Cruz e Sousa
Obra Completa
Volume 1
POESIA
O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos
Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos
CAMPESINAS
IX
NO CAMPO SANTO
Morreste no campo um dia,
Como uma flor desprezada.
Clareava a madrugada
Azul, vaporosa e fria.
Sobre a agreste serrania,
Numa ermida branqueada,
Por uma manhã doirada
Um sino repercutia.
Teu caixão, de camponesas
E camponeses seguido,
Desceu abaixo às devesas.
Ganhou o atalho comprido
De casas em correntezas
E entrou num campo florido.
X
Pelos vales e colinas
Os bandos das pombas voam...
E as latadas das boninas
As rentes cercas coroam.
Entre o rumor das campinas
Os carros de bois ressoam...
E nas névoas matutinas
Já os raios do sol coam.
Que aurora flor das auroras!
Nas frescas águas sonoras
Boiam ilhas de verdura.
E na fita dos caminhos
Onde trinam passarinhos
Vens vindo a rir, formosa.
XI
Foste à fonte buscar água
E tinha secado a fonte...
Pobre flor do monte
Tiveste a primeira mágoa.
Porém se uma alma na frágua
Das dores, sem horizonte,
Queres ver, sentir defronte
Dos olhos, manda, que eu trago-a.
Vou t’a levar à presença
Para que vejas a imensa
Mágoa atroz que a devorou.
E saibas, o sol das flores,
Que a fonte dos seus amores
Eternamente secou.
XII
A pomba o voo descerra
Para além dos infinitos,
Deixando todos os ritos
Das religiões cá da terra.
Ganha o mar e ganha a serra
Em busca de novos mitos
Desses bíblicos Egitos
Da Fé, que vagueia e que erra...
Quem tem sede de carinhos
Faz como a pomba, procura
Corações que sejam ninhos.
Vai em busca da ventura,
Da paz dispersa em caminhos
Que vão dar à sepultura.
XIII
Fui aos morangos do prado
E nunca os vi tão formosos...
Que perfume delicado,
Que cores, que tons preciosos.
Cor de sangue atravessado
De acesos sóis radiosos
Num rubro ocaso doirado,
Por horizontes calmosos;
Através da luz da aurora
Vivaz e fresca e sonora,
Num resplendor nunca visto;
Pareceram-me umas gotas
De sangue das carnes rotas
Das mãos e dos pés de Cristo.
XIV
Os olhos das adoradas
São como os campos festivos
Cheios dos brilhos mais vivos
Das alegres madrugadas.
Como as frescas alvoradas
Há pelos campos estivos
Lindos cantos expressivos
De camponesas medradas;
Nos olhos das que adoramos
Há aves cantando e ramos
Noivados do nosso amor.
Perspectivas radiantes
Só vistas pelos amantes
De almas abertas em flor!
XV
De manhã cedo os rebanhos
Saltam, galgam montanhosos
Alcantis esplendorosos,
Cheios de brilhos estranhos.
E quando após os amanhos
Dos terrenos vigorosos
Os lavradores sequiosos
Regressam de afãs tamanhos;
Quando o sol no ocaso em chamas
Veste as árvores de lhamas
E luminosos veludos;
Entre as trêmulas guitarras
Das nostálgicas cigarras
Quedam-se os gados lanzudos.
XVI
São tantas as sementeiras
Como as estrelas são tantas...
Ah! que virgens bebedeiras
Vêm dos aromas das plantas.
Nas terras alvissareiras
De novas colheitas santas,
Que brotos de trepadeiras,
Que vinhas quantas e quantas.
Como a seiva e o viço estoura
Pelos campos da lavoura,
Num frenesi de novilho...
Só tu, infecunda e triste,
De gelo, nunca sentiste
Os vivos germens de um filho!
XVII
Por estas manhãs sonoras
Em tudo a luz vibra e salta
E arroios, várzeas esmalta
De deslumbrantes auroras.
São mais alegres as horas,
Nem o humor às almas falta
E de uma força mais alta
Fecundam-se as virgens floras.
Os aspectos da verdura
Recebem formas serenas
D’encantos e de frescura.
Ah! que ruflados de penas
Na luz que canta na altura,
Nas folhagens de açucenas!
1889
"Se não fosse a educação... o racismo não teria como se reproduzir."
Silvio Almeida
"Desse tipo de erro ninguém reclama nos livros didáticos"
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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.
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Organização e Estudo
Lauro Junkes
Presidente da Academia Catarinense de Letras
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Projeto Gráfico, Editoração e Capa
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Revisão Linguístico-Ortográfica
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PROF. Dr. LAURO JUNKES
Impressão e Acabamento
Avenida Gráfica e Editora Ltda.
Formato
14 x 21cm
FICHA CATALOGRÁFICA
Catalogação na fonte por M. Margarete Elbert - CRB14/167
S725o Sousa, Cruz e, 1861-1898
Obra completa : poesia / João da Cruz e Sousa ; organização
e estudo por Lauro Junkes. – Jaraguá do Sul : Avenida ; 2008.
v. 1 (612 p.)
Edição comemorativa dos 110 anos de falecimento e do
traslado dos restos mortais de Cruz e Sousa para Santa Catarina.
1. Sousa, Cruz e, 1861-1898. 2. Poesia catarinense. I.
Junkes, Lauro. II. Titulo.
CDU: 869.0(816.4)-1
"A gente só tem saída na política."
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