Cruz e Sousa
Obra Completa
Volume 1
POESIA
O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos
Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos
DISPERSAS
AWAY!
A meu distinto amigo e talentoso jovem José Arthur Boiteux
O livro, esse audaz guerreiro,
Que conquista o mundo inteiro,
Sem nunca ter Waterloo!...
(Castro Alves)
Avante, sempre, nessa luz serena,
Empunha a pena, sem temor, com fé!...
Eleva às turbas as ideias d’ouro,
Que um tesouro tua fronte é!...
Eia, caminha nessa senda nobre,
Na pátria pobre, no teu berço aqui!...
Prossegue altivo, sem parar, constante,
Faz-te gigante, diz depois – Venci!...
Ala-te à glória num voar titâneo,
Burila o crânio de fulgor sem fim!...
E entre o livro d’imortais perfumes
Calca os ciúmes d’imbecil Caim!
Imita os grandes, incansáveis vultos
Que lá sepultos no pó negro estão!...
Anda, romeiro dos vergéis divinos,
Mergulha em hinos a gentil razão!
Estás na quadra radiante e linda,
É cedo ainda para enfim descrer!
És jovem... pensas... és portanto um bravo
Ser ignavo... é sucumbir... morrer!
Vamos, caminha, mesmo embora exangue
Da fronte o sangue vá rolar-te aos pés!
Agita a alma qual febris as vagas,
Que dessas chagas brotarão lauréis!
Além do livro, colossal, enorme,
Que nunca dorme perscrutando os céus!...
Acima dele supernal, potente
Está somente, tão-somente Deus!
Vai... vai rasgando, percorrendo os ares,
Novos palmares, meu gentil condor!
Depois de teres pedestal seguro
Lá do futuro te erguerás senhor!...
Qual Ney ousado que, ao vibrar da lança,
Nutre esperança de ganhar, vencer,
Assim co’a ideia vai lutar, trabalha,
Vence a batalha do dinal saber.
Eia que sempre na brasílea história
De alta glória colherás o jus!...
O livro augusto do porvir descerra,
Sê desta terra precursor da luz!!!
POESIA
C’est la musique la poésie de l’âme;
et la gloire est Dieu, ce sont les
deux choses les plus charmantes, les
plus belles, les plus grandes de la vie!
(Do Autor)
Da música escutando preclaras harmonias
Vendo em cada lábio brilhar ledo sorriso,
Vendo luz e flores e tanto entusiasmo,
Julguei-me transportado ao célico Paraíso!
Foi sonho na verdade – mas hoje realizado
Vos dá, distintos sócios, venturas mais de mil,
A vós que à frente tendo Penedo, grande, forte,
Subis, alistridente, qual ave mais gasil!
E quando executais as vossas belas peças
As notas quais gemidos vagam n’amplidão
Parece que o infinito derrama sobre vós
Centelhas sublimadas só d’inspiração!
Da arte de Mozart vós sois grandes romeiros
Lutais como nas vagas o triste palinuro,
Os olhos tendes fitos na glória que dá brilho
No livro tricolor e ovante do futuro!
Hoje que os sorrisos assomam em vossos lábios
Que da “Guarani” alçais áureo pendão,
Eu humilde e fraco – com flores inodoras
Somente aqui vos venho fazer uma ovação!
Quando há só coragem, força, intrepidez,
Quando se alimenta no peito divo ardor,
O homem não recua, caminha p’ro progresso
Co’a fronte sempre erguida, sem ter menor temor.
Sem ter algum trabalho jamais s’alcança trono,
Sem ter valor e força jamais se tem lauréis
P’ra vossa grande glória, além do grã futuro
Deus já tem erectos milhares de docéis!
Mas dentre vós vulto sereno se destaca
Qual Rodes portentoso, imenso, verdadeiro,
Que nunca recuou sequer um só momento,
Que sempre em trabalhar foi pronto companheiro!
E este vosso sócio, digno diretor
Que forte não pensou jamais em recuar!
É José Gonçalves – águia valorosa
A quem, altivamente, eu ouso aqui louvar!
Vencendo mil tropeços, altiva os derribando
A bela “Guarani” se mostra triunfante,
Foi como esses heróis – na mão sustenta o gládio
– O gládio da vitória serena e radiante!
Portanto erguei ridente a fronte ao infinito!
Erguei ó grandes bravos a fronte toda luz!
Eis, a senda é bela, sublime, é grandiosa,
Avante pois ness’arte, avante, avante, sus!
E agora concluindo palavras pobrezinhas
Que eu pronunciar humilde vim aqui,
Saúdo fervoroso – do imo de minh’alma
A essa tão gentil, simpática “Guarani”!
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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.
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Organização e Estudo
Lauro Junkes
Presidente da Academia Catarinense de Letras
© Copyright 2008
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Projeto Gráfico, Editoração e Capa
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Revisão Linguístico-Ortográfica
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PROF. Dr. LAURO JUNKES
Impressão e Acabamento
Avenida Gráfica e Editora Ltda.
Formato
14 x 21cm
FICHA CATALOGRÁFICA
Catalogação na fonte por M. Margarete Elbert - CRB14/167
S725o Sousa, Cruz e, 1861-1898
Obra completa : poesia / João da Cruz e Sousa ; organização
e estudo por Lauro Junkes. – Jaraguá do Sul : Avenida ; 2008.
v. 1 (612 p.)
Edição comemorativa dos 110 anos de falecimento e do
traslado dos restos mortais de Cruz e Sousa para Santa Catarina.
1. Sousa, Cruz e, 1861-1898. 2. Poesia catarinense. I.
Junkes, Lauro. II. Titulo.
CDU: 869.0(816.4)-1
"A gente só tem saída na poesia."
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