domingo, 21 de março de 2021

Stendhal - O Vermelho e o Negro: O baile (IX)

Livro II 


Ela não é galante,
não usa ruge algum.

Sainte-Beuve



Capítulo IX

O BAILE




O luxo das roupas, o brilho das velas, os perfumes: tantos braços e ombros
bonitos; buquês, árias de Rossini que enlevam, pinturas de Ciceri! Estou
fora de mim!

VIAGENS DE UZERI





–VOCÊ ESTÁ MAL-HUMORADA, disse-lhe a marquesa de La Mole; eu a adverti, isso não fica bem num baile.

– Só estou com dor de cabeça, respondeu Mathilde com um ar desdenhoso, está muito quente aqui.

Naquele momento, como para justificar a srta. de La Mole, o velho barão de Tolly sentiuse mal e caiu; tiveram de carregá-lo. Falou-se de apoplexia, foi um acontecimento desagradável.
Mathilde não se preocupou com isso. Era uma posição assumida, nela, nunca dar atenção aos velhos e às pessoas reconhecidas por dizerem coisas tristes.
Dançou para escapar à conversa sobre a apoplexia que, aliás, não ocorrera, pois dois dias depois o barão estava de volta.
Mas o sr. Sorel não aparece, ela ainda dizia-se, depois de ter dançado. Quase o procurava com os olhos, quando o avistou num outro salão. Curiosamente, ele parecia ter perdido aquele tom de frieza impassível que lhe era característico; não tinha mais um ar de inglês.
Ele conversa com o conde Altamira, meu condenado à morte!, disse Mathilde a si mesma. Os olhos dele emitem um brilho sombrio, parece um príncipe disfarçado; seu olhar redobrou de orgulho.
Julien aproximava-se do lugar onde ela estava, continuando a conversar com Altamira; ela o olhava fixamente, examinando seus traços para encontrar aquelas altas qualidades que podem valer a um homem a honra de ser condenado à morte.
Ao passar perto dela, ele dizia ao conde Altamira:

– Sim, Danton era um homem!

Ó céus! pensou Mathilde, seria ele um Danton? Mas seu rosto é tão nobre, e Danton era horrivelmente feio, um carniceiro, acho eu. Julien estava ainda bastante próximo, e ela não hesitou em chamá-lo: tinha a consciência e o orgulho de fazer uma pergunta extraordinária para uma moça.

– Danton não era um carniceiro?, disse-lhe ela.

– Sim, aos olhos de certas pessoas, respondeu Julien, com a expressão de um desprezo mal disfarçado e o olhar ainda inflamado de sua conversa com Altamira; mas, infelizmente para a nobreza, ele era advogado em Méry-sur-Seine; ou seja, senhorita – acrescentou num tom maldoso –, ele começou como vários pares que vejo aqui. É verdade que Danton tinha uma enorme desvantagem aos olhos da beleza, era muito feio.

Estas últimas palavras foram ditas rapidamente, de um modo incomum e seguramente muito pouco cortês.
Julien esperou um instante, com a parte superior do corpo ligeiramente inclinada e um ar orgulhosamente humilde. Ele parecia dizer: sou pago para responder-lhe, vivo de minha paga. Ele não se dignava pôr os olhos em Mathilde. Ela, com seus belos olhos extraordinariamente abertos e fixados nele, parecia sua escrava. Enfim, como o silêncio continuasse, ele olhou para ela como um criado olha o patrão, a fim de receber ordens. Embora seus olhos encontrassem em cheio os de Mathilde, que continuavam fixos nele com um olhar estranho, ele afastou-se com marcada solicitude.
Saindo enfim de seu devaneio, Mathilde pensou: ele, que é tão belo, fazer tal elogio da feiura! Não se vê no espelho! Não é como Caylus ou Croisenois. Esse Sorel tem algo do ar que meu pai assume quando imita tão bem Napoleão no baile. Ela esquecera completamente Danton. Decididamente, esta noite me aborrece. Pegou seu irmão pelo braço e, para o desgosto dele, forçou-o a dar uma volta pelo baile. Ocorreu-lhe a ideia de seguir a conversa do condenado à morte com Julien.
A multidão era enorme. No entanto, ela conseguiu alcançá-los no momento em que, dois passos à frente, Altamira aproximava-se de uma bandeja para pegar um sorvete. Ele falava a Julien, meio voltado para este, quando viu um braço de manga bordada que pegava um sorvete a seu lado. O bordado pareceu chamar sua atenção e ele virou-se prontamente para a figura a quem pertencia esse braço. No mesmo instante, seus olhos nobres e ingênuos adquiriram uma leve expressão de desdém.

– Está vendo esse homem? disse em voz baixa a Julien; é o príncipe de Araceli, embaixador de ***. Esta manhã pediu minha extradição ao ministro de assuntos estrangeiros da França, sr. de Nerval. Veja, lá está ele, jogando whist. O sr. de Nerval está muito disposto a entregar-me, pois demos a vocês dois ou três conspiradores em 1816. Se me entregarem a meu rei, serei enforcado em vinte e quatro horas. E será um destes elegantes senhores de bigode que virá prender-me.

– Infames!, exclamou Julien, um pouco alto.

Mathilde não perdia uma sílaba da conversa deles. O tédio desaparecera.

– Não tão infames, retomou o conde Altamira. Falei de mim para impressioná-lo com uma imagem viva. Observe o príncipe de Araceli; a cada cinco minutos, põe os olhos em seu Velo de Ouro; não se cansa de olhar esse enfeite em seu peito. No fundo, esse pobre homem é um anacronismo. Há cem anos, o Velo era uma honraria insigne, mas então estaria muito acima de suas pretensões. Hoje, entre a nobreza, somente um Araceli para encantar-se com isso. Ele faria enforcar uma cidade inteira para obtê-lo.

– Foi a esse preço que o obteve?, disse Julien com ansiedade.

– Não exatamente, respondeu com frieza Altamira; talvez tenha mandado jogar no rio uns trinta ricos proprietários de seu país, tidos por liberais.

– Que monstro!, tornou a dizer Julien.

A srta. de La Mole, inclinando a cabeça com o mais vivo interesse, estava tão perto dele que seus belos cabelos quase roçavam-lhe o ombro.

– O senhor é muito jovem!, respondeu Altamira. Eu dizia-lhe que tenho uma irmã casada na Provença; é ainda bonita, boa, delicada; uma excelente mãe de família, fiel a todos os seus deveres, piedosa e não devota.

Aonde ele quer chegar?, pensava a srta. de La Mole.

– Ela é feliz, continuou o conde de Altamira; ela o era em 1815. Eu estava então escondido na casa dela, em suas terras perto de Antibes. Pois bem, no momento em que soube da execução do marechal Ney, ela pôs-se a dançar!

– Será possível?, disse Julien, aterrorizado.

– É o espírito de partido, prosseguiu Altamira. Não há mais paixões verdadeiras no século XIX; por isso é que as pessoas entediam-se tanto na França. Cometem-se as maiores crueldades, mas sem crueldade.

– O que é pior!, disse Julien; pelo menos, quando se cometem crimes, é preciso cometê-los com prazer: eles só têm isso de bom, e não se pode justificá-los um pouco senão por essa razão.

A srta. de La Mole, esquecendo por completo o que devia a si mesma, colocara-se quase entre Altamira e Julien. Seu irmão, que lhe dava o braço, acostumado a obedecer-lhe, olhava para o outro lado do salão e, para dissimular o aborrecimento, fingia estar barrado pela multidão.

– O senhor tem razão, dizia Altamira; faz-se tudo sem prazer e sem guardar lembrança, mesmo os crimes. Posso mostrar-lhe neste baile dez homens talvez que irão para o inferno como assassinos. Eles esqueceram o que fizeram, e a sociedade também. [1] Muitos comovem-se até as lágrimas se seu cão quebra a pata. No Père-Lachaise, quando lançam flores sobre seus túmulos, como é dito tão graciosamente em Paris, ficamos sabendo que eles reuniam todas as virtudes dos bravos cavaleiros, e fala-se dos grandes feitos do bisavô que vivia no reinado de Henrique IV. Se, apesar dos bons ofícios do príncipe de Araceli eu não for enforcado e continuar gozando de minha fortuna em Paris, quero fazê-lo jantar com oito ou dez assassinos honrados e sem remorsos. Você e eu, nesse jantar, seremos os únicos puros de sangue; mas eu serei desprezado e quase odiado como um monstro sanguinário e jacobino, e você desprezado simplesmente como homem do povo intrometido em boa companhia.

– Nada mais verdadeiro, disse a srta. de La Mole.

Altamira olhou-a, espantado; Julien não se dignou olhar para ela.

– Veja que a revolução à testa da qual me achei, continuou o conde Altamira, não teve êxito unicamente porque eu não quis fazer rolar três cabeças e distribuir a nossos partidários sete a oito milhões que estavam num cofre do qual tenho a chave. Meu rei, que hoje só quer enforcar-me e que, antes da revolta, tratava-me com intimidade, teria me condecorado com a fita azul de sua ordem se eu tivesse feito rolar aquelas três cabeças e distribuído o dinheiro do cofre, pois ao menos eu teria obtido um sucesso parcial e meu país teria uma constituição decente... Assim é o mundo, é uma partida de xadrez.

– Então, retomou Julien com o olhar em fogo, o senhor não conhecia o jogo; mas agora...

– Está querendo dizer que eu faria rolar cabeças e não seria um girondino como deu-me a entender outro dia?... Responderei, disse Altamira com um ar triste, quando você tiver matado um homem em duelo, o que é ainda bem menos feio do que fazê-lo executar por um carrasco!

– Afinal, disse Julien, quem quer o fim quer os meios! Se eu não fosse um átomo e tivesse algum poder, mandaria enforcar três homens para salvar a vida de quatro.

Seus olhos exprimiam o fogo da consciência e o desprezo dos vãos julgamentos dos homens; eles depararam com os da srta. de La Mole muito perto dele, e esse desprezo, longe de transformar-se em ar gracioso e polido, pareceu redobrar.
Ela ficou profundamente chocada; mas não estava mais em seu poder esquecer Julien; afastou-se com despeito, arrastando o irmão.
Preciso tomar punch e dançar muito, ela pensou; quero escolher o que há de melhor e brilhar a qualquer preço. Vejamos, eis aqui esse famoso impertinente, o conde de Fervaques. Ela aceitou seu convite; dançaram. Trata-se de ver, ela pensou, qual dos dois será o mais impertinente, mas, para zombar completamente dele, preciso fazê-lo falar. Logo, todos os outros pares dançavam apenas por formalidade. Não queriam perder nenhuma das réplicas picantes de Mathilde. O sr. de Fervaques perturbava-se e, encontrando apenas palavras elegantes em vez de ideias, fazia trejeitos; Mathilde, de mau humor, foi cruel com ele e arranjou um inimigo. Dançou até o amanhecer e por fim retirou-se terrivelmente fatigada. Mas, na carruagem, as poucas forças que lhe restavam eram ainda empregadas para fazê-la triste e infeliz. Tinha sido desprezada por Julien, e não podia desprezá-lo.
Julien estava no auge da felicidade, encantado, sem dar-se conta disso, com a música, as flores, as belas mulheres, a elegância geral e, mais que tudo, com sua imaginação, que sonhava distinções para ele e liberdade para todos.

– Que belo baile!, disse ele ao conde, não falta nada.

– Falta o pensamento, respondeu Altamira.

E sua fisionomia mostrava aquele desprezo ainda mais picante, porque nele se percebe que a polidez impõe-se o dever de ocultá-lo.

– O senhor está aqui, sr. conde. O pensamento é também conspirador, não é verdade?

– Estou aqui por causa de meu nome. Mas odeiam o pensamento nestes salões. Este não deve se elevar acima de um refrão picante de vaudeville: então é recompensado. Mas o homem que pensa, se tem energia e novidade em suas tiradas, é chamado cínico. Não foi esse o nome que um dos seus juízes deu a Courier? Ele foi preso, assim como Béranger. Tudo que neste país possui algum valor pelo espírito, a Congregação lança à polícia correcional; e a boa sociedade aplaude. É que sua sociedade envelhecida preza acima de tudo as conveniências...Vocês jamais se elevarão acima da bravura militar; terão figuras como Murat, jamais como Washington. Vejo na França apenas vaidade. Um homem que improvisa ao falar chega facilmente a uma tirada imprudente, e o dono da casa julga-se desonrado.

A essas palavras, a carruagem do conde, que levava Julien para casa, parou diante da mansão de La Mole. Julien estava apaixonado pelo conspirador. Altamira fizera-lhe este belo elogio, evidentemente resultante de uma profunda convicção: O senhor não tem a leviandade francesa, e compreende o princípio da utilidade. Justamente na antevéspera, Julien tinha assistido a Marino Faliero, tragédia de Casimir Delavigne.
Não possui Israel Bertuccio mais caráter que todos aqueles nobres venezianos? pensava o nosso plebeu revoltado; no entanto, são homens cuja nobreza provada remonta ao ano 700, um século antes de Carlos Magno, enquanto o que havia de mais nobre esta noite no baile do sr. Retz remonta, e olhe lá, ao século XVIII. Pois bem! Em meio àqueles nobres de Veneza, tão grandes pelo nascimento, é de Israel Bertuccio que nos lembramos.
Uma conspiração destrói todos os títulos dados pelos caprichos sociais. Nela, um homem conquista a posição que lhe destina sua maneira de considerar a morte. O próprio espírito perde seu domínio...
Que seria hoje Danton, neste século dos Valenod e dos Rênal? Nem sequer o substituto do procurador do rei... Que estou dizendo? Teria se vendido à Congregação; seria ministro, pois o grande Danton, afinal, roubou. Mirabeau também se vendeu. Napoleão roubou milhões na Itália, sem isso teria sido barrado pela pobreza, como Pichegru. Somente La Fayette nunca roubou. Deve-se roubar, é preciso vender-se?, pensou Julien. Essa questão o reteve. Passou o resto da noite lendo a história da Revolução.
No dia seguinte, ocupado com suas cartas na biblioteca, continuava ainda a pensar na conversa com o conde Altamira.
Em realidade, disse a si mesmo depois de um longo devaneio, se esses espanhóis liberais tivessem feito concessões ao povo através de crimes, não teriam sido varridos com facilidade. Foram crianças orgulhosas e tagarelas... Como eu!, exclamou de repente Julien, como que despertando em sobressalto.
Que fiz de difícil que me dê o direito de julgar pobres-diabos que, enfim, uma vez na vida, ousaram, começaram a agir? Sou como um homem que, ao sair da mesa, exclama: amanhã não almoçarei; o que não me impedirá de ser forte e alegre como sou hoje. Quem sabe o que se sente a meio caminho de uma grande ação?...
Esses altos pensamentos foram perturbados pela chegada imprevista da srta. de La Mole, que entrava na biblio teca. Estava tão animado por sua admiração pelas grandes qualidades de Danton, de Mirabeau, de Carnot, os quais souberam não ser vencidos, que seus olhos pousaram na srta. de La Mole mas sem pensar nela, sem cumprimentá-la, quase sem vê-la. Quando por fim seus grandes olhos abertos deram-se conta da presença dela, seu olhar apagou-se. A srta. de La Mole o fitou com amargor.
Em vão ela pediu-lhe um volume da História da França, de Vély, colocado na prateleira mais alta, o que obrigava Julien a buscar a maior das duas escadas. Julien aproximara a escada, encontrara o volume, entregara-o a ela, sem poder ainda pensar nela. Ao retirar a escada, em seu alheamento, deu uma cotovelada num dos vidros da biblioteca; os cacos, ao caírem no soalho, finalmente despertaram-no. Apressou-se em pedir desculpas à srta. de La Mole; quis ser delicado, mas foi apenas polido. Mathilde percebeu com evidência que o perturbara, e que ele preferia pensar no que o ocupava antes de sua chegada do que falar com ela. Depois de fitá-lo muito, retirou-se lentamente. Julien olhava seu andar. Gostava do contraste da simplicidade de seu traje atual com a elegância magnífica do da véspera. A diferença entre as duas fisiono mias era também impressionante. Essa moça, tão altiva no baile do duque de Retz, tinha quase um olhar suplicante naquele momento. Realmente, pensou Julien, este vestido preto faz realçar ainda mais a beleza de seu corpo. Tem um porte de rainha; mas por que está de luto?
Se eu perguntar a alguém a causa desse luto, cometerei mais uma tolice. Julien saíra completamente das profundezas de seu entusiasmo. Devo reler todas as cartas que redigi esta manhã; sabe lá os lapsos e os disparates que nelas encontrarei. Quando lia com uma atenção forçada a primeira delas, ouviu muito próximo o ruído de uma saia de seda; virou-se rapidamente; a srta. de La Mole estava a dois passos de sua mesa, ela ria. Essa segunda interrupção deixou Julien mal-humorado.

Quanto a Mathilde, ela acabava de sentir vivamente que nada significava para aquele jovem; o riso era para esconder seu embaraço, ela o conseguiu.

– Evidentemente, o senhor pensa em algo de muito interessante, sr. Sorel. Não será alguma anedota curiosa sobre a conspiração que nos enviou a Paris o sr. conde Altamira? Diga-me do que se trata, estou muito curiosa de saber; serei discreta, juro! Ficou espantada com essas frases ao ouvi-las pronunciar. Quê! Eu suplicando a um subalterno? Como seu embaraço aumentasse, ela acrescentou de um modo meio irrefletido:

– O que pôde fazer de você, geralmente tão frio, um ser inspirado, uma espécie de profeta de Miguelângelo?

Essa viva e indiscreta interrogação, ferindo Julien profundamente, reavivou toda a sua loucura.

– Danton fez bem em roubar?, disse ele bruscamente, e com um aspecto cada vez mais feroz. Os revolucionários do Piemonte, da Espanha, deviam fazer concessões ao povo através de crimes? Dar, mesmo a pessoas sem mérito, todos os postos no exército, todas as medalhas? As pessoas que usassem essas medalhas não teriam temido a volta do rei? O tesouro de Turim devia ter sido saqueado? Em suma, senhorita, disse ele, aproximando-se dela com um ar terrível, o homem que quer expulsar a ignorância e o crime da terra deve ser como a tempestade e fazer o mal como por acaso?

Mathilde teve medo, não pôde sustentar seu olhar e recuou dois passos. Olhou-o por um instante; depois, envergonhada de seu medo, saiu da biblioteca a passos ligeiros.




continua página 209...

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[1] É um descontente que fala. Nota de Molière ao “Tartufo”.


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ADVERTÊNCIA DO EDITOR

Esta obra estava prestes a ser publicada quando os grandes acontecimentos de julho [de 1830] vieram dar a todos os espíritos uma direção pouco favorável aos jogos da imaginação. Temos motivos para acreditar que as páginas seguintes foram escritas em 1827.

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Henri-Marie Beylemais conhecido como Stendhal (Grenoble, 23 de janeiro de 1783 — Paris, 23 de março de 1842) foi um escritor francês reputado pela fineza na análise dos sentimentos de seus personagens e por seu estilo deliberadamente seco.
Órfão de mãe desde 1789, criou-se entre seu pai e sua tia. Rejeitou as virtudes monárquicas e religiosas que lhe inculcaram e expressou cedo a vontade de fugir de sua cidade natal. Abertamente republicano, acolheu com entusiasmo a execução do rei e celebrou inclusive a breve detenção de seu pai. A partir de 1796 foi aluno da Escola central de Grenoble e em 1799 conseguiu o primeiro prêmio de matemática. Viajou a Paris para ingressar na Escola Politécnica, mas adoeceu e não pôde se apresentar à prova de acesso. Graças a Pierre Daru, um parente longínquo que se converteria em seu protetor, começou a trabalhar no ministério de Guerra.
Enviado pelo exército como ajudante do general Michaud, em 1800 descobriu a Itália, país que tomou como sua pátria de escolha. Desenganado da vida militar, abandonou o exército em 1801. Entre os salões e teatros parisienses, sempre apaixonado de uma mulher diferente, começou (sem sucesso) a cultivar ambições literárias. Em precária situação econômica, Daru lhe conseguiu um novo posto como intendente militar em Brunswick, destino em que permaneceu entre 1806 e 1808. Admirador incondicional de Napoleão, exerceu diversos cargos oficiais e participou nas campanhas imperiais. Em 1814, após queda do corso, se exilou na Itália, fixou sua residência em Milão e efetuou várias viagens pela península italiana. Publicou seus primeiros livros de crítica de arte sob o pseudônimo de L. A. C. Bombet, e em 1817 apareceu Roma, Nápoles e Florença, um ensaio mais original, onde mistura a crítica com recordações pessoais, no que utilizou por primeira vez o pseudônimo de Stendhal. O governo austríaco lhe acusou de apoiar o movimento independentista italiano, pelo que abandonou Milão em 1821, passou por Londres e se instalou de novo em Paris, quando terminou a perseguição aos aliados de Napoleão.
"Dandy" afamado, frequentava os salões de maneira assídua, enquanto sobrevivia com os rendimentos obtidos com as suas colaborações em algumas revistas literárias inglesas. Em 1822 publicou Sobre o amor, ensaio baseado em boa parte nas suas próprias experiências e no qual exprimia ideias bastante avançadas; destaca a sua teoria da cristalização, processo pelo que o espírito, adaptando a realidade aos seus desejos, cobre de perfeições o objeto do desejo.
Estabeleceu o seu renome de escritor graças à Vida de Rossini e às duas partes de seu Racine e Shakespeare, autêntico manifesto do romantismo. Depois de uma relação sentimental com a atriz Clémentine Curial, que durou até 1826, empreendeu novas viagens ao Reino Unido e Itália e redigiu a sua primeira novela, Armance. Em 1828, sem dinheiro nem sucesso literário, solicitou um posto na Biblioteca Real, que não lhe foi concedido; afundado numa péssima situação económica, a morte do conde de Daru, no ano seguinte, afetou-o particularmente. Superou este período difícil graças aos cargos de cônsul que obteve primeiro em Trieste e mais tarde em Civitavecchia, enquanto se entregava sem reservas à literatura.
Em 1830 aparece sua primeira obra-prima: O Vermelho e o Negro, uma crónica analítica da sociedade francesa na época da Restauração, na qual Stendhal representou as ambições da sua época e as contradições da emergente sociedade de classes, destacando sobretudo a análise psicológica das personagens e o estilo direto e objetivo da narração. Em 1839 publicou A Cartuxa de Parma, muito mais novelesca do que a sua obra anterior, que escreveu em apenas dois meses e que por sua espontaneidade constitui uma confissão poética extraordinariamente sincera, ainda que só tivesse recebido o elogio de Honoré de Balzac.
Ambas são novelas de aprendizagem e partilham rasgos românticos e realistas; nelas aparece um novo tipo de herói, tipicamente moderno, caracterizado pelo seu isolamento da sociedade e o seu confronto com as suas convenções e ideais, no que muito possivelmente se reflete em parte a personalidade do próprio Stendhal.
Outra importante obra de Stendhal é Napoleão, na qual o escritor narra momentos importantes da vida do grande general Bonaparte. Como o próprio Stendhal descreve no início deste livro, havia na época (1837) uma carência de registos referentes ao período da carreira militar de Napoleão, sobretudo a sua atuação nas várias batalhas na Itália. Dessa forma, e também porque Stendhal era um admirador incondicional do corso, a obra prioriza a emergência de Bonaparte no cenário militar, entre os anos de 1796 e 1797 nas batalhas italianas. Declarou, certa vez, que não considerava morrer na rua algo indigno e, curiosamente, faleceu de um ataque de apoplexia, na rua, sem concluir a sua última obra, Lamiel, que foi publicada muito depois da sua morte.
O reconhecimento da obra de Stendhal, como ele mesmo previu, só se iniciou cerca de cinquenta anos após sua morte, ocorrida em 1842, na cidade de Paris.



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