quarta-feira, 26 de julho de 2023

Marcel Proust - O Tempo Recuperado (Vamos para a mesa)

em busca do tempo perdido

volume VII
O Tempo Recuperado



continuando...

Vamos para a mesa e dá-se então um extraordinário prato que certamente são obras-primas da arte da porcelana, aquelas do reinado artístico, numa refeição delicada, mais deleita a atenção complacente e amador pratos dos Yung-Tsching, onde, nos bordos de cor de fogo de matiz azulado, no desfolhar túrgido de seus íris aquáticos, na travessia verdades decorativa, pela aurora, de um voo de martins-pescadores e de grous, que possui exatamente os tons entrevistos todos os dias, quando acordo, no Montmorency pratos de Saxe, mais delicados na sua feitura graciosa, sonolência, da anemia das rosas violáceas, aos recortes borra-de-vinho de tulipa, ao rococó de um cravo ou de um miosótis pratos de Sevres, pelas finas estrias de suas caneluras brancas, verticilados de ouro, ou até cremosa camada de massa, pelo relevo galante de uma faixa dourada- enfim uma prataria onde correm muitos de Luciennes, que a Dubarry haveria de crer. E, o que é talvez ainda mais raro, a qualidade verdadeiramente notável das coisas que em tais pratos se servem, manjares finamente preparados, repasto que os parisienses, é preciso declará-lo bem alto, nunca têm nos jantares, e que me recorda certos cozinheiros de Jean d'Heurs. Mesmo o não possui qualquer relação com o creme insípido que habitualmente merecem esse nome, e não sei de muitos locais em que a simples salada de batatas assim com batatas que têm a resistência dos botões de marfim japoneses, a dessas colherzinhas de marfim com que as chinesas derramam água sobre peixes que acabam de pescar. No copo de Veneza que tenho à minha frente extraordinário léoville, [Léoville tipo de vinho Bordeaux, de 1855, classificado na, categoria dos Médoc. (N. do T)], comprado na loja do Sr. de Montalivet, põe uma rica tolha vermelha. E é um regalo para a imaginação do que antigamente bem diverso dos linguados pouco frequentes e cujas espinhas, nas demoras do transporte de um linguado que é servido, preparam tantos mestres-cuca o molho branco feito com manteiga linguado numa travessa maravilhosa de um pôr-do-sol, sobre um mar onde as lagostas, de pontilhado grumoso ter sido moldada em carapaças vê-se um chinesinho que pesca à vara, graças ao prateamento de um prazer delicado que devem ser como nenhum príncipe possui ou conhece, observa melancolia como de um maníaco origina-se assim; absolutamente isto, uma cidra, bebida em meio de uma tal encantadora senhora, verdadeiramente fala-nos com transbordar da Normandia que se constassem altas matas à Lawrence hortênsias cor-de-rosa, refrão cuja queda sobre as entrelaçadas simulam Gouthiere cujos da Normandia com casas de campo; eles nunca deixam de ver todas as cores.

Uma casa na Normandia que seria absolutamente insuspeitadas pelos parisienses e que está protegida pela barreira de cada uma de suas porteiras, barreiras que os Verdurin me confessam não serem recatados de levantarem. Ao cair da tarde, numa extinção sonolenta, de todas as cores, já sem mais luz, aquela que dá o mar quase coalhada de cor azulada como o soro do leite (Não é nada desse mar que você conhece – protesto freneticamente minha vizinha, replicando à meu comentário de que Flaubert nos levou, meu irmão e eu, à Troueville; nada, absolutamente nada dará uma ideia sem vir comigo.) 

No verão seguinte estavam eles de novo, alojando toda uma colônia de artistas numa mansão medieval que lhes formava um antigo claustro alugado para eles por nada. E, por minha fé, ao ouvir esta mulher que, tendo passado pelas jardineiras ficavam completamente enjoados, que dava ao marido uns terríveis acessos de asma - “sim, isso mesmo – insistia a dama – verdadeiros acessos de asmas” - no entanto, em suas frases um pouco depois de passar por tantos lugares, verdadeiramente ilustres, não passavam de frases de uma mulher do povo; uma palavra que nos mostra as coisas de costume, com as cores que nossa imaginação as vê, veio-me água à boca pela vida que ela me confessou ter levado lá; cada qual trabalhando em sua cela, e onde, todos se reuniam no salão tão vasto, que possuía duas lareiras; onde comiam todos e compareciam para conversas de alto nível, misturando com jogos de prendas, fazendo-me pensar nesta mansão a vida que me recorda a obra-prima de Diderot, as Cartas à senhora VoIland. A seguir, após o almoço, todos saíam, mesmo nos dias de agitados pela chuva; quando, um raio de sol saía, luminosas bátegas riscavam, com seu traço bril troncos nodosos de um magnífico desfile de faias centenárias, que pendiam defronte à grade, o belo vegetal apreciado no século XVIII, e os arbustos, ramos se suspendiam, em vez de botões florescentes, gotas de chuva; para ouvir o delicado borrifo, enamorado de frescor, de um pisco a banhar a graciosa banheira minúscula de porcelana de Nymphenburg que é acoplada à rosa branca.

[Pisco: ave passeriforme européia, da família dos pardais. Não existe no Brasil. (N. do T)] 

[Elstir era chamado de "Sr. Biche" em No Caminho de Swann. (N. Do T.) 

E como falo à Sra. Verdurin das paisagens e das flores nos delicadamente pintados por Elstir: 'Mas fui eu quem o fez conhecer tudo - gritou ela, erguendo a cabeça num assomo de cólera; 'tudo, compreende tudo: os recantos curiosos, todos os motivos, disse-lhe tudo isso na cara dele e ele nos abandonou, não é verdade Auguste? Todos os motivos que ele pintou dos objetos, ele sempre os conheceu, tenho de ser justa, não o nego. Mas nunca tinha visto as flores, não sabia distinguir a malva do malvaísco. Fui eu quem o fez reconhecer - vai achar incrível o jasmim. 'Força-me confessar ser curiosa, que o pintor de flores, considerado hoje o melhor pelos entendidos, e sua Fantin-Latour, talvez nunca tivesse feito, sem a mulher a meu lado podido jardim.' Sim, palavra de honra, o jasmim; todas as rosas que ele fez, viu-as em casa; ou então lhe foram entregues por mim. Nós o chamávamos de Senhor pergunte à Cottard, ao Brichot, à todos os outros, se era tratado aqui feito um homem. Ele próprio teria achado graça, se o fosse. Ensinei-o a arrumar as flores desde o começo, não conseguia de modo nenhum. Nunca soube fazer um buquê, tinha gosto natural para escolher, era preciso que lhe dissesse:

'- Não, não não vale a pena, pinte aquilo. - Ah, se nos tivesse dado ouvidos para arrumar sua vida, como para o arranjo de suas flores, se não tivesse feito aquele casamento!'

E, bruscamente, os olhos ao passado, amassando nervosamente as mangas do vestido, lembra, um quadro admirável que julgo nus contida, toda a raivosa suscetibilidade das belezas, em seu pudor de mulher. A pintura havia feito para ela, o retrato logo depois de sua briga com o pintor; a ideia de representar o homem de roupa branca, e a mulher nua o borboletear dos claros matiz das meninas, semelhante ideia desse penteado, pelo consistia em que pintara mulheres; a intimidade de sua vida cotidiana; enxuga o rosto, como que uma porção de movimentos leonardesca! 

Mas a um sinal que seria no fundo era falsidade do presente ao admirar o colar de pérolas, perfeito; todas brancas, no lindo detalhe, de que já não recordava onde estavam; insiste no retrato autêntico todo o mundo, ao famoso duque de Beausergen. Possuía um cofrezinho; conheço o retrato pessoalmente, herdado pela sua tia a Sra. de Villeparisis e de antigamente, sob os nomes de batismo do que nele denuncia, ou nos revela que semelhante neologismo típico de Edmond de semelhantes catástrofes produzem no cérebro das pessoas alterações bem parecidas; que se observam na matéria inanimada, e cita, de um modo verdadeiramente filosófico como fariam os médicos, o criado de quarto da Sra. Verdurin, apavorado com aquele incêndio onde quase havia morrido, tornou-se o homem, com uma caligrafia de tal forma mudada, que, à primeira carta que fez demonstrações, então na Normandia, dele receberam anunciando o sucedido, julgar que fosse a mistificação de um farsante. E, segundo Cottard, não só mudou a caligrafia, mas também, de sóbrio que era, o rapaz se transformou num ébrio tão louco que a Sra. Verdurin fora obrigada a despedi-lo. E a dissertação sugestiva - um gracioso sinal da dona da casa, da sala de jantar ao fumoir veneziano, no qual Cottard nos diz ter assistido à verdadeiros desdobramentos de personalidade; citando-nos o caso de um seu doente, que se oferece amavelmente para ter em minha casa, e a quem bastava que ele o tocasse as têmporas para despertá-lo uma segunda vida; vida na qual não lembraria nada da anterior, tanto que, fosse honesto numa vida, fora preso várias vezes na outra, por causa de seus roubos, porque era simplesmente um tremendo velhaco. Ao que a Sra. Verdurin comenta com detalhe que a medicina poderia fornecer assuntos mais autênticos a uma peça de teatro - em que a graça do imprevisto se assentaria nos equívocos patológicos, o que, aos poucos, leva a Sra. Cottard a aludir a uma obra desse gênero, escrita por um autor que é o predileto de seus filhos, o escocês Stevenson, um nome que põe na boca de Swann esta afirmação peremptória: 

'Mas Stevenson é absolutamente um escritor, eu lhe garanto, Sr. de Goncourt, muito grande mesmo - E, como manifesto meu encantamento com o teto de painéis armoriados, proveniente do antigo palazzo Barberini, da sala onde fumamos, deixando transparecer minha pena ante o enegrecimento progressivo da concha da fonte devido à falta de cuidados nossos de Londres; e tendo Swann afirmado que manchas semelhantes, em que possuídos por Napoleão I, pertencentes agora ao duque de Guermantes, apenas suas opiniões anti-bonapartistas, atestam que o imperador mascava. Cottard se revela um espírito verdadeiramente penetrante em todos os assuntos, que tais manchas de modo algum provêm disso -'mas de modo algum', informa com autoridade e sim do hábito que ele possuía de ter sempre na mão, até nos campos de batalha, pastilhas de alcaçuz a fim de acalmar as dores do fígado, que ele sofria de uma doença do fígado, e foi disso que morreu', -concluiu. 

Interrompi a leitura neste ponto, já que partiria no dia seguinte; e, disso chegara a hora em que me reclamava outro patrão, a cujo serviço todos os dias a metade do nosso tempo. A tarefa que nos impõe, cumprimo-la de olhos fechados. Todas as manhãs ele nos devolve ao nosso patrão anterior, do que sem isso não o serviríamos bem. Curioso, quando o nosso espírito os olhos, os mais espertos de nós, ansiosos de saber o que poderíamos sob as ordens de um patrão que faz deitar seus escravos antes de os forçar a um trabalho precipitado, buscam sub-repticiamente contemplar a tarefa inconclusa. Porém o sono luta velozmente com eles a fim de fazer desaparecer os traços daquilo que gostariam de ver. E, passados tantos séculos, ainda não sabemos grande coisa a respeito. 

continua na página 025...
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Leia também:

Volume 1
Volume 2
Volume 3
Volume 4
Volume 5
A Prisioneira (Prefácio)
Volume 6
Volume 7
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