volume IV
Sodoma e Gomorra
Capítulo Primeiro
Capítulo Primeiro
Primeira Parte
continuando...
São semelhantes organizações profissionais que o espírito o gosto dos solitários, e sem
demasiado artifício de uma parte, já que só faz imitar os próprios solitários que julgam que nada
difere de mais organizado do que aquilo que lhes parece um amor incompreendido; todavia com
algum artifício, pois essas diferentes classes correspondem, tanto como a tipos psicológicos
diversos, a momentos sucessivos de evolução patológica ou apenas social. E, com efeito, é bem
raro quando um dia ou outro, não seja em tais organizações que os solitários acabem por fundir-se, às vezes por simples lassidão, por comodidade (como os mais avessos a tais coisas acabem
por mandar instalar, receber ou por comprar na casa Potin). Ali, eles são em geral muito mal
recebidos pois, em sua vida relativamente pura, a falta de experiência, a saturação pelos
devaneios a que estão reduzidos marcaram mais fortemente aquelas características especiais de
afeminamento que os profissionais buscaram apagar. E é preciso confessar que, em alguns
desses renegados, a mulher não só está internamente unida ao homem, mas hediondamente
visível; agitados como estão em um espasmo de história; por um riso agudo que lhes convulsiona
os joelhos e as mãos, e não ressentem ao comum dos homens mais do que esses macacos de
olhos cólicos e olheiras fundas, de pés compreensíveis, que vestem fraque e gravata preta. De
modo que esses novos recrutas são julgados, por que no entanto são menos castos, de
convivência comprometedora, difícil a sua admissão; entretanto, são aceitos, beneficiando-se
então dessas facilidades, pelas quais o comércio e as grandes empresas têm transformado a vida
das pessoas, tornando-lhes acessíveis mercadorias até muito caras; até mesmo difíceis de
encontrar, e que agora os substituem com a superabundância daquilo que eles sozinhos não
tinham chegado a descobrir nas maiores multidões. Porém, mesmo com esses exultantes
instáveis, a coação social é ainda pesada demais para alguns deles, sobretudo entre aqueles em
que não exerce efeito o freio mental; acham ainda mais estranho do que é o seu tipo de amor.
Não deixemos de lado aqueles que, como o caráter excepcional de sua ação os faz pensar serem
superiores a elas, desprezam as mulheres, do homossexualismo o privilégio dos grandes gênios e
das épocas; e, quando buscam fazer compartilhar o seu gosto, é menos com os que lhes parecem
predispostos a isso, como o morfinômano à morfina, do que com aqueles a quem julgam dignos,
por zelo apostólico, como outros pregam o sionismo, a recusa ao serviço militar, o saintsimonismo, o vegetarianismo e a anarquia. Alguns, se são surpreendidos de manhã, deitados
ainda, exibem uma admirável cabeça de mulher, de tanto que a expressão é geral e simboliza
todo o sexo; até os cabelos o afirmam; soltos, sua inflexão é tão feminina, eles caem tão
naturalmente em caracóis sobre o rosto, que a gente se espanta de que a jovem, a mocinha
Galatéia, que mal desperta no inconsciente desse corpo de homem em que está encerrada, tenha
sabido tão engenhosamente, por si mesma, sem tê-lo aprendido de ninguém, desfrutar das
menores saídas de sua prisão e encontrar o que era necessário à sua vida. Evidentemente, o
moço que possui essa maravilhosa cabeça não diz:
"Sou uma mulher."
E, mesmo se (por tantas razões possíveis) ele vive com uma mulher, pode lhe negar seja uma, jurar-lhe que nunca teve relações com homens. Que ela o contemple como acabamos de o mostrar, deitado no leito, de pijama, braços despidos, despido o pescoço sob os cabelos negros. O pijama tornou-se uma camisola de mulher, a cabeça, a de uma linda espanhola. A amante se assombra dessas confidências feitas aos seus olhares, mais verdadeiras do que o poderiam ser as palavras, e até os atos; e que os próprios atos, se é que já não o fizeram, não poderão deixar de confirmar, pois toda criatura segue em busca do seu prazer; e, se essa criatura não é excessivamente viciosa, procura-o num sexo oposto ao seu. Ora, para o invertido, o vício principia não quando trava relações (pois há demasiados motivos que podem comandá-las), mas quando ele procura o seu prazer nas mulheres. O moço a quem acabamos de descrever era tão manifestamente uma mulher, que as mulheres que o olhavam com desejo eram votadas ao mesmo desapontamento (a menos que se tratasse de um gosto especial) daquelas que, nas comédias de Shakespeare, ficam decepcionadas com uma moça disfarçada que se faz passar por um adolescente. O engano é igual, o próprio invertido o sabe, e adivinha a desilusão que a mulher há de sentir logo que tombe o disfarce, e percebe o quanto esse erro sobre o sexo é uma fonte de poesia fantasiosa. Além disso, mesmo que confesse à sua amante exigente (se ela não é gomorriana):
"Eu sou uma mulher", dentro dele, todavia, com que artimanhas, com que agilidade, com que obstinação de planta trepadora, a mulher inconsciente e visível busca o órgão masculino! Basta olhar essa cabeleira encaracolada sobre o travesseiro branco para compreender que, à noite, se este moço escapa por entre os dedos de seus pais, apesar deles, apesar de si mesmo, será para ir procurar mulheres. Sua amante pode castigá-lo, trancá-lo; na manhã seguinte, o homem-fêmea terá achado um modo de se enamorar com um homem, como a campânula arremessa as gavinhas onde tiver um ancinho ou uma enxada. Por que o motivo, admirando no rosto do homem as delicadezas que nos tocam, uma graça, um ar natural na amabilidade como os homens não possuem, ficaríamos desolados ao saber que esse moço procura boxeadores? Trata-se de aspectos diversos de uma mesma realidade. E mesmo aquilo que nos repugna é o mais tocante, mais até que todas as delicadezas, pois representa um admirável esforço inconsciente da natureza: o reconhecimento do sexo por si mesmo, apesar da escamoteação do sexo, surge como a tentativa inconfessa de evadir-sepis aquilo que um erro inicial da sociedade colocou longe de si. Alguns, tiveram sem dúvida a mais tímida infância, quase não se preocupam com o tipo de material de prazer que recebem, contanto que possam relacioná-lo com um rosto masculino. Ao passo que outros, certamente por terem sentido mais agressivos, dão a seu prazer material localizações imperiosas. Ofenderiam talvez, com suas confissões, o tipo mediano das pessoas. Talvez vivam menos exclusivamente sob o signo de Saturno, pois, para as mulheres não estão totalmente excluídas como para os primeiros; relativamente a estes, aqueles não existiriam sem a conversação, a coqueteria dos amores intelectuais. Mas os segundos procuram aquelas que amam as mulheres, que podem conseguir-lhes algum moço, aumentar o prazer que sentem em se encontrar com eles; e bem mais, eles podem, da mesma forma, ter com elas o mesmo prazer que desfrutariam com um homem. Daí decorre que, no caso dos que amam os primeiros, o ciúme só é aguçado pelo prazer que poderiam ter com um homem e que é o único a lhes parecer uma traição, visto que não participam do amor das mulheres, não praticaram senão por hábito e para reservar-se a possibilidade do casamento imaginando tão parcamente o prazer que este pode proporcionar, que não podem tolerar que aquele a quem amam o desfrute; ao passo que os segundos inspiram com frequência o ciúme devido a seus amores com mulheres. Pois, nas relações que mantêm com elas, representam, para a mulher que ama as mulheres, o papel de uma outra mulher, e a mulher lhes oferece, ao mesmo tempo, mais ou menos aquilo que eles encontram num homem, de modo que o amigo ciumento sofre por sentir aquele a quem unido àquela que para ele é quase um homem, ao mesmo tempo que quase deixam lhe escapar, visto que, para essas mulheres, é algo que ele reconhece, uma espécie de mulher. Tampouco não falemos desses jovens doidivanas que, por uma espécie de infantilidade, para amofinar os atuais; melindrar os pais, se empenham em escolher roupas que parecem vestido; pintar os lábios e sombrear os olhos; deixemo-los de lado, pois são os mesmos que voltaremos a encontrar quando tiverem sofrido cruelmente demais por sua afetação, passando toda uma vida a tentar reparar em vão, com um aspecto severo, protestante, o dano que causaram a si próprios à época em que eram arrastados pelo mesmo demônio que impele algumas moças do faubourg Saint-Germain a viverem de maneira escandalosa, a romper com todos os costumes, a achincalhar sua família, até o dia em que se dedicam, com perseverança e sem sucesso, a subir de novo a vertente que antes lhes parecera tão divertido descer ou melhor, que não tinham podido evitar descer. Deixemos enfim para mais tarde aqueles que fizeram um pacto com Gomorra. Falaremos deles quando o Sr. de Charlus os conhecer. Deixemos todos esses, de uma variedade ou outra, que aparecerão por sua vez, e, para terminar esta primeira exposição, digamos só uma palavra acerca de quem tínhamos começado a falar agora há pouco, os solitários. Julgando o seu vício mais excepcional do que é, foram viver sozinhos no dia em que o descobriram, depois de o ter trazido consigo por muito tempo sem o conhecer, muito mais tempo apenas do que outros. Pois a princípio ninguém sabe que é invertido, ou poeta, ou esnobe, ou malvado. Certo colegial que aprendia versos de amor ou olhava imagens obscenas, se então se apertava contra um camarada, imaginava-se apenas a comungar com ele num mesmo desejo de mulher. Como acreditaria não ser idêntico a todos, quando reconhece a substância daquilo que sente ao ler a Sra. de Lafayette, Racine, Baudelaire, Walter Scott, ao passo que ainda é bastante incapaz de observar a si mesmo para se dar conta daquilo que acrescenta de sua palavra, e de que, se o sentimento é igual, o seu objeto é diferente, pois a quem ele deseja é Rob Roy e não Diana Vernon? Para muitos, por uma prudência defensiva do instinto que precede a visão mais clara da inteligência, o espelho e as paredes de seu quarto desaparecem sob os cromos que representam atrizes; fazem versos desse tipo:
“Só amo a Cloé neste mundo. Ela é divina, ela é loura; E de amor meu coração se inunda.”
Precisaríamos, por isso, situar no começo dessas vidas um gosto que a seguir não encontraríamos neles, como aqueles caracóis louros das crianças que logo após se tornam mais castanhos? Quem sabe se as fotografias de mulheres não são um início de hipocrisia, e também um início de horror aos demais invertidos? Mas os solitários são precisamente, aqueles a quem a hipocrisia é dolorosa. Talvez o exemplo dos judeus, de colônia diferente, ainda não seja suficientemente vigoroso para explicar como a educação tem pouca influência sobre eles, e com que arte acaba por voltar, não talvez a alguma coisa tão simplesmente atroz como o doido (a que os doidos, sejam quais forem as precauções tomadas, sempre são salvos do rio aonde se atiraram, se envenenam, compram um revólver, etc), mas a uma vida de que os homens da outra raça não só compreendem, não imaginam e odeiam os prazeres necessários, mas cujo frequente perigo e a vergonha permanente lhes causariam horror; vez, para descrevê-los, é preciso pensar, senão nos animais que não domesticam, nos leõezinhos, pretensamente domados, mas que continha sendo leões, pelo menos nos negros, a quem exaspera a existência incontrolável dos brancos, e que preferem os riscos da vida selvagem e suas manias incompreensíveis. Quando chegar o dia em que se descobrirem incapazes, a um tempo, de mentir aos outros e de mentir a si próprios, ao pai, para viver no campo, fugindo a seus semelhantes (que julgam ser numerosos) por horror à monstruosidade ou receio da tentação, e da humanidade por vergonha. Jamais alcançando a verdadeira maturidade mergulhados na melancolia, de vez em quando, num domingo sem lua; dar um passeio por um caminho até chegar a uma encruzilhada, onde, que hajam dito uma só palavra, foi esperá-los um de seus amigos de infância que mora num castelo vizinho. E eles recomeçam os jogos de antigamente, sobre a relva, de noite, sem trocar palavra. Durante a semana veem na casa de um ou do outro, conversam sobre qualquer coisa, sem alusão ao que se passou, exatamente como se não houvessem feito; não devessem tornar a fazer coisa alguma, a não ser, em suas relações: pouco de frieza, ironia, irritabilidade e rancor, por vezes ódio. Depois o vizinho parte para uma dura viagem a cavalo em lombo de mula, escalando, deita-se na neve; seu amigo, que identifica o próprio vício com um fraqueza de temperamento, e com a vida caseira e tímida, compreende que o vício não mais poderá viver em seu amigo emancipado a milhares de metros acima do nível do mar. E, de fato, o outro se casa. No entanto, abandonado não se cura (apesar dos casos em que se verá que a inversão sexual é curável). Exige que seja ele próprio a receber de manhã, o creme fresco das mãos do moço leiteiro e, nas tardes em que desejos o agitam demais, perde-se pelas ruas até ensinar o caminho a bêbado, até ajeitar a camisa de um cego. Sem dúvida, a vida de certo invertido parece mudar às vezes, o seu vício (como se diz) já não surgem seus hábitos; porém, nada se perde: uma joia escondida se acha; quando a quantidade de urina de um enfermo diminui, é porque ele transpira mais, porém é necessário que sempre se produza a excreção. Um dia esse homossexual perde um primo jovem e, pela sua mágoa inconsolável, compreendemos que era para esse amor, talvez casto, e de que se empenhava mais em conservar a estima do que em obter a posse, que os desejos haviam passado por transferência, assim como num orçamento, sem que se mude nada no total, certas despesas são transferidas para outro exercício. Como se dá no caso dos doentes, em quem uma crise de urticária faz desaparecer por uns tempos as suas indisposições habituais, o amor puro a um parente jovem parece, no invertido, ter momentaneamente substituído, por metástase, certos hábitos que retomarão, um dia ou outro, o lugar do mal vicariante e curado.
Entretanto, o vizinho casado do solitário regressou; diante da beleza da jovem esposa e da ternura com que seu marido a trata, no dia em que o amigo é forçado a convidá-los para jantar, sente vergonha do passado. Já em estado interessante, ela deve voltar cedo, deixando seu marido; este, quando chega a hora de voltar, pede que o acompanhe a seu amigo, o qual a princípio não alimenta qualquer suspeita, mas que na encruzilhada, sem que troquem uma só palavra, se vê atirado à grama pelo alpinista que em breve será pai. E os encontros recomeçam até o dia em que vem instalar-se, não longe dali, um primo da jovem senhora, com quem agora vai passear sempre o marido. E este, se o abandonado o visita, buscando aproximar-se dele, furibundo, repele-o, indignado de que o outro não tenha tido o tato de pressentir o nojo que ele lhe inspira de agora em diante. Todavia, em certa ocasião apresenta-se um desconhecido enviado pelo vizinho infiel; porém, muito atarefado, o abandonado não pode recebê-lo, e só mais tarde compreende com que objetivo o estranho viera.
Então, isolado, o solitário enlanguesce. Não tem outro prazer senão ir ao balneário vizinho para pedir informações a um determinado funcionário das estradas de ferro. Mas este recebeu uma promoção e foi nomeado para a outra extremidade da França; o solitário não mais poderá ir lhe perguntar o horário dos trens, o preço das passagens de primeira classe, e, antes de voltar para sonhar em sua torre, como Griselda, demora-se na praia, como uma estranha Andrômeda que nenhum Argonauta virá libertar, como uma medusa estéril que há de morrer sobre a areia, ou então permanece preguiçosamente na plataforma, antes da partida do trem, a lançar à multidão de viajantes um olhar que parecerá indiferente, desdenhoso ou distraído aos de uma outra raça, mas que, como o clarão luminoso de que são providos alguns insetos para atrair os da mesma espécie, ou como o néctar que certas flores oferecem para atrair os insetos que hão de fecundá-las não enganaria o amador quase sem encontrar um prazer bastante singular, bem difícil de situar, que lhe é oferecido, o confrade com quem nem especialista poderia falar no idioma insólito; quando muito, algum mapa da pilha da estação pareceria interessar-se por esse idioma, mas apenas para obter uma vantagem material, como aqueles que, no College de France, sala em que o professor de sânscrito fala sem audiência, vão seguir outros, mas unicamente para se aquecerem. Medusa! Orquídea! Quando eu seguia o meu instinto, em Balbec, a medusa me repugnava; mas, se eu soubesse observá-la, como Michelet, do ponto de vista da história natural da estética, veria uma deliciosa girândola azul-celeste. Acaso não são como veludo transparente de suas pétalas, como que as orquídeas cor-de-malva do mar? Como tantas criaturas dos reinos animal e vegetal como a planta que produziria a baunilha, mas que, porque nela o órgão masculino está separado do feminino por uma membrana, permanece estável se os beija-flores ou certas abelhas minúsculas não transportarem o pólen de uns a outros, ou se o homem não as fecundar artificialmente; e aqui a palavra "fecundação" deve ser tomada em seu sentido moral, já que, no sentido físico, a união do macho com o macho é estéril, mas não é indiferente que um indivíduo possa encontrar o único prazer que ele seja suscetível de desfrutar, e que "aqui neste mundo toda criatura" possa dar a alguém, "sua música, sua flama ou seu perfume". O Sr. de Charlus era desses homens que podem ser chamados excepcionais, pois, por mais numerosos que sejam, a satisfação de suas carências sexuais, tão fácil no caso dos outros independe da coincidência de um número excessivo de condições e que são muito difíceis de encontrar. Para os homens como o Sr. de Charlus e com a ressalva dos arranjos que vão aparecendo aos poucos e que já se pode pressentir, exigidos pela necessidade de prazer que se resigna a consentimentos incompletos-, o amor mútuo, afora as dificuldades tão grandes, por vezes insuperáveis, que encontra no comum das criaturas, acrescenta-lhes outras tão especiais, que aquilo que é sempre bem raro para todos torna-se, no caso deles, quase impossível, e, se ocorre um encontro verdadeiramente auspicioso para eles, ou que a natureza assim lhes faz pareceu a sua felicidade, bem mais ainda que a do amoroso normal, possui algo de extraordinário, de selecionado, de profundamente necessário. O ódio dos Capuletos e dos Montecchios não era nada diante dos estorvos de todo gênero que foram vencidos, das eliminações especiais que a natureza teve de fazer aos acasos, já bem raros, que conduzem ao amor, antes que um antigo coleteiro, que contava partir calmamente para seu escritório, vacile deslumbrado, ante um cinquentão que está principiando a engordar. Esse Romeu e essa Julieta podem julgar, com todo o direito, que seu amor não é o capricho de um instante, mas uma verdadeira predestinação preparada pelas harmonias de seu temperamento, não só pelo seu temperamento próprio, mas também pelo de seus ascendentes, pela sua mais longínqua hereditariedade, a tal ponto que a criatura que a eles se ajunta lhes pertence desde antes do nascimento, e os atraiu com uma força comparável à que dirige os mundos em que passamos nossas vidas anteriores.
O Sr. de Charlus distraíra-me de ver se o besouro levava à orquídea o pólen que ela aguardava há tanto tempo, e que ela só tinha oportunidade de receber graças a um acaso tão improvável que se poderia chamá-lo de uma espécie de milagre. Mas era igualmente um milagre aquele a que eu acabava de assistir, quase do mesmo gênero e não menos prodigioso. Desde que considerei o encontro desse ponto de vista, tudo me pareceu impregnado de beleza. As mais extraordinárias artimanhas que a natureza tem inventado para obrigar os insetos a assegurarem a fecundação das flores que, sem eles, não poderiam sê-lo, porque a flor macho está muito afastada da flor fêmea, ou que, se é o vento que deve assegurar o transporte do pólen, torna-o muito mais fácil de se desprender da flor macho, muito mais fácil de ser apanhado de passagem pela flor fêmea, suprimindo a secreção do néctar, que já não é útil, visto não haver insetos para atrair, e até o brilho das corolas que os atraem, e o ardil que, para que a flor seja reservada ao pólen apropriado, que somente nela pode germinar, lhe faz segregar um licor que a imuniza contra os demais pólens não me pareciam mais maravilhosos que a existência da subvariedade dos invertidos, destinada a assegurar os prazeres ao amor invertido que envelhece: os homens que são atraídos não por todos os homens, porém devido a um fenômeno de correspondência e de harmonia comparável aos que regulam a fecundação das flores heterostiladas trimorfas como o Lythrum salicaria unicamente pelos homens muito mais velhos que eles. Desta subvariedade Jupien acabava de me fornecer um exemplo, todavia menos surpreendente que outros que todo herborizador humano, todo botânico moral, poderá observar apesar de sua raridade, e que lhes apresentará um frágil rapaz que espera os avanços de um robusto e barrigudo quinquagenário, ficando tão indiferente aos avanços de outros jovens como ficam estéreis as flores hermafroditas de estilete curto da Primula veris, enquanto só são fecundadas por outras Primula veris também de estilete curto, ao passo que recebem alegremente o pólen das Primula veris de estilete comprido.
"Sou uma mulher."
E, mesmo se (por tantas razões possíveis) ele vive com uma mulher, pode lhe negar seja uma, jurar-lhe que nunca teve relações com homens. Que ela o contemple como acabamos de o mostrar, deitado no leito, de pijama, braços despidos, despido o pescoço sob os cabelos negros. O pijama tornou-se uma camisola de mulher, a cabeça, a de uma linda espanhola. A amante se assombra dessas confidências feitas aos seus olhares, mais verdadeiras do que o poderiam ser as palavras, e até os atos; e que os próprios atos, se é que já não o fizeram, não poderão deixar de confirmar, pois toda criatura segue em busca do seu prazer; e, se essa criatura não é excessivamente viciosa, procura-o num sexo oposto ao seu. Ora, para o invertido, o vício principia não quando trava relações (pois há demasiados motivos que podem comandá-las), mas quando ele procura o seu prazer nas mulheres. O moço a quem acabamos de descrever era tão manifestamente uma mulher, que as mulheres que o olhavam com desejo eram votadas ao mesmo desapontamento (a menos que se tratasse de um gosto especial) daquelas que, nas comédias de Shakespeare, ficam decepcionadas com uma moça disfarçada que se faz passar por um adolescente. O engano é igual, o próprio invertido o sabe, e adivinha a desilusão que a mulher há de sentir logo que tombe o disfarce, e percebe o quanto esse erro sobre o sexo é uma fonte de poesia fantasiosa. Além disso, mesmo que confesse à sua amante exigente (se ela não é gomorriana):
"Eu sou uma mulher", dentro dele, todavia, com que artimanhas, com que agilidade, com que obstinação de planta trepadora, a mulher inconsciente e visível busca o órgão masculino! Basta olhar essa cabeleira encaracolada sobre o travesseiro branco para compreender que, à noite, se este moço escapa por entre os dedos de seus pais, apesar deles, apesar de si mesmo, será para ir procurar mulheres. Sua amante pode castigá-lo, trancá-lo; na manhã seguinte, o homem-fêmea terá achado um modo de se enamorar com um homem, como a campânula arremessa as gavinhas onde tiver um ancinho ou uma enxada. Por que o motivo, admirando no rosto do homem as delicadezas que nos tocam, uma graça, um ar natural na amabilidade como os homens não possuem, ficaríamos desolados ao saber que esse moço procura boxeadores? Trata-se de aspectos diversos de uma mesma realidade. E mesmo aquilo que nos repugna é o mais tocante, mais até que todas as delicadezas, pois representa um admirável esforço inconsciente da natureza: o reconhecimento do sexo por si mesmo, apesar da escamoteação do sexo, surge como a tentativa inconfessa de evadir-sepis aquilo que um erro inicial da sociedade colocou longe de si. Alguns, tiveram sem dúvida a mais tímida infância, quase não se preocupam com o tipo de material de prazer que recebem, contanto que possam relacioná-lo com um rosto masculino. Ao passo que outros, certamente por terem sentido mais agressivos, dão a seu prazer material localizações imperiosas. Ofenderiam talvez, com suas confissões, o tipo mediano das pessoas. Talvez vivam menos exclusivamente sob o signo de Saturno, pois, para as mulheres não estão totalmente excluídas como para os primeiros; relativamente a estes, aqueles não existiriam sem a conversação, a coqueteria dos amores intelectuais. Mas os segundos procuram aquelas que amam as mulheres, que podem conseguir-lhes algum moço, aumentar o prazer que sentem em se encontrar com eles; e bem mais, eles podem, da mesma forma, ter com elas o mesmo prazer que desfrutariam com um homem. Daí decorre que, no caso dos que amam os primeiros, o ciúme só é aguçado pelo prazer que poderiam ter com um homem e que é o único a lhes parecer uma traição, visto que não participam do amor das mulheres, não praticaram senão por hábito e para reservar-se a possibilidade do casamento imaginando tão parcamente o prazer que este pode proporcionar, que não podem tolerar que aquele a quem amam o desfrute; ao passo que os segundos inspiram com frequência o ciúme devido a seus amores com mulheres. Pois, nas relações que mantêm com elas, representam, para a mulher que ama as mulheres, o papel de uma outra mulher, e a mulher lhes oferece, ao mesmo tempo, mais ou menos aquilo que eles encontram num homem, de modo que o amigo ciumento sofre por sentir aquele a quem unido àquela que para ele é quase um homem, ao mesmo tempo que quase deixam lhe escapar, visto que, para essas mulheres, é algo que ele reconhece, uma espécie de mulher. Tampouco não falemos desses jovens doidivanas que, por uma espécie de infantilidade, para amofinar os atuais; melindrar os pais, se empenham em escolher roupas que parecem vestido; pintar os lábios e sombrear os olhos; deixemo-los de lado, pois são os mesmos que voltaremos a encontrar quando tiverem sofrido cruelmente demais por sua afetação, passando toda uma vida a tentar reparar em vão, com um aspecto severo, protestante, o dano que causaram a si próprios à época em que eram arrastados pelo mesmo demônio que impele algumas moças do faubourg Saint-Germain a viverem de maneira escandalosa, a romper com todos os costumes, a achincalhar sua família, até o dia em que se dedicam, com perseverança e sem sucesso, a subir de novo a vertente que antes lhes parecera tão divertido descer ou melhor, que não tinham podido evitar descer. Deixemos enfim para mais tarde aqueles que fizeram um pacto com Gomorra. Falaremos deles quando o Sr. de Charlus os conhecer. Deixemos todos esses, de uma variedade ou outra, que aparecerão por sua vez, e, para terminar esta primeira exposição, digamos só uma palavra acerca de quem tínhamos começado a falar agora há pouco, os solitários. Julgando o seu vício mais excepcional do que é, foram viver sozinhos no dia em que o descobriram, depois de o ter trazido consigo por muito tempo sem o conhecer, muito mais tempo apenas do que outros. Pois a princípio ninguém sabe que é invertido, ou poeta, ou esnobe, ou malvado. Certo colegial que aprendia versos de amor ou olhava imagens obscenas, se então se apertava contra um camarada, imaginava-se apenas a comungar com ele num mesmo desejo de mulher. Como acreditaria não ser idêntico a todos, quando reconhece a substância daquilo que sente ao ler a Sra. de Lafayette, Racine, Baudelaire, Walter Scott, ao passo que ainda é bastante incapaz de observar a si mesmo para se dar conta daquilo que acrescenta de sua palavra, e de que, se o sentimento é igual, o seu objeto é diferente, pois a quem ele deseja é Rob Roy e não Diana Vernon? Para muitos, por uma prudência defensiva do instinto que precede a visão mais clara da inteligência, o espelho e as paredes de seu quarto desaparecem sob os cromos que representam atrizes; fazem versos desse tipo:
“Só amo a Cloé neste mundo. Ela é divina, ela é loura; E de amor meu coração se inunda.”
Precisaríamos, por isso, situar no começo dessas vidas um gosto que a seguir não encontraríamos neles, como aqueles caracóis louros das crianças que logo após se tornam mais castanhos? Quem sabe se as fotografias de mulheres não são um início de hipocrisia, e também um início de horror aos demais invertidos? Mas os solitários são precisamente, aqueles a quem a hipocrisia é dolorosa. Talvez o exemplo dos judeus, de colônia diferente, ainda não seja suficientemente vigoroso para explicar como a educação tem pouca influência sobre eles, e com que arte acaba por voltar, não talvez a alguma coisa tão simplesmente atroz como o doido (a que os doidos, sejam quais forem as precauções tomadas, sempre são salvos do rio aonde se atiraram, se envenenam, compram um revólver, etc), mas a uma vida de que os homens da outra raça não só compreendem, não imaginam e odeiam os prazeres necessários, mas cujo frequente perigo e a vergonha permanente lhes causariam horror; vez, para descrevê-los, é preciso pensar, senão nos animais que não domesticam, nos leõezinhos, pretensamente domados, mas que continha sendo leões, pelo menos nos negros, a quem exaspera a existência incontrolável dos brancos, e que preferem os riscos da vida selvagem e suas manias incompreensíveis. Quando chegar o dia em que se descobrirem incapazes, a um tempo, de mentir aos outros e de mentir a si próprios, ao pai, para viver no campo, fugindo a seus semelhantes (que julgam ser numerosos) por horror à monstruosidade ou receio da tentação, e da humanidade por vergonha. Jamais alcançando a verdadeira maturidade mergulhados na melancolia, de vez em quando, num domingo sem lua; dar um passeio por um caminho até chegar a uma encruzilhada, onde, que hajam dito uma só palavra, foi esperá-los um de seus amigos de infância que mora num castelo vizinho. E eles recomeçam os jogos de antigamente, sobre a relva, de noite, sem trocar palavra. Durante a semana veem na casa de um ou do outro, conversam sobre qualquer coisa, sem alusão ao que se passou, exatamente como se não houvessem feito; não devessem tornar a fazer coisa alguma, a não ser, em suas relações: pouco de frieza, ironia, irritabilidade e rancor, por vezes ódio. Depois o vizinho parte para uma dura viagem a cavalo em lombo de mula, escalando, deita-se na neve; seu amigo, que identifica o próprio vício com um fraqueza de temperamento, e com a vida caseira e tímida, compreende que o vício não mais poderá viver em seu amigo emancipado a milhares de metros acima do nível do mar. E, de fato, o outro se casa. No entanto, abandonado não se cura (apesar dos casos em que se verá que a inversão sexual é curável). Exige que seja ele próprio a receber de manhã, o creme fresco das mãos do moço leiteiro e, nas tardes em que desejos o agitam demais, perde-se pelas ruas até ensinar o caminho a bêbado, até ajeitar a camisa de um cego. Sem dúvida, a vida de certo invertido parece mudar às vezes, o seu vício (como se diz) já não surgem seus hábitos; porém, nada se perde: uma joia escondida se acha; quando a quantidade de urina de um enfermo diminui, é porque ele transpira mais, porém é necessário que sempre se produza a excreção. Um dia esse homossexual perde um primo jovem e, pela sua mágoa inconsolável, compreendemos que era para esse amor, talvez casto, e de que se empenhava mais em conservar a estima do que em obter a posse, que os desejos haviam passado por transferência, assim como num orçamento, sem que se mude nada no total, certas despesas são transferidas para outro exercício. Como se dá no caso dos doentes, em quem uma crise de urticária faz desaparecer por uns tempos as suas indisposições habituais, o amor puro a um parente jovem parece, no invertido, ter momentaneamente substituído, por metástase, certos hábitos que retomarão, um dia ou outro, o lugar do mal vicariante e curado.
Entretanto, o vizinho casado do solitário regressou; diante da beleza da jovem esposa e da ternura com que seu marido a trata, no dia em que o amigo é forçado a convidá-los para jantar, sente vergonha do passado. Já em estado interessante, ela deve voltar cedo, deixando seu marido; este, quando chega a hora de voltar, pede que o acompanhe a seu amigo, o qual a princípio não alimenta qualquer suspeita, mas que na encruzilhada, sem que troquem uma só palavra, se vê atirado à grama pelo alpinista que em breve será pai. E os encontros recomeçam até o dia em que vem instalar-se, não longe dali, um primo da jovem senhora, com quem agora vai passear sempre o marido. E este, se o abandonado o visita, buscando aproximar-se dele, furibundo, repele-o, indignado de que o outro não tenha tido o tato de pressentir o nojo que ele lhe inspira de agora em diante. Todavia, em certa ocasião apresenta-se um desconhecido enviado pelo vizinho infiel; porém, muito atarefado, o abandonado não pode recebê-lo, e só mais tarde compreende com que objetivo o estranho viera.
Então, isolado, o solitário enlanguesce. Não tem outro prazer senão ir ao balneário vizinho para pedir informações a um determinado funcionário das estradas de ferro. Mas este recebeu uma promoção e foi nomeado para a outra extremidade da França; o solitário não mais poderá ir lhe perguntar o horário dos trens, o preço das passagens de primeira classe, e, antes de voltar para sonhar em sua torre, como Griselda, demora-se na praia, como uma estranha Andrômeda que nenhum Argonauta virá libertar, como uma medusa estéril que há de morrer sobre a areia, ou então permanece preguiçosamente na plataforma, antes da partida do trem, a lançar à multidão de viajantes um olhar que parecerá indiferente, desdenhoso ou distraído aos de uma outra raça, mas que, como o clarão luminoso de que são providos alguns insetos para atrair os da mesma espécie, ou como o néctar que certas flores oferecem para atrair os insetos que hão de fecundá-las não enganaria o amador quase sem encontrar um prazer bastante singular, bem difícil de situar, que lhe é oferecido, o confrade com quem nem especialista poderia falar no idioma insólito; quando muito, algum mapa da pilha da estação pareceria interessar-se por esse idioma, mas apenas para obter uma vantagem material, como aqueles que, no College de France, sala em que o professor de sânscrito fala sem audiência, vão seguir outros, mas unicamente para se aquecerem. Medusa! Orquídea! Quando eu seguia o meu instinto, em Balbec, a medusa me repugnava; mas, se eu soubesse observá-la, como Michelet, do ponto de vista da história natural da estética, veria uma deliciosa girândola azul-celeste. Acaso não são como veludo transparente de suas pétalas, como que as orquídeas cor-de-malva do mar? Como tantas criaturas dos reinos animal e vegetal como a planta que produziria a baunilha, mas que, porque nela o órgão masculino está separado do feminino por uma membrana, permanece estável se os beija-flores ou certas abelhas minúsculas não transportarem o pólen de uns a outros, ou se o homem não as fecundar artificialmente; e aqui a palavra "fecundação" deve ser tomada em seu sentido moral, já que, no sentido físico, a união do macho com o macho é estéril, mas não é indiferente que um indivíduo possa encontrar o único prazer que ele seja suscetível de desfrutar, e que "aqui neste mundo toda criatura" possa dar a alguém, "sua música, sua flama ou seu perfume". O Sr. de Charlus era desses homens que podem ser chamados excepcionais, pois, por mais numerosos que sejam, a satisfação de suas carências sexuais, tão fácil no caso dos outros independe da coincidência de um número excessivo de condições e que são muito difíceis de encontrar. Para os homens como o Sr. de Charlus e com a ressalva dos arranjos que vão aparecendo aos poucos e que já se pode pressentir, exigidos pela necessidade de prazer que se resigna a consentimentos incompletos-, o amor mútuo, afora as dificuldades tão grandes, por vezes insuperáveis, que encontra no comum das criaturas, acrescenta-lhes outras tão especiais, que aquilo que é sempre bem raro para todos torna-se, no caso deles, quase impossível, e, se ocorre um encontro verdadeiramente auspicioso para eles, ou que a natureza assim lhes faz pareceu a sua felicidade, bem mais ainda que a do amoroso normal, possui algo de extraordinário, de selecionado, de profundamente necessário. O ódio dos Capuletos e dos Montecchios não era nada diante dos estorvos de todo gênero que foram vencidos, das eliminações especiais que a natureza teve de fazer aos acasos, já bem raros, que conduzem ao amor, antes que um antigo coleteiro, que contava partir calmamente para seu escritório, vacile deslumbrado, ante um cinquentão que está principiando a engordar. Esse Romeu e essa Julieta podem julgar, com todo o direito, que seu amor não é o capricho de um instante, mas uma verdadeira predestinação preparada pelas harmonias de seu temperamento, não só pelo seu temperamento próprio, mas também pelo de seus ascendentes, pela sua mais longínqua hereditariedade, a tal ponto que a criatura que a eles se ajunta lhes pertence desde antes do nascimento, e os atraiu com uma força comparável à que dirige os mundos em que passamos nossas vidas anteriores.
O Sr. de Charlus distraíra-me de ver se o besouro levava à orquídea o pólen que ela aguardava há tanto tempo, e que ela só tinha oportunidade de receber graças a um acaso tão improvável que se poderia chamá-lo de uma espécie de milagre. Mas era igualmente um milagre aquele a que eu acabava de assistir, quase do mesmo gênero e não menos prodigioso. Desde que considerei o encontro desse ponto de vista, tudo me pareceu impregnado de beleza. As mais extraordinárias artimanhas que a natureza tem inventado para obrigar os insetos a assegurarem a fecundação das flores que, sem eles, não poderiam sê-lo, porque a flor macho está muito afastada da flor fêmea, ou que, se é o vento que deve assegurar o transporte do pólen, torna-o muito mais fácil de se desprender da flor macho, muito mais fácil de ser apanhado de passagem pela flor fêmea, suprimindo a secreção do néctar, que já não é útil, visto não haver insetos para atrair, e até o brilho das corolas que os atraem, e o ardil que, para que a flor seja reservada ao pólen apropriado, que somente nela pode germinar, lhe faz segregar um licor que a imuniza contra os demais pólens não me pareciam mais maravilhosos que a existência da subvariedade dos invertidos, destinada a assegurar os prazeres ao amor invertido que envelhece: os homens que são atraídos não por todos os homens, porém devido a um fenômeno de correspondência e de harmonia comparável aos que regulam a fecundação das flores heterostiladas trimorfas como o Lythrum salicaria unicamente pelos homens muito mais velhos que eles. Desta subvariedade Jupien acabava de me fornecer um exemplo, todavia menos surpreendente que outros que todo herborizador humano, todo botânico moral, poderá observar apesar de sua raridade, e que lhes apresentará um frágil rapaz que espera os avanços de um robusto e barrigudo quinquagenário, ficando tão indiferente aos avanços de outros jovens como ficam estéreis as flores hermafroditas de estilete curto da Primula veris, enquanto só são fecundadas por outras Primula veris também de estilete curto, ao passo que recebem alegremente o pólen das Primula veris de estilete comprido.
continua na página 14...
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Leia também:
Volume 1
Volume 2
Volume 3
Volume 4
Sodoma e Gomorra (Cap I - São semelhantes organizações profissionais)
Sodoma e Gomorra (Cap I - Aliás, no que se referia ao Sr. de Charlus)
Volume 5
A Prisioneira (Prefácio)Volume 6
Volume 7
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