terça-feira, 19 de julho de 2022

O Brasil Nação - V2: § 90 – Por Fim (3) - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil Nação volume 2



SEGUNDA PARTE 
TRADIÇÕES



À glória de
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução


POR FIM...


(3)

Em verdade, que significação pode ter, para o Brasil, a política de conservação? Nos povos experimentados, quando a sucessão dos governos corresponde aproximadamente à opinião do país, para o desenvolvimento das suas tradições essenciais, a política de conservação será uma forma de equilíbrio, porque o passado vale como lastro nas oscilações de sempre e manancial de indicações, ao longo da evolução necessária. Então, ele é, de fato, a chave do futuro. Mas, para nós, quando o passado incorpora, apenas, o bragantismo alastrado no oligarquismo reinante, a política de conservação significa soterramento na podridão crescente, que é o mesmo passado. De tudo que é história, no Brasil soberano, só temos a conservar o que nunca se realizou: o sonho de liberdade e justiça para a plena expansão desta nacionalidade, em gênio americano-brasileiro. Esta, sim, será a chave dos nossos destinos. E, no inevitável duelo passado-futuro, não há que poupar, até a total eliminação de todo o mesmo passado, que só tem sido mal. Nesse prosseguir, a nação brasileira afirmará a sua capacidade de realização no mundo moderno. Em vista dessa política apenas conservadora, o Brasil arrasta o peso de um exército e uma armada, quais nos legou o Império bragantino. À parte o soldo, a República nada lhe alterou de essencial. Enquanto, isto, imagine- -se, aplicada à obra educativa, a forte soma dos orçamentos militares!... Seríamos, hoje, um dos povos bem-situados na frente do progresso americano, sem que em nada perdêssemos – como capacidade de defesa nacional. Mais eficaz, certamente, do que a especializada organização guerreira como a possuímos, já obsoleta, já copiada no mesmo critério em que copiam os muitos e sucessivos uniformes do garbo crioulo. Se, ao menos, tivéramos o exército e a marinha que nos convém! Um serviço nacional realmente educativo, necessário concurso de todos à comunidade, onde os brasileiros se encontrassem para o convívio da absoluta igualdade, desembaraçados dos triviais convencionalismos; um serviço qual o ideou William James – escola de disciplina e metodização de esforço...

Esta América, tão vasta e tão propícia, tão falta, ainda, de humana energia: por que subtrair-lhe, da atividade sã e útil, todos esses milhares de homens dos arcaicos exércitos que os respectivos governantes se obstinam em conservar? Por que esgotar-lhe os melhores recursos com as inúteis despesas a que as obriga esse militarismo, que, na história, só se explica pelo despotismo da metrópole sobre as colônias, e a necessidade, nestas, de lutar contra a opressão? Condoídos pela sorte do resto do mundo, americanos, vivemos numa paz tão real que nem os fermentos do militarismo conservado a perturbam seriamente. E se os que fazem a política fossem capazes de compreender as verdadeiras necessidades da América, com a lição dos últimos anos, seríamos nações redimidas de batalhões, couraçados e canhões. O infame se vis pacem, para bellum... teve o irrefutável desmentido. No caso do Novo Mundo, exércitos e armadas só existem para levar-nos, mais dia, menos dia, à barbaria e estupidez da guerra. Desarmada – das armas clássicas e obsoletas, apenas disposta a defesa contra o imperialismo do resto do mundo, a América estaria liberada de guerras, pois que, convenientemente preparados para a defesa geral, acordes, americanamente, para tal defesa, estaríamos isentos de ataques, que não haveria tonteira de imperialismo periclitante, bastante alucinante para empreender um ataque contra a América confederada para a mesma defesa. E se ainda há quem indague: Como garantir-nos, eficazmente, sem exército?... Responda a insofismável questão: Haverá quem pretenda que a resistência a um verdadeiro ataque se possa fazer com a organização militar que possuímos? Cada vez mais, a eficiência da guerra é função do preparo geral da nação, preparo que nada depende de galões e aquartelamentos: cultura física, treino de solidariedade imediata, verdadeira educação cívica, com vistas à liberdade e justiça, formação de ânimos que não aceitem a conquista e a injúria do estrangeiro, instrução nutrida de legítima ciência, eis o que pode garantir, atualmente, um povo contra as investidas das nações imperialistas. E caberia ao Brasil, o que mais pecou, em imperialismo entre os ibero-americanos; caberia a ele dar o exemplo desse ânimo de paz intransigente. Não nos detêm preconceitos, nem há, na alma da nação, nenhum motivo essencial a contrariar o propósito de paz, nenhum afeto ativo que não seja de simpatia americana. Pecamos, mas o pecado tanto foi exterior ao sentimento brasileiro que bastou o 15 de Novembro: esse desfecho, que nada mudou na essência dos processos políticos, mudou inteiramente a feição das nossas relações interamericanas. Com a mesma facilidade passaríamos ao cordial desarmamento, se não pesasse sobre os nossos destinos o estúpido, injustificável e inumano conservadorismo, em que os agaloados e mais privilegiados desta pátria perpetuam os seus privilégios.



continua pág 321...

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"Manoel Bomfim morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira
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Bomfim, Manoel, 1868-1932  
                O Brasil nação: vol. II / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 392 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 31).


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nunca é demais pensar...



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