terça-feira, 20 de outubro de 2020

Cruz e Sousa - Poesias Completas: Campesinas L - Papoula

  Cruz e Sousa


Obra Completa
Volume 1
POESIA



O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos

Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos




CAMPESINAS 




PAPOULA
            A Oscar Rosas
                 

Assim loura és mais formosa
Do que se fosses trigueira:
Corpo de eflúvios de rosa
Com esbeltez de palmeira.

Vestida de cor da aurora
Leve dos fluidos da graça,
És uma estrela sonora
Que, em sonhos, pelo éter passa.

Resplandece em teu cabelo
Um fulgor de sol dourado,
Que só de senti-lo e vê-lo
Fica tudo iluminado.

Do teu branco leque aberto
Que lembra uma asa de garça,
Aspiro um perfume incerto,
Talvez a tua alma esparsa.

Num resplendor de madona
E altivez de corça arisca
Surges da luz entre a zona
Com quebrantos de odalisca.

Que venha o duque normando
De castelos escoceses
Com seu ar bizarro e brando
Amar-te os olhos ingleses.

E entre aromas e frescores
E revoadas de abelhas,
Como num campo de flores
Que esse olhar vibre centelhas.

Que cantem na tua boca
As alegrias radiadas,
Numa ideal rajada louca
De voos de passaradas.

Que como os astros no espaço,
Teu encanto resplandeça...
Com pelúcias no regaço
E asas de ave na cabeça.

E que os teus dois seios puros
Que o amor fecundando beija
Fiquem cheios e maduros
Com dois bicos de cereja.





NA VILA


Nos ervaçais vibrou o sol agora,
Nas fitas verdes dos canaviais...
Como rompesse loura e fresca a aurora
Agora o sol vibrou nos ervaçais.

Murmurejam de alegres os caminhos
Que até parecem, límpidos, cantar
Na música melódica dos ninhos
Que vai nos ares se cristalizar.

Floresce tudo, em toda parte flores
Neste maio feliz, e tão feliz
Que as plantas exuberam de vigores
Desde a profunda, pródiga raiz.

Noivam as aves junto dos riachos
No seu alado alvorecer de amor;
E o coqueiral, com os amarelos cachos,
Pompeia de riquíssimo verdor.

Fluem na sombra meigas fontes claras
Sob o frondente e vasto laranjal
E para além magníficas searas
Se estendem como um leito virginal.

Na serena paz vegetativa
Faz docemente tudo adormecer
Mas num sono de luz doirada e viva,
Quase a dormência de quem vai morrer...

Ah! que o silêncio, a solidão dos ermos,
Das agrestes paragens do sertão
Se dão saúde a espíritos enfermos
Também supremas nostalgias dão!

A volúpia letal do meio-dia,
Nas horas encalmadas, sob a luz,
Dá duma campa a atroz melancolia
Assinalada numa simples cruz.

Depois o campo na mudez da vila,
Aquela eterna e soberana paz
Da imensa vastidão sempre tranquila
Como que punge e que entristece mais!




"Se não fosse a educação... o racismo não teria como se reproduzir."


Silvio Almeida




"Desse tipo de erro ninguém reclama nos livros didáticos"



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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.


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Organização e Estudo
Lauro Junkes
Presidente da Academia Catarinense de Letras


© Copyright 2008
Avenida Gráfica e Editora Ltda.

Projeto Gráfico, Editoração e Capa
ESPAÇO CRIAÇÃO ARQUITETURA DESIGN E COMPUTAÇÃO GRÁFICA LTDA.
www.espacoecriacao.com.br
Fone/Fax: (48) 3028.7799

Revisão Linguístico-Ortográfica
PROFª Drª TEREZINHA KUHN JUNKES
PROF. Dr. LAURO JUNKES

Impressão e Acabamento
Avenida Gráfica e Editora Ltda.

Formato
14 x 21cm


FICHA CATALOGRÁFICA

Catalogação na fonte por M. Margarete Elbert - CRB14/167



S725o      Sousa, Cruz e, 1861-1898

                        Obra completa : poesia / João da Cruz e Sousa ; organização
                  e estudo por Lauro Junkes. – Jaraguá do Sul : Avenida ; 2008.
                         v. 1 (612 p.)

                         Edição comemorativa dos 110 anos de falecimento e do
                  traslado dos restos mortais de Cruz e Sousa para Santa Catarina.

                            1. Sousa, Cruz e, 1861-1898. 2. Poesia catarinense. I.
                  Junkes, Lauro. II. Titulo.

                                                                                      CDU: 869.0(816.4)-1



"A gente só tem saída na política."


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