O Festival de Besteira
O Maior Festival de Besteira que já Assolou e voltou Assolar o País
II Parte
O almirante gostava muito de ir ao cinema na sessão de oito às dez. Era um almirante reformado e muito respeitado na redondeza por ser bravo que só bode no escuro. Naquela noite, quando se preparava para ir pro cinema, a empregada veio correndo lá de dentro, apavorada:
— Patrão, tem um homem no quintal.
Era ladrão. Pobre ladrãozinho. O almirante pegou o .45, que tinha guardado na mesinha de cabeceira, e saiu bufando para o quintal. Lá estava o mulato magricela, encolhido contra o muro, muito mais apavorado que a doméstica acima referida. O almirante encurralou-o e deu o comando com sua voz retumbante:
— Se mexer leva bala, seu safado.
O ladrão tratou de respirar mais menos, sempre na encolha. E o almirante mandou brasa:
— Isto que está apontado para você é um .45. Se eu atirar te faço um furo no peito, seu ordinário. Agora mexe aí para ver só se eu não te mando pro inferno.
O ladrão estava com uma das mãos para trás e o almirante desconfiou:
— Não tente puxar sua arma, que sua cabeça vai pelos ares.
— Não é arma não — respondeu o ladrão com voz tímida: — É o sabiá.
— Ah… um ladrão de passarinho, hem? — vociferou o almirante.
E, de fato, o almirante tinha um sabiá que era o seu orgulho. Passarinho cantador estava ali. Elogiadíssimo pelos amigos e vizinhos. Era um gozo ouvir o bichinho quando dava seus recitais diários.
Vendo que o outro era um covarde, o almirante resolveu humilhá-lo:
— Pois tu vais botar o sabiá na gaiola outra vez, vagabundo. Vai botar o sabiá lá, vai me pedir desculpas por tentar roubá-lo e depois vai me jurar por Deus que nunca mais passa pela porta de minha casa. Aliás, vai jurar que nunca mais passa por esta rua. Tá ouvindo?
O ladrão tava. Sempre de cabeça baixa e meio encolhido, recolocou o sabiá na gaiola. Jurou por Deus que nunca mais passava pela rua e até pelo bairro. O almirante enfiou-lhe o .45 nas costelas e obrigou-o a pedir desculpas a ele e à empregada. Depois ameaçou mais uma vez:
— Agora suma-se, mas lembre-se sempre que esta arma é .45. Eu explodo essa sua cabeça se o vir passando perto de minha casa outra vez. Cai fora.
O ladrão não esperou segunda ordem. Pulou o muro como um raio e sumiu.
O almirante, satisfeito consigo mesmo, guardou a arma e foi pro cinema. Quando voltou, o sabiá tinha desaparecido.
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Leia também:
Stanislaw PP - FeBeAPá: O Festival de Besteira (1)
Stanislaw PP - FeBeAPá: O Festival de Besteira (2)
Stanislaw PP - FeBeAPá: O Festival de Besteira (3)
Stanislaw PP - FeBeAPá: O Festival de Besteira (4)
Stanislaw PP - FeBeAPá: O puxa-saquismo desvairado
Stanislaw PP - FeBeAPá: Meio a meio
Stanislaw PP - FeBeAPá: O informe secreto
Stanislaw PP - FeBeAPá: Nas tuberosidades isquiáticas
Stanislaw PP - FeBeAPá: A conspiração
Stanislaw PP - FeBeAPá: Desrespeito à região glútea
Stanislaw PP - FeBeAPá: Garotinho corrupto
Stanislaw PP - FeBeAPá: Por trás do biombo
Stanislaw PP - FeBeAPá: Depósito bancário
Stanislaw PP - FeBeAPá: “O general taí”
Stanislaw PP - FeBeAPá: O antológico Lalau
Stanislaw PP - FeBeAPá: O paquera
Stanislaw PP - FeBeAPá: Eram parecidíssimas
Stanislaw PP - FeBeAPá: Aos tímidos o que é dos tímidos
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O Maior Festival de Besteira que já Assolou e voltou Assolar o País
II Parte
O sabiá do almirante
O almirante gostava muito de ir ao cinema na sessão de oito às dez. Era um almirante reformado e muito respeitado na redondeza por ser bravo que só bode no escuro. Naquela noite, quando se preparava para ir pro cinema, a empregada veio correndo lá de dentro, apavorada:
— Patrão, tem um homem no quintal.
Era ladrão. Pobre ladrãozinho. O almirante pegou o .45, que tinha guardado na mesinha de cabeceira, e saiu bufando para o quintal. Lá estava o mulato magricela, encolhido contra o muro, muito mais apavorado que a doméstica acima referida. O almirante encurralou-o e deu o comando com sua voz retumbante:
— Se mexer leva bala, seu safado.
O ladrão tratou de respirar mais menos, sempre na encolha. E o almirante mandou brasa:
— Isto que está apontado para você é um .45. Se eu atirar te faço um furo no peito, seu ordinário. Agora mexe aí para ver só se eu não te mando pro inferno.
O ladrão estava com uma das mãos para trás e o almirante desconfiou:
— Não tente puxar sua arma, que sua cabeça vai pelos ares.
— Não é arma não — respondeu o ladrão com voz tímida: — É o sabiá.
— Ah… um ladrão de passarinho, hem? — vociferou o almirante.
E, de fato, o almirante tinha um sabiá que era o seu orgulho. Passarinho cantador estava ali. Elogiadíssimo pelos amigos e vizinhos. Era um gozo ouvir o bichinho quando dava seus recitais diários.
Vendo que o outro era um covarde, o almirante resolveu humilhá-lo:
— Pois tu vais botar o sabiá na gaiola outra vez, vagabundo. Vai botar o sabiá lá, vai me pedir desculpas por tentar roubá-lo e depois vai me jurar por Deus que nunca mais passa pela porta de minha casa. Aliás, vai jurar que nunca mais passa por esta rua. Tá ouvindo?
O ladrão tava. Sempre de cabeça baixa e meio encolhido, recolocou o sabiá na gaiola. Jurou por Deus que nunca mais passava pela rua e até pelo bairro. O almirante enfiou-lhe o .45 nas costelas e obrigou-o a pedir desculpas a ele e à empregada. Depois ameaçou mais uma vez:
— Agora suma-se, mas lembre-se sempre que esta arma é .45. Eu explodo essa sua cabeça se o vir passando perto de minha casa outra vez. Cai fora.
O ladrão não esperou segunda ordem. Pulou o muro como um raio e sumiu.
O almirante, satisfeito consigo mesmo, guardou a arma e foi pro cinema. Quando voltou, o sabiá tinha desaparecido.
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Stanislaw PP - FeBeAPá: Aos tímidos o que é dos tímidos
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SÉRGIO PORTO nasceu no Rio de Janeiro em 1923 e morreu na mesma cidade em 1968. Foi cronista, radialista, homem de teatro e TV, compositor. Conhecido nacionalmente por meio do pseudônimo Stanislaw Ponte Preta, publicou, além de Febeapá, coletâneas de crônicas, textos sobre futebol, entre outros.
SÉRGIO PORTO nasceu no Rio de Janeiro em 1923 e morreu na mesma cidade em 1968. Foi cronista, radialista, homem de teatro e TV, compositor. Conhecido nacionalmente por meio do pseudônimo Stanislaw Ponte Preta, publicou, além de Febeapá, coletâneas de crônicas, textos sobre futebol, entre outros.
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