sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Fernando Pessoa - Se Depois De Eu Morrer...

Maria José



narração de Mundo Dos Poemas



Este poema, datado de 8 de Novembro de 1915 pertence ao conjunto de poemas de Alberto Caeiro denominado por "Poemas Inconjuntos".
Os poemas Inconjuntos são aqueles poemas que, pela sua natureza, não puderam ser incluídos nem no "Guardador de Rebanhos" nem no "Pastor Amoroso".
São poemas desgarrados, sem temas específicos, que foram deixados num conjunto externo.
No entanto por este poema inconjunto passam temas queridos a Alberto Caeiro, nomeadamente a falta de metafísica, a ausência de pensamento e, uma sensação forte de não pertencer a nada, um alheamento forte da realidade e da vida.
Diz Caeiro que a sua biografia só tem duas datas:

· A do seu nascimento

· A da sua morte

Todos os outros dias são seus.






Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples
Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.

Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as cousas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as cousas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.

Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único porta da Natureza.




Poesia e poema de autor português. Fernando António Nogueira Pessoa (1888 — 1935) foi um poeta, filósofo, dramaturgo, ensaísta, tradutor, publicitário, astrólogo, inventor, empresário, correspondente comercial, crítico literário e comentarista político português. Um dos maiores génios poéticos de toda a nossa Literatura e um dos poucos escritores portugueses mundialmente conhecidos. A sua poesia acabou por ser decisiva na evolução de toda a produção poética portuguesa do século XX. Se nele é ainda notória a herança simbolista, Pessoa foi mais longe, não só quanto à criação (e invenção) de novas tentativas artísticas e literárias, mas também no que respeita ao esforço de teorização e de crítica literária. É um poeta universal, na medida em que nos foi dando, mesmo com contradições, uma visão simultaneamente múltipla e unitária da Vida. É precisamente nesta tentativa de olhar o mundo duma forma múltipla (com um forte substrato de filosofia racionalista e mesmo de influência oriental) que reside uma explicação plausível para ter criado os célebres heterónimos - Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis, sem contarmos ainda com o semi-heterónimo Bernardo Soares.


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