segunda-feira, 27 de julho de 2020

Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XXVI - Exortação para procurar tomar a Itália...

O PRÍNCIPE

Maquiavel


AO MAGNÍFICO LORENZO DE MEDICI NICOLÓ MACHIAVELLI






CAPÍTULO XXVI



EXORTAÇÃO PARA PROCURAR TOMAR A ITÁLIA E LIBERTÁ-LA
DAS MÃOS DOS BÁRBAROS
(EXHORTATIO AD CAPESSENDAM ITALIAM IN LIBERTATEMQUE A
BARBARIS VINDICANDAM)




Consideradas pois, todas as coisas já expostas, pensando comigo mesmo se no momento presente, na Itália, corriam tempos capazes de honrar um príncipe novo e se havia matéria que assegurasse a alguém, prudente e valoroso, a oportunidade de nela introduzir nova organização que a ele desse honra e fizesse bem a todo o povo, quer me parecer concorrerem tantas circunstâncias favoráveis a um príncipe novo que não sei qual o tempo que poderia ser mais adequado para isto. E se, como já disse, para se conhecer a virtude de Moisés foi necessário que o povo de Israel estivesse escravizado no Egito, para conhecer a grandeza do ânimo de Ciro, que os persas fossem oprimidos pelos medas, e o valor de Teseu, que os atenienses estivessem dispersos, também no presente, querendo conhecer a virtude de um espírito italiano, seria necessário que a Itália se reduzisse ao ponto em que se encontra no momento, que ela fosse mais escravizada do que os hebreus, mais oprimida do que os persas, mais desunida do que os atenienses, sem chefe, sem ordem, batida, espoliada, lacerada, invadida, e tivesse suportado ruína de toda sorte. 

Se bem tenha surgido, até aqui, certo vislumbre de esperança em relação a algum príncipe, parecendo poder ser julgado como dirigido por Deus para redenção da Itália, contudo foi visto depois como, no apogeu de suas ações, foi abandonado pela sorte. De modo que, tornada sem vida, espera ela por aquele que cure as suas feridas e ponha fim aos saques da Lombardia, às mortandades no Reino de Nápoles e na Toscana, e a cure daquelas suas chagas já de há muito enfistuladas. Vê-se como ela implora a Deus lhe envie alguém que a redima dessas crueldades e insolências bárbaras. Vê-se, ainda, toda ela pronta e disposta a seguir uma bandeira, desde que haja quem a empunhe.

Nem se vê no presente em quem possa ela confiar a não ser na vossa ilustre casa, a qual, com a sua fortuna e virtude, favorecida por Deus e pela Igreja, da qual é agora príncipe, poderá tornar-se chefe desta redenção. Isso não será muito difícil, se procurardes seguir as ações e a vida dos acima indicados. E, se bem aqueles homens sejam raros e maravilhosos, sem dúvida foram homens, todos eles tiveram menor ocasião que a presente: porque os empreendimentos dos mesmos não foram mais justos nem mais fáceis do que este, nem foi Deus mais amigo deles do que de vós. É de grande justiça o que digo: iustum enim est bellum quibus necessarium, et pia arma ubi nulla nisi in armis spes est. Aqui há uma grande disposição, e onde esta existe não pode haver grande dificuldade, desde que se imite o modo de agir daqueles que apontei como exemplo. Além disso, aqui se vêem acontecimentos extraordinários emanados de Deus: o mar se abriu, uma nuvem revelou o caminho, a pedra verteu água, aqui choveu o maná; todas as coisas concorreram para a vossa grandeza. O restante deve ser feito por vós. Deus não quer fazer tudo, para não nos tolher o livre arbítrio e parte daquela glória que compete a nós. E não é de admirar se algum dos já citados italianos não tenha podido fazer aquilo que se pode esperar faça a vossa ilustre casa, e se, em tantas revoluções da Itália e em tantas manobras de guerra, parecer sempre que nesta a virtude militar esteja extinta. Isso resulta de que as suas antigas instituições não eram boas e não houve quem soubesse encontrar outras; e nenhuma coisa faz tanta honra a um príncipe novo, quanto as novas leis e os novos regulamentos por ele elaborados. Estes, quando são bem fundados e em si encerrem grandeza, tornam o príncipe digno de reverência e admiração; na Itália não faltam motivos para introduzir-se qualquer reforma. Aqui existe grande valor no povo, enquanto ele falta nos chefes. Observei nos duelos e nos combates individuais o quanto os italianos são superiores na força, na destreza ou no engenho. Mas, quando se passa para os exércitos, não comparecem. E tudo resulta da fraqueza dos chefes, porque aqueles que sabem não são obedecidos, e todos julgam saber, não tendo surgido até agora alguém que tenha sabido se sobressair pela virtude ou pela fortuna de forma a que os outros cedam. Daí decorre que, em tanto tempo, em tantas guerras feitas nos últimos vinte anos, sempre que se formou um exército inteiramente italiano o mesmo deu mau exemplo, do que dão prova Taro, depois Alexandria, Cápua, Gênova, Vailá, Bolonha, Mestri.

Querendo, pois, a vossa ilustre casa seguir aqueles homens excelentes e redimir suas províncias, é necessário, antes de toda e qualquer outra coisa, como verdadeiro fundamento de qualquer empreendimento, prover-se de tropas próprias, pois não se pode conseguir outras mais fiéis e mais seguras, nem melhores soldados. E, ainda que cada um deles seja bom, todos juntos tornar-se-ão ainda melhores, quando se virem comandados pelo seu príncipe e por este honrados e mantidos. É necessário, portanto, preparar esses exércitos, para poder, com a virtude itálica, defender-se dos estrangeiros.

E, se bem as infantarias suíças e espanholas sejam consideradas terríveis, em ambas existem defeitos, pelo que um terceiro tipo de infantaria poderia não somente opor-se-lhes, mas confiar em superá-las. Porque os espanhóis não podem enfrentar a cavalaria e os suíços deverão ter medo dos infantes, quando no combate os encontrarem obstinados como eles. Já se viu, e vê-se ainda, os espanhóis não poderem enfrentar uma cavalaria francesa e os suíços serem derrotados por uma infantaria espanhola. E, se bem deste último caso não se tenha tido plena prova, contudo viu-se uma amostra na campanha de Ravena, quando as infantarias espanholas se defrontaram com os batalhões alemães, que têm a mesma organização dos suíços; aí os espanhóis, com a agilidade do corpo e auxílio dos seus pequenos escudos, haviam-se colocado debaixo dos chuços alemães e estavam certos de feri-los e matá-los sem que os mesmos tal pudessem impedir; realmente, não fosse a cavalaria que os atacou, teriam morto todos os inimigos. Pode-se, pois, conhecido o defeito de uma e de outra dessas infantarias, organizar uma diferente, que resista à cavalaria e não tenha medo dos infantes, o que dará qualidade superior aos exércitos e imporá a mudança de táticas. Estas são daquelas coisas que, reformadas, dão reputação e grandeza a um príncipe novo.

Não se deve, pois, deixar passar esta ocasião, a fim de que a Itália conheça, depois de tanto tempo, um seu redentor. Nem posso exprimir com que amor ele seria recebido em todas aquelas províncias que têm sofrido por essas invasões estrangeiras, com que sede de vingança, com que obstinada fé, com que piedade, com que lágrimas. Quais portas se lhe fechariam? Quais povos lhe negariam obediência? Qual inveja se lhe oporia? Qual italiano lhe negaria o seu favor? A todos repugna este bárbaro domínio. Tome, portanto, a vossa ilustre casa esta incumbência com aquele ânimo e com aquela esperança com que se abraçam as causas justas, a fim de que, sob sua insígnia, esta pátria seja nobilitada e sob seus auspícios se verifique aquele dito de Petrarca:


Virtude contra Furor
Tomará Armas; e Faça o Combater Curto
Que o Antigo Valor
Nos Itálicos Corações Ainda não é Morto.





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Brevíssima biografia de Nicolau Maquiavel

Nicolau Maquiavel
Filósofo político e escritor italiano
Por Dilva Frazão



Nicolau Maquiavel (1469-1527) foi um filósofo político, historiador, diplomata e escritor italiano, autor da obra-prima "O Príncipe". Foi profundo conhecedor da política da época, estudou-a em suas diferentes obras. Viveu durante o governo de Lourenço de Médici. Realista e patriota definiu os meios para erguer a Itália.

Nicolau Maquiavel nasceu em Florença, Itália, no dia 3 de maio de 1469. Sua família de origem Toscana participou dos cargos públicos por mais de três séculos. Filho de Bernardo Maquiavel, jurista e tesoureiro da província de Marca de Ancona e de Bartolomea Nelli, que era ligada às mais ilustres família de Florença.

Interessado pelos problemas de seu tempo, Maquiavel participou ativamente da política de Florença. Com 29 anos, tornou-se secretário da Segunda Chancelaria durante o governo de Piero Soderim. Tinha a seu cargo questões militares de ordem interna como a redação de documentos oficiais. Ocasionalmente, realizou missões diplomáticas envolvendo a França, Alemanha, os Estados papais e diversas cidades italianas, como Milão, Pisa e Veneza...

... A obra “O Príncipe”, escrita por Maquiavel em 1513, e publicada postumamente em 1532, se transformou em sua obra-prima. O livro, um manual sobre a arte de governar, foi inspirado no estilo político de César Bórgia um dos mais ambiciosos comandantes italianos, que ficou conhecido por seu poder e atrocidades que cometeu para conseguir o que queria. Maquiavel viu nele o modelo para os demais governantes da época.

A obra revela a preocupação de Maquiavel com o momento histórico da Itália, fragilizada pela falta de unidade nacional e alvo de invasões e intrigas diplomáticas. Indignado com a decadência política e moral da Itália, o autor dirige conselhos a um príncipe imaginário, com o único objetivo de unificar a Itália e criar uma nação moderna e poderosa.

Para Maquiavel, o importante era realizar o desejo projetado, mesmo sob qualquer forma de governo – monarquia ou república, e por qualquer meio, inclusive a violência. Considerava os fatores morais, religiosos e econômicos, que operavam na sociedade como forças que um governante hábil poderia e deveria utilizar para construir um estado nacional forte. Assim, o príncipe com seu exército nacional que substituísse as precárias forças mercenárias, deveria ser capaz de estender seu domínio sobre todas as cidades italianas, acabando com a discórdia.


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