sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Stanislaw PP - FeBeAPá: Aos tímidos o que é dos tímidos

O Festival de Besteira

O Maior Festival de Besteira que já Assolou e voltou Assolar o País


II Parte



Aos tímidos o que é dos tímidos




Tímido que ele era. Um desses sujeitos assim cujo complexo de inferioridade é tamanho que, ao se olhar no espelho, sente-se mal ao deparar sua própria imagem, por considerá-la superior ao original. Tem uns caras que, francamente: eu — por exemplo — conheci um que o pessoal chegou a apelidar de Zé Complexo. Um dia ele me confessou que, muitas vezes, quando saía de casa, tinha ímpetos de deixar o elevador pra lá e descer pela lixeira. Acabou morrendo por timidez, numa véspera de Natal.

Foi assim: a família tinha engordado um peru para a ceia natalina, e ele ficou encarregado de matar o peru. Na véspera da coisa, e dia do peru, levou-o lá pros fundos e começou a dar cachaça para o condenado, e foi lhe dando aquela tristeza e, então, pra ver se levantava o moral, começou a beber junto com o peru, e foi bebendo e foi piorando, e piorando, baixou nele uma neura bárbara, até que considerou as circunstâncias, olhou para o peru mais uma vez, o peru olhou pra ele com aquele olhar de peru encachaçado, que é pior que olhar de deputado nordestino. Enfim, para encurtar o caso: acabou considerando que o peru merecia mais que ele e se suicidou, deixando o peru sozinho lá no quintal no maior pileque.

Mas não era desse cara que eu queria falar não. Esse morreu, deixa pra lá. O tímido desta história tinha as suas mumunhas, tanto assim que chegou a arrumar uma namorada. Não era nenhum estouro de mulher, mas também não era como aquela que o gato cheirou e cobriu de areia. Na verdade a namorada deste tímido que eu estava falando, e depois passei pro outro que morreu, levava um certo jeito. Pernudinha, nem baixa nem alta, nem magra nem gorda. Engraçadinha, sabe como é?

Pois não é que apareceu um desses bacanos de cabelão, pele tostada no moderno estilo “Castelinho”, folgado às pampas, e cismou com a pequena do tímido?

Como, minha senhora? A pequena do tímido é que deu bola pro bonitão?

Nada disso, madama, nada disso. Embora eu não ponha a mão no fogo por mulher, porque eu não quero ficar com o apelido de maneta, posso garantir à senhora que a pequena do tímido tinha fama de batata. Tanto isto é verdade que foi ela quem inventou o plano.

Quando o namorado descobriu que havia cabrito na sua horta, ficou numa fossa tártara. Dava até pena ver: perto da dele a fossa de qualquer um parecia apartamento de cobertura. Ainda bem não tinha morado no assunto, ficou logo achando que perderia a parada, porque o outro era mais forte, mais frequentador do Le Bateau, sabia dançar surf muito bem, e mais diversas outras papagaiadas que hoje em dia as mulheres consideram predicados masculinos.

Aí a pequena dele ficou tão chateada que lhe deu uma bronca:

— Toma uma atitude, Lelé! (O nome dele era Leovigildo, mas ela chamava de Lelé.) Contrata aí um desses latagões a serviço da bolacha e manda dar uma surra nesse atrevido!

Tá certo, a pequena era um pouco chave de cadeia, mas essa atitude dela provava que, entre o bacanão e o Lelé, ela era mais o Lelé. Foi, aliás, o que o Lelé deduziu, dedução esta que o levou a procurar Primo Altamirando. Ora, o Mirinho vocês conhecem e, se não conhecem, perguntem na polícia, que lá eles sabem. Procurou Mirinho e propôs o negócio: dez “cabrais” ou dois “tiradentes”* — a escolher — para dar um corretivo no cara.

Mirinho achou o negócio legal e saiu em campo. Não demorou muito, encontrou o perseguido badalando num balcão de sorveteria, fazendo presepada no meio das menininhas. Chamou-o num canto, como quem vai pro banheiro, e, agarrando o braço dele, colocou-o a par da conjuntura. O cara foi ficando branco que nem parecia freguês de sol do Castelinho, começou a gaguejar, e o primo viu logo que aquela transação podia render mais. Soltou o braço do cara e meteu a proposta:

— Faz o seguinte. Manda vinte mil aí que eu transfiro o negócio pra outra firma.

O bonitão nem quis ouvir mais nada. Filho de pai rico e coisa e tal meteu a mão no bolso e pagou à vista. Com trinta mil em caixa, o abominável parente resolveu tirar licença-prêmio e foi gastar o lucro.

Deu-se que, ontem, estava ele parado numa esquina, paquerando o ambiente, quando o tímido apareceu de braço com a pequena. Ao passar por ele, fez um gesto largo, sorriu, piscou um olho e berrou:

— Olha! Aquele nosso negócio; perfeito, velhinho! A firma concorrente entrou pelo cano.

Mirinho olhou pra ele, lembrou-se dos vinte mil que o outro lhe confiara e suspendeu a licença. Caminhou em sua direção e tacou-lhe um bofetão em si bemol que o coitado saiu catando cavaco e foi cair sentado no meio-fio.

Tá certo! O fim desta história é meio chato. Mas, é como me explicou Mirinho: onde já se viu tímido bancar o expansivo só porque tá com mulher?





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* As cédulas de um cruzeiro (Pedro Álvares Cabral) e cinco cruzeiros (Tiradentes).

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SÉRGIO PORTO nasceu no Rio de Janeiro em 1923 e morreu na mesma cidade em 1968. Foi cronista, radialista, homem de teatro e TV, compositor. Conhecido nacionalmente por meio do pseudônimo Stanislaw Ponte Preta, publicou, além de Febeapá, coletâneas de crônicas, textos sobre futebol, entre outros.


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