sábado, 30 de março de 2024

Memórias - 12: a lua... minha cúmplice

No se puede hacer la revolucion sin las mujeres

Livro Dois

baitasar

Memórias

12 – a lua... minha cúmplice

¿Por qué tanta prisa?

o sossego se perdia quando o horário do almoço se apresentava com todas fomes para devorarem

assim, dona Manuela se sentia percorrida velozmente de uma só vez, todos dias engolida avidamente, por todas e todos, sem dó nem piedade, querendo e exigindo, um jogo contínuo de se impor ao outro com a própria vontade ou com naturalidade pelo comportamento dos costumes

uma mulher com mil atribuições genéricas, as específicas entram na mesma conta: mãe e amante desejada, bonita e gostosa... e cheirosa

ali, naquele casarão, que dominava a vacaria e o rebanho esparramado pelo campo, onde o sol beijava suavemente as ondas do seu universo ao nascer com o canto do Alvorado, e ao se pôr, viveu ou vive a dona Manuela – não sei mais o que se passa com aquela gentarada –, uma mulher de espírito resiliente e coração generoso com a família

suas manhãs iniciavam com o despertar rústico entoado pelo Alvorado, ainda com as carícias leves do luar se dissipando, todos erguiam ruidosamente para o balé diário das grandes e pequenas atribuições

a quietude de dona Manuela recebia toda aquela invasão, uma epifania na família

não era sempre, mas, às vezes, ela aparecia enquanto eu preparava café, o aroma forte e reconfortante se espalhava por cada canto, café era o amuleto para despertá-la depois do Alvarado

a cada dia, meticulosamente, colocava à mesa um pequeno banquete de ovos, pães, frutas e um bule de café que prometia vigor, uma das serventias que aprendi com dona Manuela, A partir de ahora serás el cuidadora de esta gente, desde lo Alvorado hasta mi baño, Sim, senhora. Espero não decepcionar, Se trata de memorizar los movimientos y repetir... repetir... repetir...

as crianças emergiam de seus quartos, ainda enredada nos últimos fios de Morfeu, sonhadoras e mormacentas

entre uma mastigação e outra, revisavam entre si suas lições, ajeitavam uma camisa desalinhada, corriam de um canto a outro procurando seus esquecimentos

don Juan, às voltas com as notícias da manhã, compartilhava com os filhos seus planos do dia, tudo entre goles de café e comentários sobre o clima e os animais

assim que a porta se fechava atrás das últimas crianças, geralmente, eram Aryani e Chiado, a quietude retornava

era hora de metamorfear-me novamente, seguindo as ordens da dona Manuela, Hay que ordenar la cocina, recoger la ropa del suelo y lavarla, barrer el suelo una vez al día, tais ordens, por mais repetitivas que fossem, eram orquestradas com uma precisão que só ela possuía, acredito que por anos de prática transformando o ordinário em uma coreografia nua e peculiar pelo casarão

depois de um tempo se quer respirar outros ares, tinha paixão por novas histórias, trocar sorrisos com pessoas, conversar bobagens, reconhecer e ser reconhecida, despertar alegria e tristeza, abraçar e ser abraçada, tocar e ser tocada, desvelar medos e ser amparada

à tarde, não me permitia descansar, o dever chamava novamente, as obrigações de limpeza da cozinha, curar as feridas dos restos de comida nos pratos, limpar talheres e copos, preparar panelas e jarros para a próxima refeição enquanto as conquistas e inquietações familiares carregavam à volta ao fim do dia

depois devia iniciar o preparo do jantar

após o jantar, dona Manuela e don Juan sentavam no terraço, olhos perdidos no horizonte, onde o sol tocava a vacaria num raro silêncio

a lua... minha cúmplice, sorria do alto, enviava um sorriso de cumplicidade, ela entendia de fases e transformações, luz e sombra, assim me recarregava para dançar este balé ao amanhecer com as minhas mil atribuições, dia após dia, na tapeçaria de uma vida familiar que não era a minha

Como foi seu dia, querida?

Mismo... sin noticias...

Mamá, estou pronta! Vou dormir...

a lua me sorria, Vá viver sua vida, rapariga bonita.

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Memórias - 10: família e vacas
Memórias - 12: a lua... minha cúmplice

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