segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

O Brasil Nação - V2: § 90 – Por fim (8) - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil Nação volume 2



SEGUNDA PARTE 
TRADIÇÕES



À glória de
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução


POR FIM...


(8)

Desprezemos o terror com que a estupidez da política indígena encara o fato comunismo, certos de que a justiça imanente, ou o equivalente dela, nos levará um dia até lá. Bolshevique, Soviete... expressões com que a ignorância dos nossos joga tão mal, aplicam-se a casos que são motivos distantes da nossa história. A nós chegarão programas e instituições correspondentes, em correspondência, porém, de fato, com a nossa situação e as nossas necessidades. Chegarão a seu tempo. De socialização rudimentar através de instituições políticas secularmente falsificadas, concretamente atrasado, o Brasil não pode contar com a imediata solução comunista. Lembremo-nos, antes de tudo de que a revolução necessária e esperada, há-de ser missão nacional, possibilidade de libertação desta pátria, possuída e dominada desde sempre pela tradição política em que se continuou o domínio da metrópole. O proletariado brasileiro mal se define como classe, tanto se continua nele o escravo de ontem, espoliado de tudo, sem hábito, sequer, de levantar os olhos. Nos campos, o trabalhador mal-implantado na terra, muitas vezes, sem motivos para amá-la, indiferenciado. Nos grandes e raros centros urbanos, uma organização industrial ainda escassa, com um operariado tão reduzido, e, em muitos casos, tão alheio às condições históricas do resto da nação, que não poderia incorporar a realização integral da revolução. Daí, a dificuldade da remissão: dirigentes radicalmente impróprios para ela; povo sem consciência dos seus direitos, inculto, sem valor explícito – sem preparo, para a realização justamente reivindicada. Visto, porém, que só a revolução nos mudará o destino, trazendo-nos, para as formas de progresso social, temos de aceitá-la na significação primeira de dissolução em convulsão salvadora: o mergulho no caos, para a seguinte diferenciação de gentes, propósitos e programas... A história não nos deixou possibilidade de escolha na solução: ao emergir, será a própria realidade da nação a manifestar-se.

E há de ser de pronto, ou este Brasil se encontrará tão jungido, e, ao mesmo tempo, tão transviado de propósitos, que a tardia libertação não será mais a solução reclamada pela pátria brasileira, pois que esta nacionalidade, onde ainda se nos banha a consciência, se terá dissipado. Avança sobre nós, e já nos constringe órgãos importantes, o polvo-capital. Saímos facilmente do seio podre de Portugal; não será dificuldade sensível vencer o domínio dessa oligarquia infecta que nos possui; mas as roscas cheias do capitalismo, se ele aqui assenta o pleno domínio, esmigalhar-nos-ão os membros antes que tenhamos achado a forma da luta eficaz contra elas. Entregues a dirigentes por sua vez à disposição do capital, rendidos definitivamente ao seu prestígio, estamos sem defesa. Valha-nos – que, por este vasto Brasil, as suas ventosas ainda não alcançam muito; mas, quando ele se estender na proporção das facilidades que encontra, estaremos inteiramente possuídos. Tratando-nos como colônia, o capitalismo estrangeiro tem para nós processos despejados, e mais simples, para efeitos de mais espoliação, e mais dissolventes, ainda, que nas nações solidamente construídas. Aí, houve que apelar para meios indiretos: desviou em proveito da minoria enriquecida a verdadeira força política, e viciou essencialmente o jogo das reações político-sociais, fazendo com que, finalmente, a democracia se convertesse em garantia dos mesmos privilégios capitalistas. Mais de uma vez, em nações poderosas, o Estado esteve descaradamente prisioneiro do capital, que não hesita em impor-se implacavelmente [1]. E, por aí, todos sentem que, no seio da riqueza dissolve-se a própria essência das nacionalidades.


[1] Agora mesmo, a afrontada da guerra, obra dos seus conservadores, a França elegeu uma Câmara de formidável maioria à esquerda, maioria que trazia um programa de reivindicações quase socialistas. E os bancos franceses, conluiados com os outros, sob a capa de desconfiança, abriram campanha sem mercê contra os governos de esquerda. Foi quando o franco desceu a menos de um décimo de seu valor, e a França teve de ser governada por Poincaré, o derrotado da véspera, porque assim o impuseram os bancos. Políticos de esquerda como Painlevé, Herriot, Sarraut, curvaram-se para ser secundários no gabinete Poincaré-Barthout.


Pura reserva de valores materiais, pronta e irremissivelmente manejável em símbolos – a moeda, o capital tramou a sua força por fora das pátrias, superior a elas, pondo-as brutalmente à sua disposição, sempre que se aninha em qualquer delas. Realmente senhor, ele tem a seu dispor os milhares de canhões – ingleses, americanos, franceses... porque o Estado, em cada um desses povos, está inteiramente enfeudado à riqueza, apesar de que, em si mesmo, o capital é todo cosmopolita. Quem negará que o mundo dos negócios seja, por natureza, internacional? As particularizações nacionais valem tão somente como estações, para o franco trânsito de ações, debêntures, apólices... registradas nas bolsas, aí negociadas, mas soberanas em face às tímidas restrições das pátrias políticas. Por necessidade essencial, o capitalismo mercantiliza e comercializa tudo, criando o ambiente por excelência materialista. E, com isto, se torna a desgraça irreparável dos povos nacionalmente mal diferenciados, socialmente mal protegidos. Então (e já o vimos nas palavras de Mommsen), capitalismo, patriotismo e justiça vêm a ser inconciliáveis [2]. Numa dialética irrecusável, Engels nos mostra o “Estado saído da sociedade, e cada vez mais estranho a ela.. personificando somente o capital”. De fato, é o capital que, em todos os grandes povos, faz a lamentável distinção de classes, com o domínio dos desfrutadores, assim como, nos povos coloniais, tudo empenha para mantê-los, assim, sem capacidade de afirmação nacional, e que é como consciência do próprio existir.


[2] A Lei de Imprensa foi combatida e condenada por todos os órgãos e todas as vozes que pretendem passar por liberais. Imagine-se que, em resposta ao poder reacionário, dezenas de jornalistas houvessem propositadamente infringido o novo estatuto legal, de sorte a serem condenados: o sacrifício deles teria imposto a revogação da iniquidade. Seria uma vitória revolucionária; mas, fora preciso quem se sacrificasse por uma aspiração: tal é o efeito do espírito revolucionário, a impor soluções, a fazer conquistas, em contraste com a simples aceitação da iniquidade.


Por tudo isto, se nos aproximamos dos aspectos concretos, só vemos um tipo de revolução que seria o próprio caminho para o Brasil – a que o México vem fazendo nos últimos doze ou quinze anos: afastamento definitivo, como que eliminação, dos dirigentes antigos dominadores, e reparações que, sendo parte da justiça reclamada, são, ao mesmo tempo, estímulo, soerguimento de ânimo nacional... E compreende-se que tal nos convenha: as condições históricas aproxima-nos tanto...

Tolhidos num descritério que é ibérico, abstraímos do meio a que pertencemos, nada aproveitamos da experiência que é a história deste continente, como incapazes de aprender o que é realmente lição para nós outros. Por outro lado, apurando se possíveis as formas e os processos mexicanos, teríamos o lineamento da revolução possível, indispensável e eficaz. Nem fascismo nem jargão da III Internacional, mas um programa que dimana diretamente da situação histórica e geográfica: reparações justíssimas e inadiáveis; afirmação de ânimo nacional com a emersão bem explícita numa pátria para a massa popular a quem ela deve pertencer; preparo inteligente desta mesma população com a plena consciência dos fins diretos, quanto possível; terra para os que desejam trabalhá-la... Isto, que é absolutamente indispensável, ali se vem realizando desde o modesto zapatismo. Isto, poderíamos tentá-lo... desde que haja a trama renovadora e renovada em que as eras se desenham para refazerem-se. Essa trama, expressão cinemática bem própria, seria a nova classe realizadora.



continua pág 363...

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"Manoel Bomfim morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira
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Bomfim, Manoel, 1868-1932  
                O Brasil nação: vol. II / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 392 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 31).

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