terça-feira, 3 de setembro de 2019

Stanislaw PP - FeBeAPá: “O general taí”

O Festival de Besteira

O Maior Festival de Besteira que já Assolou e voltou Assolar o País




“O general taí”




Genésio, quando houve aquela marcha de senhoras ricas com Deus pela família e etc., ficou a favor, principalmente do etc. Mesmo tendo recebido algumas benesses do governo que entrava pelo cano, Genésio aderiu à “redentora”, mais por vocação do que por convicção (ele tinha — e ainda tem — um caráter muito adesivo). Porém, com tanto cocoroca aderindo, Genésio percebeu que estavam querendo salvar o Brasil depressa demais. Mesmo assim foi na onda. 

Adaptou-se à nova ordem com impressionante facilidade e chegou a ser um dos mais positivos dedos-duros no ministério. Tudo que era colega que ele não gostava, ele apontou aos superiores como suspeitos. Naquele tempo — não sei se vocês se lembram — não era preciso nem dizer “de quê”. Bastava apontar o cara como suspeito e pronto… tava feita a caveira do infeliz. 

Com isso, Genésio conseguiu certo prestígio junto à administração e pegou umas estias, ganhando um dinheirinho extra. Quando veio a tal política financeira do dr. Campos,* foi dos primeiros a aplaudir a medida. Num desses coquetéis de gente bem, onde foi representando o diretor do departamento, aproveitou um hiato na conversa, para falar bem alto, a fim de ser ouvido pelo maior número possível de testemunhas: 

— A política de contenção do dr. Roberto é simplesmente gloriosa! Breve até as classes menos favorecidas estarão aplaudindo a medida. 

Todos ouviram e, como tava todo mundo com o traseiro encostado na cerca, naqueles dias (e muitos estão até hoje), ninguém contestou. Houve até um certo ambiente de admiração pelo Genésio, que nenhum dos grã-finos presentes sabia quem era, mas que, nem por isso, foi esnobado, pois podia ser algum coronel, enfim, essas bossas! 

O que eu sei é que o Genésio deu o grande durante uns quatro ou cinco meses. Depois, como era um filho de jacaré com cobra-d’água, caiu de novo no seu chatíssimo cotidiano e só ficou elogiando a “redentora” por vício ou talvez por causa de uma leve esperança de se arrumar ainda. 

Mas teso é teso, é ou não é? O tempo foi passando e o boi sumiu; o leite é isso que se vê aí; o feijão anda tão caro que, noutro dia, num clube da ZN, promoveram um jogo de víspora marcando as pedras com caroço de feijão e foi aquela vergonha… alguém roubou os caroços  todos para garantir o almoço do dia seguinte. Genésio começou a desconfiar que tinha entrado numa fria. Aquilo não era revolução pra quem vive de ordenado. Em casa, a mulher dava broncas ciclópicas, porque o ordenado mensal dele estava acabando mais depressa do que a semana. 

Houve um dia em que botou sua bronca: 

— Você é que não sabe fazer economia — disse para a mulher. — Pode deixar que eu vou fazer a feira. 

Ah, rapaziada, pra quê! Genésio foi à feira e só via gente balançando a cabeça; todo mundo resmungando, dizendo coisas tais como “assim não é possível”, “desse jeito é fogo”, “como está não pode ser”. Em menos de cinco minutos do tempo regulamentar, ele também estava praguejando mais que trocador de ônibus. 

Voltou pra casa, arrasado. Daí por diante entrou pro time dos descontentes de souza. Só abria a boca para dizer que é um absurdo, onde é que nós vamos parar, o Brasil está à beira do abismo etc. Mesmo na repartição, onde era visto com suspeita pelos colegas, rasgou o jogo. No dia em que leu aquela entrevista do Borghoff,** dizendo que o povo devia comer galinha, porque boi é luxo, fez um verdadeiro comício, na porta do mictório do ministério, onde a cambada se reúne sempre para matar o trabalho. 

Foi aí que aconteceu: Estava em casa, deitado, lendo um x-9, quando a empregada chegou na porta. A empregada era dessas burríssimas, mas falou claro: 

— Seu Genésio, tem um general aí querendo falar com o senhor! 

Ficou mais branco que bunda de escandinavo! Meu Deus, iria em cana. Não pensou duas vezes. Arrumou uma valise, meteu dentro alguns objetos, uma calça velha e — felizmente morava no térreo — pulou pela janela e está até agora escondido no sítio do sogro, em Jacarepaguá. 

O vendedor é que não entendeu nada. Tinha ido ali fazer uma demonstração do novo aspirador General Electric, falou com a empregada, ficou esperando na sala e — quando viu — o dono da casa estava pulando a janela, apavorado.




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* Roberto Campos (1917-2001), ministro do Planejamento do governo Castello Branco. 
** Guilherme Borghoff, secretário de Economia do governo Carlos Lacerda.

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SÉRGIO PORTO nasceu no Rio de Janeiro em 1923 e morreu na mesma cidade em 1968. Foi cronista, radialista, homem de teatro e TV, compositor. Conhecido nacionalmente por meio do pseudônimo Stanislaw Ponte Preta, publicou, além de Febeapá, coletâneas de crônicas, textos sobre futebol, entre outros.



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