sábado, 17 de outubro de 2020

histórias davóinha: becos sem saída (I) 07bs - maria futuro

 becos sem saída


(I) o descolocado
07bs – maria futuro

baitasar



Um dia muito depois do acontecido quando a desconfiança estava mais branda, firmei na cabeça que tinha perna e sai caminhando. Mancava um pouco e outro pouco pulava, mas tinha assumido o compromisso sensato de seguir em frente. Não podia colocar o pé morto – pelas força de controle da segurança – na botina, ele estava desaparecido. Assim me fui em silêncio pelas estradas, um pé torto na botina e o outro pé sumido. A botina vazia pendurada nas costas como um caixão, um fardo pesado da morte sem corpo para ser carregado sem rumo. A ferida aberta, o pé coçando.

parou as palavras e olhou na sua volta, queria perguntar por que nunca lhe devolveram o pé morto, só a escuridão da praça: um beco sem saída pela vontade apassivadora da ignorância, ele sabe que o olhar da gente de bem só vê nele um vagabundo, um coitado perneta, um perigoso pedinte que não precisa viver

Velho, é preciso pensar coisa boa, o conformado levantou as vistas do pé saudoso e desaparecido, fez uma careta de pena dele mesmo, Pensar coisa boa, É, isso mesmo, Hum... e a guria das ruas pode ensinar esse velho alguma coisa boa?

Posso ajudar um tantinho se o velho deixar, E como seria essa ajuda, Pensa, velho, Estou pensando, Então, pé que não anda não dá topada, É isso que a miúda tem para ensinar, Sim... o que não tem conserto já tá consertado. Assim é a vida, quando um não pode o outro ajuda, o velho sorriu daquele bom senso filho da puta

Quanta bobagem... a guria não quer respostas, parece cheia de meias mentiras e se contenta com histórias meio começadas e meio terminadas, E vai mudar alguma coisa saber o que é verdade e o que é mentira, os dois continuavam ali na escuridão, empurrando as palavras de provocação daquela conversa escondida, na verdade, tudo ali é secreto, como se não existisse, E adianta carregar esse livro nas mãos se você não sabe ler?

a miúda levantou a mão e pediu silêncio, a vida não podia se negar mais do que sobrou e um bom começo pode ser pelo nome, O velho quer começar essas histórias por onde? Eu acho que o velho pode começar pelo nome. Eu tenho nome?

Tem...

E eu posso saber esse nome?

Maria Futuro.



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