Manoel Bomfim
O Brasil Nação volume 2
SEGUNDA PARTE
TRADIÇÕES
À glória de
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução
POR FIM...
(4)
Sofre o peso mortífero dos conservadores, compreende-se a fatalidade que a isto condena as sociedades nacionais; mas não se justifica o fato em face do progresso. Pelo horror ao esforço, ou tendência ao repouso, insiste o homem em apegar-se ao passado, que lhe poupa a fadiga de novas adaptações, e exagera, ainda, o seu valor porque aí se incluem, finalmente, todos os privilégios de classe. E assim se explica o enorme prestígio do passado. Nem por isso se deixou a humanidade fossilizar, incrustando os destinos nas estratificações mortas das eras, como querem os irremovíveis conservadores. Se há patente superioridade nos povos que compõem as civilizações atuais, toda ela está em lutarem vantajosamente contra o peso do que já foi, destruindo-o, mesmo, quando ele já é entrave, afastando-o, para não ficarem mortos com ele. Quando o progresso oferece o vapor, abandona-se a nau, pronto a preferir ao paquete o avião, desde que este possa substituí-lo, na plenitude das suas vantagens. O mundo moderno formou-se com o aristocracismo implantado pelos que abateram a idade clássica; mas, quando foi preciso, substituiu-se ao aristocracismo a democracia burguesa, com que se refizeram as sociedades ocidentais para a transformação industrial. Com essa burguesia, na essência dela, o capitalismo, sobra da riqueza industrial, aninhou-se em privilégios, que ameaçam suplantar a mesma civilização pela injustiça, que já se derrama em abjeta tirania. Anuncia-se o remédio: uma política orientada para os que trabalham, e cuja pena permitiu acumular-se riqueza, política onde a capitalização se faça em beneficio da comunidade, não havendo outros direitos além do mesmo trabalho.
Pois não é verdade que a humanidade não pode continuar assim: dividida em espoliados e desfrutadores, trabalhadores e dominantes, toda produção organizada no exclusivo interesse dos que detêm o capital, indiferentemente às legitimas necessidades dos que consomem, sem atender à sorte dos que, de fato, trabalham, subordinando-se a efetiva política econômica aos motivos dos potentados do capital?...
Finalmente, compreendem todos que tais formas sociais não podem perdurar; mas, não há meio de que a indispensável e radical reforma se faça na simples decorrência da política normal, pois os que desfrutam os formidáveis privilégios financeiros e econômicos, servidos pelos que exploram imediatamente o governo, formam o bando que resiste e resistirá ferozmente, e, com ele, é todo o passado mau que se perpetua. Só há um modo de ter razão contra uma tal resistência: a destruição do mesmo passado, para integral substituição da classe dirigente, com a sua total inclusão na grande massa dos que trabalham e produzem.
Em verdade, pode bem não haver destruição material, ou extermínio de gentes; fossilizados e inajustáveis à realidade da vida, ou já em decomposição de mando e riqueza, os dirigentes que aviltam esta pátria estariam irremediavelmente afastados, desde que passássemos pela verdadeira revolução. Que poderia subsistir desses privilegiados desde que se substituíssem os processos políticos, e surgissem, em franca realização, legítimos programas de formação social, com que se corrigissem os costumes institucionais que incorporam, finalmente, a tradicional política? A própria incapacidade os aniquilaria. O que viesse substituí-los valeria como renovação.
Na vida social, nenhum progresso essencial se obtém sem isto, porque toda forma em que o passado se impõe é embaraço explícito ao progresso, e define-se como fórmula de recuo, ou, tanto vale dizer – condenação à morte. No prosseguir dos destinos, a nenhum povo é permitido parar: seria retroceder deixar-se abater. As ondas da vida, cada vez mais impetuosas e precipitadas, ou o levam consigo, ou, fazendo o seu caminho, abalam, derruem, abatem, submergem, e fazem destroços, que serão base de mais vida. Para nós, enquanto ainda pacificamente parados, já nos submergimos num dique de despejos... Há que romper o dique, e que nada subsista da muralha pútrida que o fecha. Tudo que se poupe das formas sociais em uso, fará subsistir a mesma infecção que se nos comunicou nos veios do Estado português-bragantino que herdamos...
Dessa infecção tem de se curar o Brasil, se não aceitar diluir-se em miséria. De fato, um transe que de todo extinguisse a passada experiência política, até da memória das gentes, seria alívio, pois que ela nada contém que mereça ficar em lembrança. Nada que não sejam – dores, torpezas, degradação... E nisto se fechou esta pátria, até o intolerável abafamento de hoje. Ora, não é sem riscos que assim se submerge um povo, até a asfixia em podridão. Antes que expire, agitar-se-á, convulso, em purificante revolução. Em verdade, o Brasil ainda não fez a sua revolução; e, já agora, se houvera lógica nas coisas, seria a radical e desenvolvida renovação, em que surgisse efetivamente outra política, e se regenerasse inteiramente a tradição governante.
Ou esse ânimo, ou esperar covardemente a morte em decomposição, porque nenhuma nação tem sequência de soberania e liberdade sob tais dirigentes. Tédio de saciedade, suco de podridão: nas camadas dominantes, aboliram-se os entusiasmos que retemperaram e desviaram-se e anularam-se as vontades para uma longa obra nacional. E o movimento de regeneração tem de vir de baixo, do próprio povo. Sim: porque dos que vêm governando, e que só discordam da torpeza quando não estão dentro dela, desses, só podem vir levantes interesseiros, mazorcas para agravação de misérias, e onde os sinceros são heroísmos perdidos; levantes que são, de fato, assaltos ao poder, em sede de mando e fome de proventos. Falta-nos a verdadeira revolução conquista do poder por uma classe que nunca o ocupara, em vista impor ao grupo todo um novo padrão de valores... [1]
[1] Blanqui qualifica explicitamente a relação entre a minoria agitante e a massa: “Os desclassificados, exércitos invencíveis do progresso, são o fermento que entumece surdamente. Amanhã, serão a reserva da revolução... (Critique Sociale, t. I, pág. 220).
Para lutar e vencer a estrutura maligna que nos engloba politicamente, só formas absolutamente novas, em energias redentoras. Aliás, é esse o processo necessário, de progresso político e social. Instituições e regimes são formas estruturais, em correspondência de épocas e de necessidades. Passam as épocas, surgem novas condições sociais, e as formas preexistentes se patenteiam impróprias. Impróprias porque estão gastas e viciadas, impróprias, principalmente, porque as novas funções a que têm de servir são, sempre, bem mais complicadas, exigindo, por isso, mais inteligência que robustez, mais maleabilidade do que duração, mais dedicação do que força. Indiferentes ao grande mal, os eternos desfrutadores da injustiça fingem humanidade e liberalismo, a realçar um plano de horrores, na perspectiva da revolução. Contemplemo-los, porém, em ação, e teremos a notação justa do que lhes vale o coração. Uma só conjuntura: a crise de 1870, na França conduzida pelo conservador Thiers, que preferiu que o exército alemão tomasse Paris, para todas as consequentes imposições, a armar a Guarda Nacional, popular, que realizaria a revolução, e quando esta se pronunciou, vencedor, senhor, ele fez fuzilar as centenas de inermes, sem outro crime que o de serem os mais desgraçados, numa pátria levada pelos respectivos dirigentes à debacle e à humilhação. E, tanto era justa aquela Comuna de 1871, que os mesmos dirigentes logo trataram de fazer esquecer a ferocidade da repressão: perdoaram-se todos os condenados, e o povo de Paris nunca deixou de fazer, todos os anos, a sua piedosa romaria ao Muro dos Fuzilados. Voltando-se para os hipócritas que condenaram a ação revolucionária, com todas as suas necessárias violências, Kropotkine tudo justifica, das acusações contra o povo: “Sofrestes como ele?...” Antes do príncipe, irredutível revoltado, já o nosso Felício dos Santos, ao contemplar a sorte da antiga colônia dos Braganças, havia dito: “Quem não desculpará os excessos de alguns, em represália a séculos de sofrimentos?” [2] Em verdade, tudo que possa haver de justamente acusável nos excessos revolucionários tem como responsáveis verdadeiros os autores das longas injustiças sociais, e que, senhores dos destinos de um povo, tudo fazem para conservá-lo jungido e espoliado. Chega a ser de mau gosto, ou declarada estupidez, criticar e condenar cominatoriamente os detalhes de uma legítima revolução, tão indispensável à salvação da justiça, como difícil de realizar dentro da mesma absoluta justiça. Não há, na história, maior dificuldade.
[2] Op. cit., pág. 220.
continua pág 326...
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"Manoel Bomfim morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."
Cecília Costa Junqueira
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Bomfim, Manoel, 1868-1932
O Brasil nação: vol. II / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 392 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 31).
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