No se puede hacer la revolucion sin las mujeres
Livro Dois
baitasar
Memórias
Juanito foi o único dos filhos e filhas que ficou para tocar
o negócio de espremer e puxar tetas do velho Caraca quando uma das mãos do pai
endureceu torta, adoecimento conhecido como desgraça de um lado só
o homem deitou alinhado, acordou velho e desarrumado, um dos
lados deformado, justamente o lado que mais usava
por algum motivo acharam que deveriam benzer, mesmo
desconfiando de tudo, algum mau jeito ou golpe de ar, até quem sabe, praga de
um dos filhos, chamaram dona Lothária para benzimento
chegou com um galho de arruda atrás da orelha, toda vestida
de simplicidade, voz arrastada e áspera, perguntou de alguma queda, Só se foi
da cama, respondeu Juanito, Não é bastante pra tanto estrago... alguma batida
ou golpe de ar, Não, dona Lothária, ele deitou reto e acordou torto da boca, da
mão e do pé.
deu para ver que estava desconsertada e sem entender do
porquê daquele entortamento súbito, a ansiedade só fazia aumentar, Vô
benzê... mais cura não prometo, vai sê benzedura pra num piorá o aleijume que
já tá bem ruim.
aquela benzedura foi só pra ninguém dizer que nada foi feito
ou tentado, tudo que era gente sabia, mesmo sem entender tudo, que o velho
tinha dado meia volta na vida
Juanito saiu, foi desabafar com suas vacas, desconfiava que
tudo estava mudando com jeito de não voltar atrás
embora não abandonasse da ideia das benzeduras, o médico da
vila não lhe deu nenhum alento que algo feito pudesse desentortar o que já
estava torto, percebeu que a vida apontava novos caminhos que devia trilhar, escutava
vozes das suas vacas na cabeça, elas estavam à sua volta, fechou os olhos para
ver com o coração
o tempo foi acomodando a vida, dia após dia, o velho Caraca
parecia forte e quase cheio de vida, mas bastava desviar atenção para direita e ele
se mostrava como alguém que se perdia para algum propósito casual, olhar
enviesado pelo canto mais apropriado, a mão sem força para espremer e puxar,
conformada com a moldura de garra, a perna dura com pé apontando à esquerda
o crepúsculo passou espreitar a vida como um bêbado
desalinhado, a pálpebra do olho erguida pela metade, boca e olhar perdidos da
forma de prontidão, língua confusa e pastosa, sem a conversa consistente com
suas vacas, foi assim que os gritos do velho cessaram
daquela voz poderosa ficara apenas o rosnar indefeso dos
gatinhos, como um sussurro sem malícia em meio ao caos, perdera aparência ameaçadora, na verdade, ficara inofensivo,
e até mesmo frágil
o braço se contraiu para dentro de si mesmo, a mão e as
pinças ficaram em desenho de concha, não apertavam mais os úberes nem levavam à
boca o fumo de palha, para esse serviço deixou no seu lado uma índia velha e
cansada para reclamar, montava o seu palheiro e oferecia acesso na mão boa
passou a viver uma vida desencantada em algum canto do
casarão com sua teimosia e vício de defumar seu fumo de corda
a velha índia afastada dos seus quefazeres montava guarda ao
lado do velho, usava as mãos para acender no velho a chama do fumo de corda
enrolado e mijado, trocava palha de milho e fraldas, os panos que o velho
Caraca passou usar no meio das pernas
o palheiro se recusava abandonar, repetia que sempre que
soprava fumaça estranhos poderes surgiam, plantas cresciam mais rápido, curava
ferimentos e até mesmo afugentava criaturas perigosas do mato
com o passar das histórias de boca em boca, os poderes do
velho Caraca se espalharam pelo tambo, algumas vacas passaram a temê-lo, outras
se maravilhavam com suas novas habilidades para proteger o mato, ajudar as
vacas que precisavam ajuda
foi tornando-se uma lenda entre o gado
apesar dos avisos dos médicos para parar de fumar, continuou
fumando seu palheiro e se afumentando nas mãos da velha índia, repetia que seus
poderes com as vacas estavam diretamente ligados ao seu fumo de corda, Esses
doutores não sabem de nada, tudo enganação.
sua teimosia combinada com o fumo, fez dele um personagem
para ser esquecido através das gerações, o fumante teimoso com poderes mágicos
de conversar com vacas, um mito entortado
a perna continuava durona de não se dobrar, caminhar passou a
ser um gesto desumano de equilíbrio e acidentes
o velho havia perdido harmonia das coisas simples, perdeu o
fio prumo e o poder do chicote que lançava no ar, lambia o chão ao lado dos
filhos sempre que algum guri enfraquecia ou parava de apertar e puxar tetas,
Por que o descansado parou? A teta não derrama sozinha!
pararam os gritos e estalos no chão, restaram as fraldas,
babeiros e a índia velha
um a um, os filhos e filhas que restavam no tambo foram
embora, doze resistiram de um total de vinte e um até a idade de fugirem para o
mundo, bem antes, cada um dos filhos do velho Caraca aprendeu começar e
terminar suas tarefas nos estábulos da vacaria
todo dia, o chicote convencia qualquer vontade em contrário e
deixava suas marcas no chão
o filho que lhe sobrou jurou, Papá... filho meu jamais
vai conhecer golpe de trança de couro!
Assim, seja, amém...
depois, o velho ficava quieto
não sabia mais o que lhe responder, nada parecia lhe
interessar além do palheiro na boca e trocar as fraldas
Papá, desconfio que a vida é só família e vacas...
E a Pátria, Juanito! E a Pátria..., levou a mão desgarrada até o canto da boca, sentia a baba melosa escorrendo
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Livro Um:
Memórias - 01: a lua cheia
Memórias - 35: não lembro das despedidas
Livro Dois:
Memórias - 01: Don Juan Pietro Gonçalves Lara
Memórias - 02: fatos e mentiras
Memórias - 03: siempre ha sido así
Memórias - 04: ¡Hijo-de-puta!
Memórias - 05: El hombre es así
Memórias - 06: rusgas e rezingas, rastros do aprendizado
Memórias - 07: minha querida amiga
Memórias - 08: a liberdade de não sentir medo
Memórias - 09: a lenda da fonte mágica
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