terça-feira, 26 de abril de 2022

O Brasil Nação - V2: § 90 – Por Fim (1) - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil Nação volume 2



SEGUNDA PARTE 
TRADIÇÕES



À glória de
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução


POR FIM...


(1)


Semente de energia, terra sã e moça, condições propícias deram para um Brasil que pôde ser a primeira nacionalidade americana a manifestar-se. Mas, Insurreição Pernambucana, conquista dos sertões... afirmações peremptórias, como patenteavam vigor e perspectiva de grandeza na nova pátria, denunciaram- na à metrópole parasita, e que, votada ao parasitismo, tinha de anular esse vigor, para que pudesse exaurir a grandeza que se anunciava. Foi uma carreira bem contrastante: pronunciava-se a pátria brasileira, definia-se o seu valor, e Portugal degenerava, decaía, degradava-se, até abater-se aos pés do tradicional inimigo, para deixar o dilatado domínio ultramarino, símbolo das suas glórias, nas mãos do primeiro pirata que se atirou a despojá-lo... Só escapou, do que tinha preço, este Brasil, que, para continuar Brasil, resistira ao mesmo poderosíssimo pirata, e lutara, e o batera, já contra o desígnio e as ordens explícitas de Portugal, que aceitara a derrota, transigira com ela, e vendera do Brasil tanto quanto lho quis comprar o holandês. Destino sinistro: a mesma vitória do Brasil prendia-o a Portugal, que já era impudência de degradação. E, agora, a vida da pátria, que por si se libertara, será o debater-se contra um domínio que se convertera em garras a serviço das mais implacáveis ventosas. O Brasil se tornou a única razão de ser uma metrópole que, degradada, se conduzia pela política de dirigentes abjetamente incapazes, com ânimo somente para a função de oprimir e espoliar. E, com isto, Portugal ligou inteiramente a sua vida corrompida à desta pátria, colou-se a ela: fez da existência da oprimida colônia o programa exclusivo da sua política, incluindo finalmente, a mesma política nos nossos destinos. Como contundia para dominar, e feria para fazer sangrar, essa política, colada ao Brasil, contaminava-o em todas as formas de direção social, até que a nova pátria teve de viver sob uma crosta de infecção. Porque fossem totalmente sinistros os nossos destinos, houve a conjuntura em que a totalidade política metropolitana para aqui se transportou, com o Estado português que as naus fujonas de D. João VI nos trouxeram.


Aqui plantada a soberania explícita do Estado português; possuído de uma vez pela política bragantina, para o Brasil não houve remissão possível. Seis de março de dezessete teve de ser um fracasso, para permitir o embuste da Independência, novas forças de domínio que farão fracassar 1823, e anularão inteiramente 7 de abril de 1831, tanto que em 1840, e na ordem que se lhe segue, encontramos a pura essência da política metropolitana – Vilela Barbosa, José Clemente, Calmon, Ribeiro de Rezende, Vieira Carvalho... de quem nem vale a pena indagar onde nasceram, tão idênticos são no essencial bragantismo. Então, foi possível normalizar o regime, por si tão dissociado da nação, tão avesso às suas legítimas aspirações, que a sua realidade nunca se pôde encontrar com a tradição já patente nos fastos da nacionalidade. E o Império houve que ser mentira de opinião, facciosismo no Sul, conservação da ignorância pública, exploração do cativeiro dos negros, perpetuação do mandonismo baço dos dias coloniais...


E como a nação continuava possuída por esse arcaísmo tórpido e mau, os patriotas brasileiros tiveram de ser arcaicos de ideal, pregando, nos fins do século XIX, como extrema revolução, a serôdia democracia de 1830, completando-a com a eliminação do cativeiro legal, instituição já condenada pelos republicanos de dezessete. Significação total: o Brasil – domínio e exploração dos dirigentes de sempre, expressão de um regime em que persistia a submissão anterior, em favor da mesma classe política, sem correspondência com a índole das populações, infensa a todas as suas legítimas reivindicações, sem nenhuma justificativa para governar, a não ser o privilégio de predomínio que nela se mantinha.


Nação sem voz nos próprios destinos, condenada a ser o usufruto da incapacidade desonesta, depois de setenta anos de nominal soberania, este Brasil teve de repetir a malograda tentativa de 1831, pois que persistia aquela condição em que o ânimo patriótico tinha de incluir afirmações nacionalistas nas suas reivindicações democráticas, como brasileiro, republicano, nacionalista, jacobino etc., em 1889-96, assim como brasileiro, constitucional, nacionalista, liberal etc., em 1833-31. Fez-se o 15 de Novembro: novo malogro, mais grave que o de 1831-32, pois que, afastando o artifício do ajustamento monárquico, deixou a nu a ignomínia da classe dirigente, e deu em descrédito dos ideais democráticos. Com vistas às aspirações de justiça da nação brasileira, 1822, 31, 89... são datas vazias, substituição de títulos, momentos de ilusão, e em que, de fato, mais se agravou o mal, visto como, em cada um dos respectivos movimentos, legitimaram-se os dirigentes, sempre os mesmos, para a perpetuação do seu domínio. Desta sorte, resta-nos uma pátria a conquistar ainda, e a liberdade política a assegurar, e criar as próprias possibilidades de progresso social.


continua pág 315...

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"Manoel Bomfim morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira
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Bomfim, Manoel, 1868-1932  
                O Brasil nação: vol. II / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 392 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 31).


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nunca é demais pensar...

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