Fiódor Dostoiévski
42.
30 de setembro
Está tudo acabado! A minha sorte está lançada e não sei o que o futuro me reserva, mas desde já me entrego nas mãos de Deus.
Partimos amanhã e venho, pela última vez, despedir-me de si, meu único, meu fiel, meu querido e bom amigo. É o meu único parente, a única pessoa que me valeu nas minhas dificuldades!
Não sofra por minha causa, seja feliz, lembre-se algumas vezes de mim e que Deus o abençoe! Pensarei muito em si e não o esquecerei nas minhas orações. Acabou-se a nossa convivência! São poucas as recordações agradáveis do passado que levo para a minha futura vida; por isso mesmo, mais querida e apreciada se me torna a sua lembrança e maior estima lhe consagra o meu coração. É o meu único amigo, a única pessoa que aqui me quis bem. Não sou nenhuma cega, pude avaliar bem o afeto que sempre me dedicou. Um simples sorriso meu era o bastante para o fazer feliz, e uma linha minha tinha o condão de o reconciliar com tudo. Agora tem de me esquecer. Que vida solitária o senhor vai levar! E quem estará ao seu lado para o confortar, meu bom, prezado e único amigo?
Ofereço-lhe o livro, o bastidor e a carta principiada. Ao ler essas linhas, continue, faça de conta que lê no meu pensamento tudo aquilo que teria lido ou escutado de mim com prazer, tudo o que lhe poderia haver escrito... e de futuro não poderei! Não esqueça a sua pobre Bárbara que lhe dedicou sempre uma afeição cordial e sincera. As suas cartas ficam todas guardadas na gaveta da cômoda da Fédora.
Escreve-me que está doente. Da melhor vontade o iria visitar, mas o senhor Buikov não me deixa sair hoje. Prometo escrever-lhe, meu bom amigo; mas só Deus sabe o que pode acontecer.
Por isso, é melhor despedirmo-nos para sempre, meu amiguinho, meu adorado, meu tesouro, como o senhor me chama a mim. Para sempre! Ai, que abraço tão apertado lhe daria agora! Adeus, querido amigo. Desejo-lhe muitas felicidades! Deus permita que goze sempre de boa saúde; nunca me esquecerei de rezar por si. Oh, se soubesse como estou triste, que horrível peso tenho na minha alma!
O senhor Buikov está-me a chamar.
Sua eternamente dedicada
B.
P. S. — A minha alma está tão cheia, tão cheia de lágrimas! Parecem querer afogar-me, despedaçar-me... Adeus, adeus, Makar Alexeievitch! Que tristeza, meu Deus!
B.
P. S. — A minha alma está tão cheia, tão cheia de lágrimas! Parecem querer afogar-me, despedaçar-me... Adeus, adeus, Makar Alexeievitch! Que tristeza, meu Deus!
Não esqueça, não esqueça nunca a sua pobre Bárbara.
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Gente Pobre - 33. Deus vê tudo, minha querida, tudo! - Dostoiévski
Gente Pobre - 34. Seu de alma e coração - Dostoiévski
Gente Pobre - 35. Venha já, suplico-lhe! - Dostoiévski
Gente Pobre - 36. Petinka está no céu! - Dostoiévski
Gente Pobre - 37. O que me espera... não sei - Dostoiévski
Gente Pobre - 38. Como pode deixar-me aqui sozinho? - Dostoiévski
Gente Pobre - 39. Receio tanto o futuro! - Dostoiévski
Gente Pobre - 40. as coisas são como são... não é verdade? - Dostoiévski
Gente Pobre - 41. Oh meu anjo querido! - Dostoiévski
Gente Pobre - 43. A última, a última! - Dostoiévski
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Esse é o tipo de livro que modifica algo na gente. “Pobre gente” foi o primeiro romance de Dostoievski, começou a escrever em 1844 e terminou no ano seguinte. O personagem Makar Dévushkin, um auxiliar administrativo que leva trinta anos copiando documentos, mora numa pensão humilde, seu pequeno quarto fica ao lado da cozinha, é o que pode pagar com o seu salário também minúsculo. O frio e a frieza de uma sociedade que ignora os pobres. Crítica social contundente, comendo pelas beiradas narrativas. Segundo alguns historiadores, uma das obras que mandou o autor para a cadeia siberiana. Eram os 25 anos de um gênio então já se apurando na escrita, despertando assim, para sentir seu tempo e as humilhações da época, desesperos; um olhar sobre todas as coisas da sofrida gente. Triste narrativa pungente da condição humana em torno desses dois personagens, como vítimas de fatalidades da vida numa sociedade onde poucos conseguem realmente sair do ramerão, e onde muitos se movem numa crueldade austera entre si, forçada pelas inóspitas condições em que vivem. Makar e Varenka vivem um amor idílico ensombrado pelo que os circunda (Makar é muito mais velho que Varenka), agravando as suas próprias condições a um nível desesperador e quase doentio, mas sempre com alguma perspectiva de esperança fundadas em ilusões muitas das vezes patéticas, algo falsamente ingênuas, ilustrativas, no entanto, ao alcance do coração humano que tudo pode sonhar, sem se importar com as verdadeiras condições em que se encontra, principalmente nessas condições por assim dizer desprezíveis.
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Fiódor Dostoiévski
GENTE POBRE
Título original: Bednye Lyudi (1846)
Tradução anônima 2014 © Centaur Editions
centaur.editions@gmail.com
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Leia também:
Gente Pobre - 34. Seu de alma e coração - Dostoiévski
Gente Pobre - 35. Venha já, suplico-lhe! - Dostoiévski
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Gente Pobre - 40. as coisas são como são... não é verdade? - Dostoiévski
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