrenciais que, quando se encolerizam, alagam as planícies, destroem as árvores e os edifícios, carregam terra de um lugar para outro; todos fogem diante dele, tudo cede ao seu ímpeto, sem poder opor-se em qualquer parte. E, se bem assim ocorra, isso não impedia que os homens, quando a época era de calma, tomassem providências com anteparos e diques, de modo que, crescendo depois, ou as águas corressem por um canal, ou o seu ímpeto não fosse tão desenfreado nem tão danoso. 

Da mesma forma acontece com a sorte, a qual demonstra o seu poderio onde não existe virtude preparada para resistir e, aí, volta seu ímpeto em direção ao ponto onde sabe não foram construídos diques e anteparos para contê-la, E, se considerardes a Itália, que é a sede destas variações e aquela que lhes deu motivo, vereis ser ela uma região sem diques e sem qualquer anteparo, eis que se protegida por convenientes forças militares, como a Alemanha, a Espanha e a França, ou esse transbordamento não teria feito as grandes alterações que fez, ou não teria ocorrido. Penso que isto seja suficiente quanto ao que tinha a dizer acerca da oposição que se pode antepor à sorte em geral.

Mas, restringindo-me mais ao particular, digo por que se vê um príncipe hoje em franco e feliz progresso e amanhã em ruína, sem que tenha mudado sua natureza ou as suas qualidades; isso resulta, segundo creio, primeiro das razões que foram longamente expostas mais atrás, isto é, que o príncipe que se apoia totalmente na sorte arruína-se segundo as variações desta. Creio, ainda, seja feliz aquele que acomode o seu modo de proceder com a natureza dos tempos, da mesma forma que penso seja infeliz aquele que, com o seu proceder, entre em choque com o momento que atravessa.

Isso decorre de ver-se que os homens, naquilo que os conduz ao fim que cada um tem por objetivo, isto é, glórias e riquezas, procedem por formas diversas: um com cautela, o outro com ímpeto, um com violência, o outro com astúcia, um com paciência e o outro por forma contrária; e cada um, por esses diversos meios, pode alcançar o objetivo.

Vê-se, ainda, de dois indivíduos cautos, um alcançar o seu objetivo, o outro não, e da mesma maneira, dois deles alcançarem igualmente fim feliz com duas tendências diversas, sendo, por exemplo, um cauteloso e o outro impetuoso; isso resulta apenas da natureza dos tempos que se adaptam ou não ao proceder dos mesmos. Daí decorre aquilo que eu disse, isto é, que dois indivíduos agindo por formas diversas podem alcançar o mesmo efeito, ao passo que de dois que operem igualmente, um alcança o seu fim e o outro não.

Disto depende, ainda, a variação do conceito de bem, porque, se alguém se orienta com prudência e paciência e os tempos e as situações se apresentam de modo a que a sua orientação seja boa, ele alcança a felicidade; mas, se os tempos e as circunstâncias se modificam, ele se arruína, visto não ter mudado seu modo de proceder. Nem é possível encontrar homem tão prudente que saiba acomodar-se a isso, seja porque não pode se desviar daquilo a que a natureza o inclina, seja ainda porque, tendo alguém prosperado seguindo sempre por um caminho, não se consegue persuadi-lo de abandoná-lo. Por isso, o homem cauteloso, quando é tempo de passar para o ímpeto, não sabe fazê-lo e, em conseqüência, cai em ruína, dado que se mudasse de natureza de acordo com os tempos e com as coisas, a sua fortuna não se modificaria.

O Papa Júlio II, em todas as suas coisas procedeu impetuosamente e encontrou tanto os tempos como as circunstâncias coincidentes com aquele seu modo de proceder, pelo que sempre alcançou feliz êxito. Considerai a primeira campanha que encetou contra Bolonha, sendo ainda vivo messer Giovanni Bentivoglio. Os venezianos estavam descontentes; o rei da Espanha, nas mesmas condições; com a França ainda discutia tal empresa. Isso não obstante, com ferocidade e ímpeto, deu início pessoalmente àquela expedição que, uma vez iniciada, fez com que ficassem suspensos e parados tanto a Espanha como os venezianos, estes por medo, aquela pelo desejo de recuperar todo o reino de Nápoles, de outra parte, arrastou consigo o rei de França porque, vendo-o esse rei em campanha e desejando torná-lo seu amigo para aviltar os venezianos, julgou não poder negar-lhe a sua gente sem injuriá-lo por forma manifesta.

Realizou Júlio, portanto, com seu movimento impetuoso, aquilo que jamais outro pontífice, com toda a humana prudência, teria feito, pois se ele, para partir de Roma, tivesse esperado estar com todos os planos estabelecidos e todas as coisas assentadas, como qualquer outro Papa teria feito, nunca teria obtido êxito, eis que o rei de França teria apresentado mil desculpas e os outros lhe teriam incutido mil receios. Desejo omitir as outras suas ações, todas semelhantes e todas com feliz êxito, sendo que a brevidade da vida não o deixou experimentar o contrário, dado que se tivessem sobrevindo tempos em que se tornasse necessário agir com cautelas, surgiria a sua ruína, pois jamais ele teria desviado daquele modo de proceder a que a natureza o inclinava.

Concluo, pois, que variando a sorte e permanecendo os homens obstinados nos seus modos de agir, serão felizes enquanto aquela e estes sejam concordes e infelizes quando surgir a discordância. Considero seja melhor ser impetuoso do que dotado de cautela, porque a fortuna é mulher e consequentemente se torna necessário, querendo dominá-la, bater-lhe e contrariá-la; e ela mais se deixa vencer por estes do que por aqueles que procedem friamente. A sorte, porém, como mulher, sempre é amiga dos jovens, porque são menos cautelosos, mais afoitos e com maior audácia a dominam.




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Brevíssima biografia de Nicolau Maquiavel

Nicolau Maquiavel
Filósofo político e escritor italiano
Por Dilva Frazão



Nicolau Maquiavel (1469-1527) foi um filósofo político, historiador, diplomata e escritor italiano, autor da obra-prima "O Príncipe". Foi profundo conhecedor da política da época, estudou-a em suas diferentes obras. Viveu durante o governo de Lourenço de Médici. Realista e patriota definiu os meios para erguer a Itália.

Nicolau Maquiavel nasceu em Florença, Itália, no dia 3 de maio de 1469. Sua família de origem Toscana participou dos cargos públicos por mais de três séculos. Filho de Bernardo Maquiavel, jurista e tesoureiro da província de Marca de Ancona e de Bartolomea Nelli, que era ligada às mais ilustres família de Florença.

Interessado pelos problemas de seu tempo, Maquiavel participou ativamente da política de Florença. Com 29 anos, tornou-se secretário da Segunda Chancelaria durante o governo de Piero Soderim. Tinha a seu cargo questões militares de ordem interna como a redação de documentos oficiais. Ocasionalmente, realizou missões diplomáticas envolvendo a França, Alemanha, os Estados papais e diversas cidades italianas, como Milão, Pisa e Veneza...

... A obra “O Príncipe”, escrita por Maquiavel em 1513, e publicada postumamente em 1532, se transformou em sua obra-prima. O livro, um manual sobre a arte de governar, foi inspirado no estilo político de César Bórgia um dos mais ambiciosos comandantes italianos, que ficou conhecido por seu poder e atrocidades que cometeu para conseguir o que queria. Maquiavel viu nele o modelo para os demais governantes da época.

A obra revela a preocupação de Maquiavel com o momento histórico da Itália, fragilizada pela falta de unidade nacional e alvo de invasões e intrigas diplomáticas. Indignado com a decadência política e moral da Itália, o autor dirige conselhos a um príncipe imaginário, com o único objetivo de unificar a Itália e criar uma nação moderna e poderosa.

Para Maquiavel, o importante era realizar o desejo projetado, mesmo sob qualquer forma de governo – monarquia ou república, e por qualquer meio, inclusive a violência. Considerava os fatores morais, religiosos e econômicos, que operavam na sociedade como forças que um governante hábil poderia e deveria utilizar para construir um estado nacional forte. Assim, o príncipe com seu exército nacional que substituísse as precárias forças mercenárias, deveria ser capaz de estender seu domínio sobre todas as cidades italianas, acabando com a discórdia.


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