sábado, 6 de março de 2021

mulheres descalças: a pulícia pública

 mulheres descalças



a pulícia pública
Ensaio 127Bzr – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar



aqui e ali, muriquinhu ou crescido-feito, a cumplicidade dusiô augusto vai seguí o seu rumo no balanço dusvento, vai tê veiz qui tem jeito de impedí a ruindade no tempo dusdia qui chega e vai, mais é inocência creditá quié só usbão molde mais asboa lição qui vai continuá nas lembrança pra sê ubedecida, as coisa ruim tumbém é marca sem esquecimento seguida na villa, num gostá duspretu é costume e hábito, às veiz disfarçado, otras veiz declarado, num foi preciso lei pra fazê esse costume virá gosto, tem usqui faz coisa ruim pruqui gosta de fazê coisa ruim – mesmo qui tinha usbão molde dos ensinamento decente pra oiá e maisquerê –, e, lá pra frente dusdia, essa gente fingida e refalsada vai continuá falando com desembaraço e malícia das própria cisma cuspretu, aparentando compaixão e justeza

quem vivê vai vê essa gente gritá com implicância e desconfiança pra rejeitá a vida duspretu, brincá com a morte pela fome, miséria, frio e doença faz parte dusbão costume da villa – é gente dubem qui só fica alterada se tumbém é desprezada e ameaçada, caso os ameaço chegá inté os muriquinhu-fiu, então elas perde o controle e parte pra tudo ou nada, mais depois da tempestade chega a calmaria dusinteresse e melhoramento só pra ela mesma, tudo volta sê como antes do desespero – qui tumbém se cala com descaso duso das preta muriquinha ou crescida-feita, às veiz usança furtiva, otras veiz usança descarada, é a dominação pela força do sangue limpo

é preciso, em qualqué tempo, num dá consentimento pra qualqué crueza da maldade, reagí sem estupefação ou malícia, dizê e mostrá e fazê com firmeza otro feitio pra vivê, num dá pra tolerá a miséria da escravidão em qualqué tempo ou lugá, disfarçada ou escancarada, num dá pra oiá a dô da morte e riso na cara

os hipócrita esperto coloca a vida no cercado qui eles controla, gosta de fazê morrê no seu gosto e distração

Gonzaga... venha... venha, chamô dona rosinha oiando pru marido, ajudava o pedido cuma das mão, levanta desse banco, homem de Deus. O sinhô não vai tocar piano, vai? Então, venha ver a Polícia Pública castigando o crime do vandalismo!

a siá rosinha voltô as própria atenção pra praça

o siô augusto, antes de alevantá todo, oiô pru trassêro da muié e pareceu lembrá alguma coisa, sorriu sem alegria e subiu nos pé, as duas mão agarrada na bengala, Dona Rosinha, é a missão deles...

a pulícia pública, no modo divê dusiô augusto, num tem quifazê caridade, mais precisa tê precisão disabê, muntu bem sabido e ensinado, pra quem sefazê simpática e simplória, e tumbém, pra quem sefazê desgovernada e complicada, a mão pode sê leve ou ficá pesada, impiedosa ...cumprir as leis que controlam as bestas e outras coisas. Mas eu continuo afirmando que é preciso melhorar o adestramento na rotina do trabalho e na obediência. Não é um trabalho comum nem é sossegado.

Eu sei, meu marido. Olha, lá na praça... não é interessante?

Interessante? Diria que é um rosário até levar o negrinho meliante perante o juiz e o escrivão.

dona rosinha pensô qui usdois tava falando mais qui eles conversô a semana toda, Que não é uma vida fácil... se vê, sinhô Augusto. Acho que eles quase não sabem ler ou escrever, num sabe pruqui falô assim, acha qui foi só pra tê assunto e continuação na conversa

o siô augusto soltô um suspirô da impaciência qui sempre levava guardada com ele, lhe parecia enfadonho explicá cada palavra qui soltava na própria casa, escolhia ficá calado, Mas que bobagem, dona Rosinha, ele num parecia tá disposto pra desvendá o descaso com ela, a perna sempre doendo, a fraqueza nas vontade, o abatimento, o esmorecimento, vosmecê acha que o Moringue não escreve e não lê?

Acho que é melhor mudar de assunto, pensô dona rosinha, mas que assunto o sinhô Augusto tem para conversar além das conjecturas tristes ou reclamações de dor? As estrelas ainda não começaram a aparecer no céu, oiô pra cima da praça, por certo, o sinhô meu marido não conversa sobre as estrelas, sentiu as mão esfriá, chega de ter medo, Rosinha. A Senhora do céu e da formosura há de guiar minha vida. Cuidado com o que está pensando em dizer, tornô a se aconselhá, não esqueça que casamento é estabilidade, respeito e conformação. O sinhô Augusto pode não ter prestígio, mas tem dinheiro suficiente para esfregar as palmas das mãos e aquecer a alma. Não nasci livre, e qual mulher nasce livre? O casamento não me trouxe liberdade, mas se eu fosse livre o que faria com minha libertação? Onde ia viver? A vida é assim mesmo, tem seus altos e baixos, precisamos de um assoalho claro e limpo em que não falta água e comida enquanto se sonha com outra vida. Uma vida de imaginação. É tanta imaginação que a perna também me dói. Sobreviver a tudo isso é uma vitória do jogo esconde-esconde do casamento.

Não falo desse Moringue, sinhô Augusto. Estou me referindo ao negro que segura as correntes agarradas no negrinho, se decidiu pela continuação do assunto, assim, ela mantinha o interesse um notro, e na praça, sem alegria, é certo, mais alegria ela num sentia falta, num dá pra sentí falta duqui nunca teve e nojo nunca lhe passô pela vontade sentí

E algum negro precisa aprender a ler e escrever? Por favor, dona Rosinha, a negrada nem sabe como treinar essas finuras. Deixa eles com a enxada, a vassoura e os cubos da merda, fez silêncio antes de continuá, parecia qui a praça tava em preparativo pra festa do linchamento, assinar o nome é coisa de branco, dona Rosinha, espichô as vista inté a praça, O serviço desse negro na milícia pública do Moringue é parar os roubos e mortes praticados por escravo fujão. O melhor que tem a fazer é agir antes do crime feito. E, para isso, não precisa leitura nem poesia, só precisa ter as mãos pesadas e firmes, do contrário, não recebe a alforria.

a alforria num era dada pelo curação da compaixão, mais usada como atrativo pra conservá o serviço bem-feito, obrigando upretu lutá uma causa qui num é dele – e nunca vai sê – sem hesitá e sem enfraquecê, ou voltava pru cativêro sem tê mais alforria

na milícia pública, organizada pelo siô moringue, a ambição alimentada era da libertação – qui nunca chegava no tempo certo ditá vivo –, assim ele mantinha a tropa organizada e disciplinada enquanto tratava os escravo como cachorro, tinha exibição de crueldade e castigo todos dia, E para relacionar os escravos presos
, dona Rosinha, não precisa muito. É só observar e repetir:

“Pedro, benguela, estatura alta, cara redonda;
Manuel, benguela, moleque, 11 anos, cara quase redonda;
Josefa, beguela, 12 anos, cara comprida, encorpada, com sinal de estar carregada;
Domingos, benguela, 11 anos, cara quase redonda;
Maria, benguela, estatura alta, olhos pequenos, faltam dentes;
Antônio, benguela, cara quase redonda, com sinais da sua terra na testa.”

É quase tudo igual, não precisam assinar... é só colocarem um xis. E a bem da verdade, dita sempre em nome de Deus e da Virgem Maria, me diga, dona Rosinha, quem vai perguntar para algum crioulo se ele concorda ou não? Um sinal qualquer é suficiente, uma pulícia pública qui só permitia qui sangue limpo tivesse fardamento e soldo das moedas de ouro num achava qui precisava lê nem escrevê... só prendê ou matá

 

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é bão lê tumbém... sequizé:


histórias de avoinha: Sinto-me tão só
histórias de avoinha: um império invisível
histórias de avoinha: uma sombra sem corpo não cruza as pernas
histórias de avoinha: Bagaço hipócrita!
histórias de avoinha: a vaga de marido
histórias de avoinha: a lua na escuridão
histórias de avoinha: chegô no piano
histórias de avoinha: o silêncio no brejo dos pensamento
histórias de avoinha: borboleta preta
histórias de avoinha: Obrigada, Açunta!
histórias de avoinha: ôum velório de vida
histórias de avoinha: o feitiço das trança
histórias de avoinha: o siô ajeitado e as duas miúda
histórias de avoinha: Simão
mulheres descalças: é mansa...
mulheres descalças: Mas você devia!
mulheres descalças: Dez sacas, o amigo concorda?
mulheres descalças: café ralo e mandioca cuzida
mulheres descalças: o descuido da miúda
mulheres descalças: a traste
mulheres descalças: até quando
mulheres descalças: uma sombra silenciosa
mulheres descalças: a perigosa é ela
mulheres descalças: uma resposta deboche
mulheres descalças: gostar sem resistir
mulheres descalças: buraco do barranco
mulheres descalças: caridade é uma brisa morna
mulheres descalças: hipócrita, egoísta e cega d’ódio
mulheres descalças: a pulícia pública


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