quinta-feira, 3 de novembro de 2022

O Sol é para todos: 1ª Parte (4)

Harper Lee

O Sol é para todos


Para o sr. Lee e Alice, em retribuição ao amor e afeto


Os advogados, suponho, um dia foram crianças.
CHARLES LAMB



PRIMEIRA PARTE

4

O resto dos dias do meu ano letivo não foi mais auspicioso que o primeiro. Na verdade, consistiu num infindável Projeto, que aos poucos passou a uma Unidade na qual o estado do Alabama gastou quilômetros de cartolina e lápis de cera nos bem-intencionados, porém infrutíferos esforços para me ensinar Dinâmica de Grupo. No final do primeiro ano, o que Jem chamava de Sistema Decimal de Dewey estava implantado em toda a escola, por isso não tive chance de compará-lo com outros métodos de ensino. Eu só podia avaliar pelo que conhecia: Atticus e meu tio, que estudaram em casa, sabiam tudo — pelo menos, o que um não sabia o outro sabia. Além disso, não podia deixar de levar em conta que meu pai se elegeu deputado estadual durante anos, sempre sem oposição, sem conhecer nada do que minhas professoras achavam que era essencial para o desenvolvimento da Boa Cidadania. Jem, cuja educação escolar tinha sido metade pelo método Decimal e metade pelo uso do chapéu de burro, parecia funcionar tão bem sozinho quanto em grupo, mas ele não servia de exemplo: nenhum sistema educacional criado pelo homem o impediria de chegar aos livros. Já eu sabia apenas o que lia na revista Time e em tudo em que pudesse pôr as mãos em casa. Mas, enquanto me arrastava pela dureza e pela monotonia do sistema escolar do condado de Maycomb, achava que estava sendo privada de alguma coisa. Eu não sabia exatamente o que, mas não acreditava que doze anos de tédio ininterrupto eram tudo que o estado tinha reservado para mim.
Minhas aulas terminavam meia hora antes das de Jem, que saía às três da tarde, então eu passava o mais rápido que podia pela Residência Radley e só parava quando chegava na segurança da nossa varanda. Uma tarde, enquanto corria, alguma coisa chamou minha atenção com tal intensidade que tive de respirar fundo, olhar ao redor com todo o cuidado e voltar.
Junto à cerca do terreno dos Radley havia dois enormes carvalhos cujas raízes chegavam até a rua lateral, sobressaindo na terra. Alguma coisa numa delas me chamou a atenção.
Tinha um pedaço de papel-alumínio em uma cavidade nodosa do tronco do carvalho, bem na altura dos meus olhos, piscando para mim ao sol da tarde. Fiquei na ponta dos pés, olhei rápido em volta outra vez, coloquei a mão no buraco no tronco e peguei duas tiras de goma de mascar embrulhadas em papel-alumínio.
Meu primeiro impulso foi enfiá-las na boca o mais rápido possível, mas me lembrei de onde estava. Corri para casa e examinei meu saque na nossa varanda. A goma de mascar parecia nova. Farejei, o cheiro era bom, lambi e esperei um pouco. Como não morri, enfiei tudo na boca: a goma era da marca Wrigley’s Double-Mint.
Quando Jem chegou, perguntou onde eu tinha arrumado aquele tesouro. Eu disse que tinha achado.

— Não coma o que achar na rua, Scout.

— Não estava no chão, estava na árvore.

Jem resmungou alguma coisa.

— Estava mesmo, num buraco daquela árvore no caminho da escola — expliquei.

— Cuspa isso já!

Cuspi. De todo jeito, já estava ficando sem sabor.

— Masquei a tarde toda e ainda não morri, não estou nem me sentindo mal.

Jem bateu os pés com força no chão.

— Não sabe que não é para tocar nas árvores daquele lugar? Se fizer isso, morre!

— Você uma vez tocou na casa!

— Aquilo foi diferente. Vá fazer um gargarejo. Agora, está ouvindo?

— Não vou, senão sai o gosto da minha boca.

— Então vou contar para Calpúrnia!

Para não me encrencar com Calpúrnia, obedeci. Por alguma razão, o nosso relacionamento mudou muito no meu primeiro ano na escola: a tirania de Calpúrnia, suas injustiças e sua mania de se meter na minha vida se reduziram a leves grunhidos de desaprovação geral. Quanto a mim, me esforçava para não provocá-la.
O verão estava chegando; Jem e eu esperávamos por ele ansiosamente. Era a nossa estação preferida: significava dormir em camas de campanha na varanda telada dos fundos, ou tentar dormir na casa da árvore; no verão só havia coisas boas para comer e milhares de cores na paisagem seca. Mas, acima de tudo, o verão tinha Dill.
No último dia de aula, os professores nos dispensaram cedo, e Jem e eu voltamos juntos para casa.

— Acho que Dill chega amanhã — lembrei.

— É mais garantido que chegue depois de amanhã; no Mississippi, as aulas terminam um dia mais tarde.

Ao passarmos pelos carvalhos da Residência Radley, mostrei pela centésima vez o nó na árvore onde eu tinha achado a goma de mascar, tentando convencer Jem que tinha sido ali. Notei então que estava apontando para outra tira de papelalumínio.

— Estou vendo, Scout! Estou vendo…

Jem olhou ao redor, esticou o braço e, desajeitado, enfiou no bolso um embrulho pequeno e brilhoso. Corremos para casa e, quando chegamos à varanda, olhamos o pequeno embrulho revestido de papel-alumínio de goma de mascar. Era uma daquelas caixinhas de guardar anel de noivado, de veludo roxo, com um fecho mínimo. Jem abriu a caixinha. Dentro estavam duas moedas limpas e reluzentes, uma em cima da outra. Jem olhou-as com atenção.

— Cabeças de índio — ele disse. — Uma é de mil novecentos e seis e a outra, de mil e novecentos, Scout. São antigas mesmo.

— Mil e novecentos — repeti. — Quer dizer…

— Fique quieta um instante, estou pensando.

— Jem, você acha que aquele lugar é o esconderijo de alguém?

— Não, quase ninguém passa por lá além de nós, a menos que seja algum adulto…

— Adultos não têm esconderijo. Jem, acha que podemos ficar com elas?

— Não sei o que devemos fazer, Scout. Para quem a gente ia devolver? Tenho certeza de que ninguém passa por lá; Cecil vai pela rua de trás e dá uma volta enorme pelo centro para chegar em casa.

Cecil Jacobs, que morava no final da nossa rua, ao lado do correio, andava três quilômetros todo dia para ir à escola e não passar pela Residência Radley nem pela casa da velha sra. Henry Lafayette Dubose. A sra. Dubose morava a duas casas da nossa e todos os vizinhos concordavam que ela era a pior velha que já existiu. Jem só passava pela casa dela quando estava com Atticus.

— Jem, o que acha que devemos fazer?

Quem achava alguma coisa ficava com ela, a menos que o dono aparecesse. Nossos princípios éticos permitiam que arrancássemos uma camélia de vez em quando; que tirássemos um pouco de leite morno da vaca da srta. Maudie Atkinson num dia de verão ou que colhêssemos uvas de algum parreiral. Mas dinheiro era outra coisa.

— Acho o seguinte — disse Jem —, ficamos com as moedas até o início das aulas, depois perguntamos na escola se alguém sabe de quem são. Algum aluno deve ter levado para pagar o ônibus da volta mas, na pressa de sair da escola, esqueceu as moedas. Tenho certeza de que elas têm dono. Está vendo como brilham? Alguém as guarda com cuidado.

— É, mas por que alguém deixaria goma de mascar naquele lugar? Goma de mascar dura pouco.

— Não sei, Scout. Mas essas moedas são importantes para alguém…

— Como assim, Jem?

— Bom, cabeça de índio… vêm dos índios. Têm uma magia poderosa, dão muita sorte. Não do tipo que faz aparecer um frango frito na sua frente quando você menos espera, mas do tipo que atrai coisas boas, como vida longa, boa saúde, aprovação nas provas semestrais… São muito valiosas para alguém. Vou guardá-las no meu baú.

Antes de ir para o quarto, Jem olhou durante um bom tempo para a Residência Radley. Tive a impressão de que estava pensando de novo.
Dois dias depois, Dill chegou todo orgulhoso: tinha viajado de trem sozinho de Meridian até o entroncamento de Maycomb (nome que era mera gentileza, pois o entroncamento ficava no condado de Abbott), onde a srta. Rachel foi buscá-lo no único táxi da cidade. Ele tinha jantado no vagão-restaurante, tinha visto dois gêmeos grudados um no outro desembarcando em Bay St. Louis e garantiu que era tudo verdade, apesar das nossas ameaças. Não usava mais os abomináveis calções azuis abotoados na camisa e sim calças curtas de verdade, com cinto. Tinha engordado um pouco, mas estava com a mesma altura e contou que tinha estado com o pai. O pai dele era mais alto que o nosso, tinha barba preta (aparada em ponta) e era presidente da Estrada de Ferro L. & N.

— Dei uma ajuda ao maquinista da locomotiva por um tempinho — acrescentou Dill, bocejando.

— Ajudou uma ova, Dill. Escutem, do que vamos brincar hoje? — perguntou Jem.

— Vamos fingir que somos Tom, Sam e Dick — respondeu Dill. — Lá no jardim.

Dill escolheu The Rover Boys porque havia três bons papéis. Ele obviamente estava cansado de ser o nosso figurante.

— Não aguento mais esses três — confessei. Estava cansada de interpretar Tom Rover, que perde a memória no meio de uma sessão de cinema e só reaparece no final da peça, quando é encontrado no Alasca. — Inventa uma história para nós, Jem — pedi.

— Cansei de inventar.

Aqueles eram nossos primeiros dias de liberdade e já estávamos cansados. Fiquei me perguntando como seria o verão. Tínhamos ido para o jardim e Dill estava olhando a rua e a apavorante Residência Radley.

— Sinto cheiro de... morte — ele disse. — É sério — insistiu quando eu o mandei calar a boca.

— Está querendo dizer que consegue sentir o cheiro quando alguém está morrendo?

— Não, quero dizer que sinto o cheiro de uma pessoa e sei se ela vai morrer. Uma velha me ensinou.

— Dill chegou perto de mim e me cheirou. — Jean Louise Finch, você vai morrer daqui a três dias. — Dill, se não calar a boca, vai apanhar tanto que vai se dobrar ao meio. É sério…

— Parem com isso — resmungou Jem —, parece até que vocês acreditam em Vapor Quente.

— E parece que você não — eu disse.

— O que é Vapor Quente? — perguntou Dill.

— Você nunca andou numa estrada deserta à noite e passou por um lugar quente? — Jem perguntou a Dill. — Vapor Quente é um espírito que não pode ir para o céu e fica vagando por estradas desertas. Se você passa através dele, quando morrer vira Vapor Quente também e fica por aí sugando o ar das pessoas…

— Como se faz para não passar através de um?

— Não dá — avisou Jem. — Eles às vezes se espalham no meio da estrada, mas se você não puder desviar, diga a oração: Anjo da luz, vida na morte, saia da estrada, não sugue o meu ar. Isso impede que ele envolva você…

— Não acredite em uma palavra do que ele diz, Dill — eu disse. — Calpúrnia diz que isso é conversa de preto.

Jem olhou para mim de cara feia e perguntou:

— Bom, vamos brincar ou não?

— Vamos rolar dentro do pneu — sugeri.

Jem suspirou.

— Você sabe que estou grande demais para caber num.

— Então você pode empurrar.

Corri para o quintal e tirei um pneu velho de debaixo da casa e rodei-o até o jardim.

— Eu vou primeiro — avisei.

Dill disse que ele devia ir primeiro, pois tinha acabado de chegar à cidade.
Jem serviu de juiz, me concedeu a primeira rodada e um tempo extra para Dill. Entrei no pneu.
Até então, eu não tinha reparado que Jem tinha ficado ofendido por eu ter zombado do Vapor Quente e não imaginava que ele estava aguardando pacientemente a chance de dar o troco. E ele deu, empurrando o pneu comigo dentro calçada abaixo, com toda a força. O chão, o céu e as casas se misturaram num borrão, meus ouvidos latejavam, eu estava sem ar. Não podia parar o pneu com as mãos porque estavam presas entre o meu peito e os joelhos. Só podia esperar que Jem me alcançasse ou que o pneu batesse em alguma coisa na calçada. Ouvi a voz dele, correndo atrás de mim e gritando.
O pneu passou pelo cascalho, atravessou a rua derrapando, bateu numa parede e me cuspiu na calçada como se eu fosse uma rolha de garrafa. Tonta e enjoada, deitei na calçada e balancei a cabeça para diminuir o zunido, então ouvi a voz de Jem:

— Scout, saia daí, anda! — berrou.

Levantei a cabeça e vi a escada da Residência Radley na minha frente. Gelei.

— Vamos, Scout, não fique aí parada! — Jem gritava. — Saia, não entendeu?

Levantei do chão, tremendo.

— Pega o pneu! Traz junto! — ordenou Jem. — Perdeu a noção?

Quando consegui andar, corri até eles o mais rápido que minhas pernas trêmulas conseguiram.

— Por que não trouxe o pneu? — berrou Jem.

— Por que você não vai pegar? — berrei de volta.

Jem não respondeu.

— Vai lá, o pneu está perto do portão. Você até encostou na casa uma vez, lembra?

Jem olhou para mim furioso, não podia fugir da raia. Saiu correndo, hesitou diante do portão, então entrou como uma flecha e pegou o pneu.

— Viu só? — Jem zombou de mim, vitorioso. — Foi moleza. É sério, Scout, você às vezes se comporta como uma garotinha; é ridículo.

Ele não sabia da missa a metade, mas resolvi ficar quieta.
Calpúrnia apareceu na porta da frente e gritou:

— Hora da limonada! Saiam desse sol quente antes de fritarem os miolos!

Limonada no meio da manhã era um ritual de verão. Calpúrnia colocou um jarro e três copos na varanda e foi cuidar de seus afazeres. Ter caído em desgraça com Jem não me preocupava. A limonada ia restaurar o humor dele.
Jem bebeu mais um copo e bateu com a mão no peito.

— Já sei do que vamos brincar — anunciou. — Uma coisa nova, diferente.

— O quê? — perguntou Dill. — Boo Radley.

Às vezes, os pensamentos de Jem eram transparentes: ele tinha arquitetado aquilo para me mostrar que não tinha medo de Boo Radley e para contrastar o heroísmo dele com a minha covardia.

— Boo Radley? Como? — perguntou Dill.

Jem respondeu:

— Scout, você pode interpretar a sra. Radley…

— Acho melhor não, eu…

— Qual é o problema? — disse Dill. — Ainda está com medo?

— Ele pode sair à noite de casa, quando estivermos dormindo… — eu disse.

Jem sibilou:

— Scout, como ele vai saber o que fazemos? Além do mais, acho que ele não está mais na casa. Morreu há anos e enfiaram o corpo na chaminé.

Dill disse:

— Já que Scout está com medo, ela pode ficar olhando e você e eu brincamos.

Eu tinha certeza de que Boo Radley estava dentro daquela casa, mas não tinha como provar. Achei melhor ficar de boca calada, senão podiam me acusar de acreditar em Vapores Quentes, fenômeno ao qual eu era imune, durante o dia.
Jem distribuiu nossos papéis: eu seria a sra. Radley e tudo que tinha de fazer era sair da casa e varrer a varanda. Dill seria o velho sr. Radley, que andava para cima e para baixo na calçada e tossia quando Jem falava com ele. Jem, naturalmente, seria Boo: ficava embaixo da escada da frente, gania e urrava de vez em quando.
Com o passar do verão, nossa brincadeira foi evoluindo. Nós a aperfeiçoamos com diálogos e enredo até termos criado uma pequena peça teatral à qual fazíamos pequenas alterações a cada dia.
Dill era o vilão dos vilões: interpretava qualquer personagem que recebesse e, se a cena exigisse, até parecia alto. Era tão bom quanto sua pior performance, e sua pior performance era gótica. Quanto a mim, interpretei sem muito ânimo várias damas que entraram na trama. Não achava tão divertido quanto Tarzã e, naquele verão, atuei com certa ansiedade, apesar de Jem garantir que Boo Radley estava morto e não ia me pegar, não com ele e Calpúrnia em casa durante o dia e Atticus à noite.
Jem era um herói nato.
Nosso pequeno drama melancólico era recheado de fofocas e lendas locais: a sra. Radley tinha sido uma moça linda até se casar com o sr. Radley e perder todo o dinheiro. Perdeu também quase todos os dentes, os cabelos e o dedo indicador direito (esse detalhe foi contribuição de Dill: uma noite, Boo arrancou o dedo da sra. Radley com uma dentada porque não encontrou nenhum gato ou esquilo para comer). Ela ficava sentada na sala e chorava quase o tempo todo, enquanto Boo ia tirando lascas de todos os móveis da casa.
Nós três éramos os garotos que arrumavam confusão e, para variar, eu era o juiz; Dill levava Jem de cena e o enfiava embaixo da escada, cutucando-o com a vassoura de jardim. Jem voltava conforme as necessidades cênicas: como o xerife, como vários cidadãos e até como a srta. Stephanie Crawford, que sabia mais sobre os Radley do que qualquer outra pessoa em Maycomb.
Quando chegava a hora da grande cena de Boo, Jem entrava sorrateiro em nossa casa e, enquanto Calpúrnia estava de costas, pegava a tesoura na gaveta da máquina de costura e ia cortar jornais sentado no balanço. Dill aparecia, tossia ao lado de Jem, que fingia enfiar a tesoura na coxa de Dill. Do lugar onde eu ficava, a cena parecia real.
Quando o sr. Nathan Radley passava por nós em sua caminhada diária até a cidade, nós ficávamos quietos até ele desaparecer de vista. Depois, imaginávamos o que ele faria se descobrisse o que estávamos encenando. Também interrompíamos nossas atividades quando algum vizinho passava, e uma vez vi a srta. Maudie Atkinson olhando fixamente para nós do outro lado da rua, segurando as tesouras de poda, paralisada.
Um dia, estávamos tão entretidos durante o Capítulo XXV, Livro II, de Aquela família, que não notamos que Atticus nos observava parado na calçada, batendo no joelho com uma revista enrolada. O sol mostrava que era meio-dia.

— De que vocês estão brincando? — perguntou.

— Nada — respondeu Jem.

Pela evasiva de Jem, percebi que nossa brincadeira era segredo e fiquei quieta.

— Então, o que está fazendo com essas tesouras? Por que está recortando o jornal? Se for o jornal de hoje, vão levar uma coça.

— Não é nada.

— Como assim nada? — perguntou Atticus.

— Nada não, pai.

— Me dê essa tesoura — mandou Atticus. — Isso não é brinquedo. Por acaso essa brincadeira tem alguma coisa a ver com os Radley?

— Não, senhor — respondeu Jem, corando.

— Espero que não — papai disse com aspereza e entrou em casa.

— Jemmm…

— Quieta! Papai está na sala e pode nos ouvir.

Quando estávamos em segurança no quintal, Dill perguntou a Jem se poderíamos continuar brincando.

— Não sei, Atticus não disse que não…

— Jem, acho que ele sabe — observei.

— Não sabe não. Se soubesse, teria dito.

Eu não tinha tanta certeza, mas Jem disse que eu estava me comportando como uma garota, que as garotas sempre imaginam coisas, por isso são tão detestáveis, e se eu ia ficar assim, era melhor ir embora e encontrar outras garotas para brincar comigo.

— Tudo bem, então continuem brincando — eu disse. — Vocês vão ver só.

A chegada de Atticus foi o segundo motivo para eu querer sair da brincadeira. O primeiro tinha a ver com o dia em que entrei no jardim dos Radley rodando dentro do pneu. Em meio à cabeça girando, à tontura e à gritaria de Jem, ouvi outro som, tão baixo que não dava para ouvir da calçada. Alguém estava rindo dentro da casa.


continua página 034...
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Leia também:

O Sol é para todos: 1ª Parte (4)
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Copyright © 1960 by Harper Lee, renovado em 1988 
Copyright da tradução © José Olympio
Título do original em inglês 
TO KILL A MOCKINGBIRD 

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Um dos romances mais adorados de todos os tempos, O sol é para todos conta a história de duas crianças no árido terreno sulista norte-americano da Grande Depressão no início dos anos 1930. Jem e Scout Fincher testemunham a ignorância e o preconceito em sua cidade, Maycomb – símbolo dos conservadores estados do sul dos EUA, empobrecidos pela crise econômica, agravante do clima de tensão social. A esperta e sensível Scout, narradora da trama, e Jem, seu irmão mais velho, são filhos do advogado Atticus Finch, encarregado de defender Tom Robinson, um homem negro acusado de estuprar uma jovem branca. Mas não é só nessa acusação e no julgamento de Robinson que os irmãos percebem o racismo do pequeno município do Alabama onde moram. Nos três anos em que se passa a narrativa, deparam-se com diversas situações em que negros e brancos se confrontam. Ao longo do livro, os dois irmãos e seu pequeno amigo de férias, Dill, passam por tensas aventuras, grandes surpresas e importantes descobertas. Nos episódios vividos ao lado de personagens cativantes, como Calpúrnia, Boo Radley e Dolphus Raymond, aprendem e ensinam sobre a empatia, a tolerância, o respeito ao próximo e a necessidade de se estar sempre aberto a novas idéias e perspectivas. O sol é para todos é o único livro de Harper Lee. Sucesso instantâneo de vendas nos EUA, que se tornou um grande best-seller mundial. Recebeu muitos prêmios desde sua publicação, em 1960, entre eles, o Pulitzer. Traduzido em 40 idiomas, vendeu mais de 30 milhões de exemplares em todo o mundo e, em 1962, foi levado às telas com Gregory Peck – ganhador do Oscar por sua interpretação de Atticus Finch – Brock Peters, Robert Duvall e outros. O Librarian Journal dos EUA deu sua maior honraria à história elegendo-a o melhor romance do século XX. Em 2006, uma pesquisa na Inglaterra colocou O sol é para todos no primeiro lugar da lista de livros mais importantes, seguido da Bíblia e de O senhor dos anéis, de J. R. R. Tokien. Também entrou para a lista da Time Magazine dos Cem Melhores Romances de Todos os Tempos.

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