domingo, 10 de julho de 2022

histórias davóinha: becos sem saída (II) 10bs - sem emprego, sem utilidade

becos sem saída


(II) o descolocado
10bs – sem emprego, sem utilidade

baitasar


Deve sê uma atrapalhação, O que deve ser uma atraplhação, Ficá desempregado, a mulher parou a lavação de roupa no tanque, fechou a torneira, a água fria seguiu pingando, um conta-gotas gelado e resfriado, estava cansada de pedir pro virgílio consertar a torneira, Isso é pouca coisa, Se é pouca coisa arranja disposição e arruma, sempre tinha alguma coisa mais importante pra fazer, descansar sem serventia, por exemplo

também não dava jeito na boia da caixa pra descida da água no vaso do banheiro, a cordinha já estava fininha, no ponto de cortar sozinha, na verdade, maria memória e silva, mais conhecida na descida ou subida da villa como maria memória, ou só maria, ou só memória, ou ainda, a memória da villa, tinha um rosário de reclamação e pedidos de correção ou reativação das coisas de comodidade e serventia pra melhor uso no barracão

ela acha melhor dizer que eles ficam num barracão, que já é melhor que ficar num barraco, foi um rumo pra melhor, a família cresceu e precisou de maior tamanho e comodidade, num barraco não dá pra querer ter, por exemplo, o tanque de roupas e o tanque dos pratos separados, é tudo na mesma lata, separado mesmo, só o lata do mijo e do cocô – não é estranheza encontrar barraco sem água e sem luz até fazer um gato

no barracão a vida tem mais comodidade, o gato já vem pronto, o tanque das roupas e o quarto dos despejos ficam na rua, com caixa d'água e cordinha, longe do tanque dos pratos e panelas que fica dentro do lugar pra dormir e ficar acordada e comer, é tudo um só

mas, pouco em pouco, virgílio e maria memória vão melhorando, graças a mulher que não deixa o virgílio gastar os arrecadamentos das suas andanças de biscateiro ou puxando carrinho, juntando papelão, garrafa vazia ou ferro-velho

o lugar do virgílio parar no final do dia é no boteco na entrada do beco

memória sabe  

teve vez que a memória entrou ano boteco e arrancou o virgílio pela mão ou pelos cabelos, agarrava o que estava mais perto e no feitio da mão, arrancava ele de perto do demônio da cachaça, É... não é bom ficar desempregado, mas pior é ficar desempregado e cachaceiro.

Principalmente, para o homem, Como assim, senhor biscateiro?

não sabia dizer pra maria que um bom homem que não encontra emprego adoece, fica com o jeito de olhar desmanchado na cachaça, perde o sorriso e as palavras macias, Um homem sem utilidade é um homem triste e mole.

não se deu conta do terreno minado em que estava pisando, repetir as conversas do boteco no barracão não era um bom plano, na verdade, ir no boteco não era um bom plano, muito menos repetir a falação e ladainha da cachaça, A mulher sempre tem o serviço do lar, É mesmo?

Ocupação pra aliviá a cabeça é que não falta.

Aham... tá com necessidade de aliviar a cabeça? Tá com falta do que fazer? É só não ir no boteco e ajudar com o tanque dos pratos ou o tanque das roupas, vossa senhoria escolhe, ou pode aliviar a cabeça com a vassoura na mão, ou quem sabe, fazer os consertos que precisam dos seus serviços?

Memória, tu entendeu tudo errado.

O que eu entendi errado?

Eu não tô falando de mim mesmo.

Ah... e tá falando de quem?


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