(III) o descolocado
28bs – língua de vaca
baitasar
os estômagos satisfeitos apertam e desapertam na medida em que a mesa esvazia e a panela é desocupada da tarefa de acolher o alimento fumegando, a dádiva da fome saciada
Tudo perfeito, vizinho.
aquilo que os olhos não veem não afeta o entusiasmo da gula, Obrigado, vizinha. Mas é tudo mérito da Maria, minha tarefa foi separar e manter o fogaréu, para conquistar o paladar as miudezas cheirosas da Maria.
foi um dia de muita conversa reticente, palavreado mole e preguiçoso, olhando o tempo se passando arrastado, sem pressa, como deve ser no domingo, um dia de descanso mesmo para as vontades contrariadas, os ditos e desditos recheando o vazio das vontades insatisfeitas, aparências, lembranças tristonhas do jamais feito antes do acostumado, o domingo à tarde se parece com uma festa com gostinho de quero mais, mas que acabou
uma vontade insatisfeita em que nunca chega a vez da boca
um descontentamento subversivo esperando a pergunta assombrada que por fim chegava, Estava tudo perfeito, vizinha. Mas me conta como fizeram tudo isso?
quando achava que aquele almoço já se perdia na memória dos dias que passariam engolindo tudo rápido, nas noites mal dormidas escorridas pelo ralo sem volta, ainda nas despedidas a tentativa de guardar outras lembranças que alimentam nossas vidas, os sabores da memória sinalizam o fracasso ou o sucesso do fim
A vizinha sabe que todo alimento fortalece o corpo e o errado age no sentido contrário. Então, o que fizemos foi escutar o passado já acontecido e não esquecido, o axé em favor das nossas vidas. Os sabores da ancestralidade. Quando a faca ou colher de pau cai no chão, alguma parte da louça se quebra ou o sal é derramado por descuido, precisamos reconhecer os sinais que mostram que o cozido precisa ser refeito.
a cozinha também é uma trincheira da voz silenciada dos personagens do enredo dos tambores, a feijoada é mais uma memória da resistência
E caiu ou se quebrou alguma coisa, vizinha?
a memória não precisa do rigor histórico de gente que só acredita se houver um documento afirmando que sim ou que não, contar também é desobedecer a disposição de esquecer
Nada disso aconteceu, vizinha. Foi tudo preparado pelas mãos sabidas e prudentes do Virgílio.
Adoro feijão...
Aqui em casa não pode faltar o feijão, o pretinho que satisfaz. Os miúdos foram acostumados – logo depois da desmamada – ao caldo de feijão mastigado com a farinha de mandioca. Já experimentou fubá de milho, feijão e sal?
Claro, quem não provou, né?
Então, feijão na fervura da panela é alimento de sustento e precisa ser comido bem devagar.
Comer sem feijão é enganar a fome.
Isso mesmo! A vizinha já experimentou coco ralado e feijão preto cozidos juntos?
Não.
Ou então, o milho e o feijão cozidos juntos?
Não.
Comia muito feijão quando era miúda.
Eu comia feijão misturado com orelhas de porco, às vezes, tinha um ou outro cabelo. Não consigo nem lembrar da língua de vaca, rodela de chouriço, eu comia e vomitava.
Que horror, vizinha!
Mas já passou, vizinha... gostei do detalhe da hortelã, e também do alho, da pimenta-do-reino... tudo no ponto certo.
Obrigada.
Estava tudo uma maravilha!
A gratidão é nossa, acredite.
becos sem saída (III) 27bs – Vamos comer?
Claro, quem não provou, né?
Então, feijão na fervura da panela é alimento de sustento e precisa ser comido bem devagar.
Comer sem feijão é enganar a fome.
Isso mesmo! A vizinha já experimentou coco ralado e feijão preto cozidos juntos?
Não.
Ou então, o milho e o feijão cozidos juntos?
Não.
Comia muito feijão quando era miúda.
Eu comia feijão misturado com orelhas de porco, às vezes, tinha um ou outro cabelo. Não consigo nem lembrar da língua de vaca, rodela de chouriço, eu comia e vomitava.
Que horror, vizinha!
Mas já passou, vizinha... gostei do detalhe da hortelã, e também do alho, da pimenta-do-reino... tudo no ponto certo.
Obrigada.
Estava tudo uma maravilha!
A gratidão é nossa, acredite.
_______________
Leia também:
becos sem saída (I) 01bs - as águas que vêm e vão
becos sem saída (I) 02bs - histórias desamarradas e borradas
becos sem saída (I) 03bs - sobre nós e histórias borradas
becos sem saída (I) 04bs - cacete pra todo lado!
becos sem saída (I) 05bs - as mãos amarradas
becos sem saída (I) 06bs - o vazio da botina
becos sem saída (I) 07bs - maria futuro
becos sem saída (I) 08bs - um lugar para voltar
becos sem saída (I) 09bs - e adianta saber?
becos sem saída (II) 10bs - sem emprego, sem utilidade
becos sem saída (II) 11bs - notícia ruim
becos sem saída (II) 12bs - fome é fome
becos sem saída (II) 13bs - os tempos eram assim...
becos sem saída (II) 14bs - um marido eficiente
becos sem saída (III) 26bs – o amuletoLeia também:
becos sem saída (I) 01bs - as águas que vêm e vão
becos sem saída (I) 02bs - histórias desamarradas e borradas
becos sem saída (I) 03bs - sobre nós e histórias borradas
becos sem saída (I) 04bs - cacete pra todo lado!
becos sem saída (I) 05bs - as mãos amarradas
becos sem saída (I) 06bs - o vazio da botina
becos sem saída (I) 07bs - maria futuro
becos sem saída (I) 08bs - um lugar para voltar
becos sem saída (I) 09bs - e adianta saber?
becos sem saída (II) 10bs - sem emprego, sem utilidade
becos sem saída (II) 11bs - notícia ruim
becos sem saída (II) 12bs - fome é fome
becos sem saída (II) 13bs - os tempos eram assim...
becos sem saída (II) 14bs - um marido eficiente
becos sem saída (III) 27bs – Vamos comer?
becos sem saída (III) 28bs – língua de vaca
becos sem saída (III) 29bs – luzes da ribalta
Nenhum comentário:
Postar um comentário