Cruz e Sousa
Obra Completa
Volume 1
POESIA
O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos
Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos
DISPERSAS
OLHARES
Teus traquinantes olhinhos
Continhas, Ziza, parecem;
Zigzagam sempre, tontinhos
Teus traquinantes olhinhos;
Tão pretos, tão redondinhos
Olhinhos que me embevecem,
Teus traquinantes olhinhos
Continhas, Ziza, parecem.
[A.C.]
[NAS EXPLOSÕES]
Nas explosões de bons risos
Os triolés petulantes
Chocalhem, tinam, precisos
Nas explosões de bons risos,
Tilintem como mil guisos
Sonoros, raros, vibrantes
Nas explosões de bons risos,
Os triolés petulantes.
[PRESO AO TRAPÉZIO]
Preso ao trapézio da rima
Triolé – pega estes zotes
E dá-lhes de baixo acima
Preso ao trapézio da rima
Na mais artística esgrima
D’estouros e piparotes,
Preso, ao trapézio da rima
Triolé – pega estes zotes.
[Zat.]
GRITO DE GUERRA
Aos senhores que libertam escravos.
Bem! A palavra dentro em vós escrita
Em colossais e rubros caracteres,
É valorosa, pródiga, infinita,
Tem proporções de claros rosicleres.
Como uma chuva olímpica de estrelas
Todas as vidas livres, fulgurosas,
Resplandecendo – vós tereis de vê-las
Rolar, rolar nas vastidões gloriosas.
Basta do escravo, ao suplicante rogo,
Subindo acima das etéreas gazas,
Do sol da ideia no escaldante fogo,
Queimar, queimar as rutilantes asas.
Queimar nas chamas luminosas, francas
Embora o grito da matéria apague-as;
Porque afinal as consciências brancas
São imponentes como as grandes águias.
Basta na forja, no arsenal da ideia,
Fundir a ideia que mais bela achardes,
Como uma enorme e fúlgida Odisseia
Da humanidade aos imortais alardes.
Quem como vós principiou na festa
Da liberdade vitoriosa e grande,
Há de sentir no coração a orquestra
Do amor que como um bom luar se expande.
Vamos! São horas de rasgar das frontes
Os véus sangrentos das fatais desgraças
E encher da luz dos vastos horizontes
Todos os tristes corações das raças...
A mocidade é uma falena de ouro,
Dela é que irrompe o sol do bem mais puro:
Vamos! Erguei vosso ideal tão louro
Para remir o universal futuro...
O pensamento é como o mar – rebenta,
Ferve, combate – herculeamente enorme
E como o mar na maior febre aumenta,
Trabalha, luta com furor – não dorme.
Abri portanto a agigantada leiva,
Quebrando a fundo os espectrais embargos,
Pois que entrareis, numa explosão de seiva,
Muito melhor nos panteões mais largos.
Vão desfilando como azuis coortes
De aves alegres nas esferas calmas,
Na atmosfera espiritual dos fortes,
Os aguerridos batalhões das almas.
Quem vai da sombra para a luz partindo
Quanta amargura foi talvez deixando
Pelas estradas da existência – rindo
Fora – mas dentro, que ilusões chorando.
Da treva o escuro e aprofundado abismo
Enchei, fartai de essenciais auroras,
E o americano e fértil organismo
De retumbantes vibrações sonoras.
Fecundos germens racionais produzam,
Nessas cabeças, claridões de maios...
Cruzem-se em vós – como também se cruzam
Raios e raios na amplidão dos raios.
Os britadores sociais e rudes
Da luz vital às bélicas trombetas,
Hão de formar de todas as virtudes
As seculares, brônzeas picaretas.
Para que o mal nos antros se contorça
Ante o pensar que o sangue vos abala,
Para subir – é necessário – é força
Descer primeiro à noite da senzala.
continua pág. 210...
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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.
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Organização e Estudo
Lauro Junkes
Presidente da Academia Catarinense de Letras
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PROF. Dr. LAURO JUNKES
Impressão e Acabamento
Avenida Gráfica e Editora Ltda.
Formato
14 x 21cm
FICHA CATALOGRÁFICA
Catalogação na fonte por M. Margarete Elbert - CRB14/167
S725o Sousa, Cruz e, 1861-1898
Obra completa : poesia / João da Cruz e Sousa ; organização
e estudo por Lauro Junkes. – Jaraguá do Sul : Avenida ; 2008.
v. 1 (612 p.)
Edição comemorativa dos 110 anos de falecimento e do
traslado dos restos mortais de Cruz e Sousa para Santa Catarina.
1. Sousa, Cruz e, 1861-1898. 2. Poesia catarinense. I.
Junkes, Lauro. II. Titulo.
CDU: 869.0(816.4)-1
"A gente só tem saída na poesia."
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