Manoel Bomfim
O Brasil Nação volume 2
SEGUNDA PARTE
TRADIÇÕES
À glória de
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução
POR FIM...
(5)
No avançar pela vida, as sociedades, de mais em mais complexas, tornam-se cada vez mais instáveis, isto é, mais possuídas do espírito revolucionário, ou, se o termo horripila, mais infensas à rigidez das fórmulas e à fixidez das estruturas. Se não, voltemo-nos para o mundo dos nossos dias – um generalizado fogaréu: grande guerra, revoluções e mutações intestinas que nela se incluíram, propagandas intensíssimas, perspectivas de revolução essencial por toda parte, e esse generalizado mal-estar em que os povos se agitam... Que significação poderíamos dar-lhes? São as fornalhas em que se fundem novos moldes sociais, desenvolvidos e difíceis, como são complexas e múltiplas as formas vivas a que têm de servir. Ora, o Brasil que vem atrasado de séculos, e nada tem de válido a conservar, há de arder, nessa obra revolucionária, que nem chega a ser renovação, mas tardio nascimento. Repete-se: que a necessária regeneração tem de ser inicialmente uma obra de educação e formação do povo. [1] Sem dúvida: é indispensável que a massa da nação brasileira suba de nível – mental e social, mediante sistemática educação. Mas, tanto só se realizará quando o povo for senhor dos seus destinos. No mesmo lance em que se esbocem as novas formas politicas e sociais, com as instituições de legítima justiça se definirá o ideal de educação, e criar-se-ão os modelos e processos, em correspondência com o mesmo ideal.
Aqui, não se dará nunca que os dominantes preparem a massa popular para ser a efetiva soberania da Nação. Equivaleria a realizar a própria revolução. Mesmo que a prática da democracia se faça com absoluta sinceridade, o grande número, absorvido pelo ganha-pão, não terá meios, nem lazeres, para o tirocínio de preparo geral. Destarte, os dirigentes democratas podem derrear-se em liberalismo, multiplicar os cuidados em prol da instrução e da educação, sem que isto venha redimir a maioria, os trabalhadores, da inferioridade em que se encontram, e que reflete os formidáveis privilégios econômicos e financeiros a que essa maioria tem de servir. A esperar que uma educação inicial nos leve à indispensável renovação, esperaremos eternidades, numa expectativa que será necessariamente agravação de misérias. No Império, protelava-se a democracia, porque não tínhamos povo educado para o regime... e setenta anos de realeza não o preparou. Na República, elimina-se igualmente a democracia e condena-se a liberdade, também na alegação do impreparo do povo para a política de liberdade e de opinião... E nos trinta e sete anos de República, mais nos afastamos da indispensável cultura das massas. Esperar ainda, seria arriscar todo o futuro desta pátria, e, ao mesmo tempo, inverter a ordem necessária dos sucessos: a energia que lhe domine os destinos, tem de ser a que dê o longo e intransigente esforço educativo. Há, no anônimo brasileiro, dons de inteligência e de coração para uma vida mais elevada e digna que a atual? Então, entreguemo-nos à sorte e deixemos que se cumpram os nossos justos fados. Contemos com o espontâneo das energias sociais, num povo em revelação de gênio e daí só poderá advir, com a exaltação dos transes, grandeza humana e justiça remissora. Nas vascas da catástrofe, o caos se organizará, em formas tanto mais puras quanto mais candente se fundiu o passado, certos de que, por mais duras que sejam as provas desses transes, e por muito que se estendam, nunca serão para tantos males e tanto sofrimento como os resultantes dos séculos vividos sob a gerência dessa política de domínio gozador.
[1] Quem escreve estas páginas assim pensou, e assim o disse, mais de uma vez. Desde, porém, que nos voltamos especialmente para as condições políticas e sociais desta pátria, houve de reconhecer a inanidade do intuito – esperar que os tradicionais dirigentes façam a conveniente educação da massa popular.
Contudo, mesmo aceitando essa afronta ao imprevisto, é legítima a hesitação, e que se perscrute nesse imprevisto: como poderá esta pátria investir para a libertação, e ensaiar as formas de um destino melhor, se se encontra tão nula e desorganizada?... A verdade, já patente, repete-se em todas as bocas: não bastaria substituírem-se situações políticas, ou, mesmo, reformar substancialmente as instituições, pois que se trata de defeito essencial, sanável, somente, no depurar e reformar os caracteres, em virtude de ação, com a consciência de deveres livremente aceitos. Tanto vale admitir: é toda vida social a retemperar, numa obra para a qual não se prestariam, evidentemente, ânimos gastos e viciados, nem as doutrinas que justificam a tradição política prevalecente até hoje. O mundo brasileiro permanece abaixo do nível humano, abatido sob a degradação dos seus dirigentes, não como qualquer efeito acidental e transitório, mas na expressão de uma tara constitucional. Só há um remédio – substituir aquilo que já é degeneração e tara. A necessária elevação de nível tem de fazer-se em revelação de energias primeiras, esforço para a vida, por parte desses que sufocam, acamados ao peso da miséria superior; energias primeiras como vontade de efetiva afirmação, numa nação que não deve morrer. E como a massa do povo é ainda valor indefinido, há de contar, repita-se, com o espontâneo dessas mesmas energias essenciais: a premência das necessidades revelando caracteres de ação, delineando programas, definindo formas... surto social num povo que ainda não se pronunciou.
Tudo isto, porém, é vago, quase indefinido. Se devemos nomear formas sociais a realizar, como classificá-las?...
continua pág 328...
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"Manoel Bomfim morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."
Cecília Costa Junqueira
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Bomfim, Manoel, 1868-1932
O Brasil nação: vol. II / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 392 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 31).
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