sábado, 9 de dezembro de 2023

Memórias - 35: não lembro das despedidas

No se puede hacer la revolucion sin las mujeres

Livro Um

baitasar

Memórias

35 – não lembro das despedidas

queria tantas coisas, mas não lembro das despedidas desse doce e amargo começo da minha vida, um tempo de risos e brincadeiras, saudades, tardes infinitas, corre-corre e animadas cores esvaindo como areias finas das memórias consoantes entre espigas e seus topetes dourados, a imaginação voava, não tive balanços e escorregadores, mas um pedaço de mim ficou chorando dos sonhos inventores

segredos guardados em páginas descoloridas agora estão presos no meu mundo crescido, mas trouxe comigo a força desses risos no coração, alegria à toa, a pureza daqueles dias, mesmo que essa despedida continue doendo

hoje, eu sei que foi um aceno para uma promessa de tempos mais serenos

sigo namorando o doce sussurro que embalou minha vida desde o começo, amando a criança que fui, esse é meu ofício, saudade que me acode das garras coevas

não lembro da despedidas, mas recordo da confiança nos olhos de Juanito e a vontade de mostrar minhas pequeñas agarraderas, fazer daquele momento uma espera para siempre

corri como jamais havia viajado, saltando de las gallinas, fugindo de los perros, esmagando las cucarachas, chutando los ratones, desviando dos que habían envejecido

passeava pelo tiempo e minhas agarraderas iam à frente

saltitando

tímidas

avisando que já chegávamos, io y mis agarraderas

entramos no milharal

atravessamos

lá estava Juanito, em pé, esperando, as unhas cumpridas e sujas, engraçado como de repente crescemos, ¿es el amor lo que no hemos olvidado?

paramos na sua frente

Hoje me vou embora...

Eu sei.

nada mais, ficamos ali, em pé, olhando o milharal, escutando seus gemidos

mutilados

el anhelo dolorido

não ergui a blusa como planejara fazer, não disse adeus, não pedi para esperar meu regresso en la Montaña, atrás de uma cortina, nas sombras, ficou a cobiça de uma vida de desejos escondidos

esperei ingenuamente que desabrochassem silenciosos à luz de uma vela fina, pulsei o coração cheio de esperança e dor na busca incansável por esse primeiro amor, sussurros noturnos que jamais escutei, em cada noite perdida solitária nas estrelas, desejo latente como um rio a correr buscando outros rios

caminhei por trilhas desconhecidas e sem direção, sem ousar me entregar

jamais quebrei as correntes da mente consciente, apenas deixei a vida fluir sem medo de errar, esperando – quem sabe, desses fios tramados – pelo terno e doce sopro dessa vida de desejos

minha amiga, você quer saber se tenho algum arrependimento, posso responder que apenas um, não ter erguido minha blusa e mostrado minhas pequeñas agarraderas para o Juanito

foi a primeira vez que permiti que a vida se tornasse apenas um quadro para apreciar de fora

ao longe, no tempo

desisti... deixei-me quieta

minhas mãos estavam ali, caídas, primeiro... molengas, em silêncio, depois ficaram endurecidas, como as lavas derramadas de um vulcão adormecido, não conseguiram se erguer para mostrar minhas pequeñas agarraderas

podia sentir o calor avermelhados da indecência sob aquela fina crosta feita de aparência e ilusão

não as deixei desamarradas, descobri que não eram livres 

é insuportável atravessar a cobertura cinza do medo, Juanito jamais viu minhas pequeñas agarraderas – será que pensa em minhas pequeñas agarraderas? –, continuaram escondidas sob as escamas endurecidas de aparentar o que não sentia, tornei muito boa nisso, rios escorrendo onde a luz não atravessa nem esborrifa no ar

permaneci congelada na beirada do meu abismo, preocupada com o julgamento dos olhos do Juanito, E se minhas pequeñas agarraderas não fossem perfeitas?

então... me fui

um jardim esperando pelo sol da primavera para florir, o inverno não abandonava minhas terras, queria acolher o canto dos pássaros

você consegue imaginar esa vieja cuidando dos filhos de outros senhorios?

pois... me fui

deixei la Montaña encantada para trás e Juanito, em pé, parado, as unhas cumpridas e sujas, deveria ter mostrado minhas pequeñas agarraderas 

el corazón pequeño y frío

não lembro das despedidas

sentia apenas falta do ar, pernas cansadas, como se estivessem me carregando para uma jaula, uma tristeza áspera me acompanhava naqueles dias

hoje, percebo que jamais me rendi nem aos ventos nem as flores, aprendi a viver em amarguras, um dia após outro, o coração obstinado manteve-se fiel em cada tormento, erguendo-me à luta dos ventos fortes que tentam me derrubar nem derretendo-se nas flores que exalam seu perfume a cada manhã 

encontro beleza e doçura enquanto a demora me observa, não me rendo, sigo enfrentando o que vier, sem me render aos ventos ou às flores que posso colher
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