segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXXIV - Horas de sombra

Cruz e Sousa

Obra Completa
Volume 1
POESIA



O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos

Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos




OUTROS SONETOS 







HORAS DE SOMBRA


Horas de sombra, de silêncio amigo 
Quando há em tudo o encanto da humildade 
E que o anjo branco e belo da saudade 
Roça por nós o seu perfil antigo.

Horas que o coração não vê perigo 
De gozar, de sentir com liberdade... 
Horas da asa imortal da Eternidade 
Aberta sobre tumular jazigo.

Horas da compaixão e da clemência, 
Dos segredos sagrados da existência, 
De sombras de perdão sempre benditas.

Horas fecundas, de mistério casto, 
Quando dos céus desce, profundo e vasto, 
O repouso das almas infinitas.





ALELUIA! ALELUIA!


Dentre um cortejo de harpas e alaúdes 
Ó Arcanjo sereno, Arcanjo níveo, 
Baixaste à terra, ao mundanal convívio... 
Pois que a terra te ajude, e tu me ajudes.

Que tu me alentes nas batalhas rudes, 
Que me tragas a flor de um doce alívio 
Aos báratros, às brenhas, ao declívio 
Deste caminho de ânsias e ataúdes...

Já que desceste das regiões celestes, 
Nesse clarão flamívomo das vestes, 
Através dos troféus da Eternidade,

Traz-me a Luz, traz-me a Paz, traz-me a Esperança 
Para a minh’alma que de angústia cansa, 
Errando pelos claustros da Saudade!





ROSA NEGRA


Nervosa Flor, carnívora, suprema, 
Flor dos sonhos da Morte, Flor sombria, 
Nos labirintos da tu’alma fria 
Deixa que eu sofra, me debata e gema.

Do Dante o atroz, o tenebroso lema 
Do Inferno à porta em trágica ironia, 
Eu vejo, com terrível agonia, 
Sobre o teu coração, torvo problema.

Flor do delírio, Flor do sangue estuoso 
Que explode, porejando, caudaloso, 
Das volúpias da carne nos gemidos.

Rosa negra da treva, Flor do nada, 
Dá-me essa boca acídula, rasgada, 
Que vale mais que os corações proibidos!



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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.



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