domingo, 4 de dezembro de 2022

histórias davóinha: becos sem saída (III) 26bs – o amuleto

becos sem saída


(III) o descolocado
26bs – o amuleto

baitasar

estão exatos nos minutos ajustados em combinação mútua, a necessidade do encontro das duas casas sendo satisfeita, uma casa pode se preparar sem contrapor-se à outra casa com suas próprias urgências e tardanças, não são casas opostas, quem sonha com ela não é um tolo, é de grande valor ter a sua própria casa, mas esse mundo mesquinho, aliciante e enganoso julga com preconceito – estimativas de valor a partir da sua lógica de apetites em torno de si mesmos – e finaliza tudo com a verdade: se não tem a sua própria casa é gentinha de segunda, um selo da fachada egoísta porque gentinha de primeira tem a sua casa própria, pior ainda para quem não tem casa emprestada e mora nas ruas, essa gente não é gente

as urgências das casas e das mãos

a cada vez que estendeu na mesa a toalha de plástico colorida em tons de marrom, vermelho e rosa, imaginou como deveria ser de préstimo ter mãos tão atrevidas ao alcance das vontades ardentes e perigosas, descabeladas de baixo para cima, enredadas com aquelas coisas indecentes e aflitas pelo gosto surgido sem falsidades nem objeções, uma outra língua para se conversar para além do bem ou do mal

iniciar pelas mãos, continuar com os gostos na língua até acender o fogaréu indecente brotado entre as pernas, invisível, uma queimação que não se vê, dentro para fora, o espírito transportado iluminando-se até alcançar o efeito do mais fraco ao mais forte, fascinada diante da casa com um olho só penetrada e não bastava, queria ver mais

não consegue esquecê-las e, por certo, a feijoada irá atiçar tantas vontades apimentadas, roga pelo perdão divino enquanto a ana dos bicos arretados lhe estende a mão, não sente nem oferece estreiteza naquela brandura de afrouxamento desinteressado

memória crava os olhos no peito dos bicos, a dona dos bicos parecia desencantada com aquele pingente de proteção, a mulher que visita percebe o olhar da mulher que recebe, um olhar infindo, extenso e gentil, é quando se abre sobre elas a mágica do encontro, viver o domingo para continuar vivendo, a ana dos bicos comenta, É meu amuleto da sorte.

sentia o impulso à boniteza, tirânico fervor, Lindos, foi a tradução em uma palavra sobre a perfeição, corrigindo-se, Lindo, mas nunca se derramaram para saciar a fome, tinha à sua frente um espelho, dava para sentir o seu lamento, Obrigada, vizinha.

a ana que visita agradece enquanto leva as mãos ao peito, instinto de medo ou suspeita de desconfiança, de qualquer maneira, a mulher sentiu aquele lamento como um hino de louvor que resulta inevitável porque são lindos, o amuleto e os peitos

É um cisne?

pergunta, mas se esquiva do verdadeiro alvo, a natureza do seu engano é intuitiva, não pergunta sobre o espelho, sobre o susto daquela boniteza

Não, vizinha... é uma cegonha.

uma tragédia antiga não deixa de ser tragédia, a máscara da dor não esconde a dor, a vontade não é uma feiticeira salvadora nem o susto suporta o absurdo em silêncio

Ah, uma cegonha... não entendi...

a artista ingênua e conveniente luta contra o talento, carrega o seu deserto de raiva sem laureis ou recompensas, os caminhos se cruzam em torno de si, parecem infinitos, destinados a essa colaboração de viver com um dever sem significação, Queremos muito ter filhos.

um amuleto moribundo não lançava ao mundo um recém-nascido, o sarcasmo dos pensamentos da memória não seria espalhado por todos os ventos, pelo menos, por agora, Cegonha é coisa que se fala pras criancinhas, mas não retruca

Ah! Aqui em casa, vizinha, não temos amuleto. Acertamos além da conta que podemos sustentar, é parecido com uma grande enxurrada onde a barragem não suporta a força das águas. O relâmpago não assusta nem não causa mais dano, não se preocupe tudo tem sua hora, deixe ele apenas embelezando seu peito.

a ana desconfiada pensa nessa gente de sorte que nem sabe de sorte, Estou pensando em trocar por um escaravelho.

enquanto um amuleto definha, memória tem o pressentimento que esse outro vai murchar, a mão que florescia atrevida desperta o aroma, queima, alevanta o  fogaréu, mas é só, definha insatisfeita com a tragédia de ser seca, Que querias tu mão delicada e enfeitada? Engravidar-me? Tenha paciência, sim, uma mão imitadora não é apenas uma mão imitadora, provoca choques como chispas de entendimento, uma trégua ao sopro da vida

Escaravelho? E o que é isso?

Um inseto...

Inseto?

Pendurado no pescoço ajuda que o amor seja para a vida toda, mas precisa ficar na altura do coração.

memória se parecia com uma mão imitadora e mascarada saqueando com avidez os jardins, pensando em si e na vizinha, cheia de compaixão, sem farejar o perigo, a vaidade sem cautelas, que ela se ajude na virilidade daquelas mãos descontentes consigo mesmas, apenas uma moda moral com seu tempo marcado para acabar-se

Ah... e se não funcionar como a cegonha?

a ana do escaravelho continua mais desconfiada, não se despoja da cisma, não podia em um único salto derrubar as dúvidas da vizinhança, Vizinhos são tiranos.

Não entendi, vizinha.

o que queria ela? enfeitar o peito com filhos ou amuletos? precisa afiar e limar sua vontade, expulsar os medos postiços, as palavras afetadas, hipócritas e mentirosas, acreditar no seu instinto de mulher, mãe ou não

Nada... esquece, vizinha... tudo bobagem, vira-se para o negralhão, o preto é maior e mais vigoroso no aperto da aproximação – ou teria sido ela que lhe apertou com mais entusiasmo? vai saber –, sente um calafrio e já pede o perdão divino, a proteção dos deuses, Bom dia, vizinho.

Bom dia, senhora

lembra sobre pecados e inferno, Não cobiçar a mulher do próximo, mas não tem nada escrito que não se pode cobiçar o negão da vizinha...



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