O Festival de Besteira
O Maior Festival de Besteira que já Assolou e voltou Assolar o País
II Parte
Peixoto entrou no escurinho do bar e ficou meio sobre o peru de roda, indeciso entre sentar-se na primeira mesa vaga ou caminhar mais para dentro e escolher um lugar no fundo. Mas sua indecisão durou pouco. Logo ouviu a voz de Leleco, a chamá-lo:
— Ei, Peixoto, venha para cá!
Estremeceu ao dar com o outro acenando, mas estufou o peito e aceitou o convite com ar muito digno, encaminhando-se para a mesa de Leleco.
— Senta aí, rapaz — disse Leleco, ajeitando a cadeira ao lado: — Você por aqui é novidade.
— De fato — concordou Peixoto, evasivo.
Leleco era todo gentilezas:
— Que é que vais tomar? Toma um Vat, o uísque daqui é ótimo. Você sabe, eu venho a este bar quase todas as tardes. É um hábito bom, este uisquinho antes de ir para casa.
— É. Eu sei que você costuma vir aqui de tarde.
Peixoto aceitou o uísque sugerido, o garçom afastou-se e Leleco não perdeu o impulso. Continuou falando:
— Engraçado você ter aparecido aqui, Peixoto.
— Engraçado por quê? — a pergunta foi feita num tom ansioso, mas o outro não pareceu notar.
— É que, ultimamente, eu toda hora estou me lembrando de você.
Peixoto fez-se sério como um ministro de Estado quando vai à televisão embromar o eleitorado. Apanhou o copo que o garçom colocara em sua frente, deu um gole minúsculo e pediu:
— Explique-se, por favor.
Leleco sorriu:
— O motivo é fútil e eu espero que me perdoe. Mas é engraçado. De uns tempos para cá eu me meti com uma pequena de São Paulo. Moça rica, com facilidade de aparecer aqui no Rio de vez em quando. Sabe como é. A gente vai levando. No princípio eu não notei a semelhança. Mais tarde ela mesma é que me chamou a atenção. Num dos nossos encontros ela me perguntou se eu te conhecia.
— A mim?
— Sim, a você. Ela, aliás, não te conhece. Vai escutando só… Ela perguntou e eu — é lógico — disse que sim. Ela então quis saber se de fato era parecida com sua mulher.
— Alice?
— Isto, a Alice, sua esposa. Disse que pessoas aqui do Rio, que conhecem vocês (ela não me contou quem foi), haviam afirmado que ela se parecia muito com sua mulher. Só então eu notei que, de fato, as duas se parecem bastante, apenas num ou noutro detalhe são diferentes. Por exemplo: a Laís é loura.
— O nome dela é Laís?
— É Laís. Ela é loura e sua esposa, se não me engano, tem os cabelos pretos, não?
— Pretos, não digo. São castanho-escuros.
— Eu não vejo a Alice há algum tempo. Mas que são parecidas, não há dúvida. Lógico, a Laís… eu posso dizer porque é uma simples aventura, entende? … a Laís é meio boboquinha, grã-finoide. Não tem a classe, assim… como direi, a postura da Alice.
Nesta altura Peixoto deu uma gargalhada, deixando o Leleco meio sobre o aparvalhado. Ia perguntar o porquê da risada, mas Peixoto ria e fazia-lhe um sinal com a mão de que ia explicar:
— Leleco, esta é ótima. Você não sabe por que qui eu vim aqui.
— Tomar um uísque, não foi?
— Bem, o uísque era pretexto. Eu vim aqui justamente porque recebi um telefonema anônimo, de alguém que jura que viu minha mulher entrando no seu apartamento.
— O quê??? — Leleco ficou meio embaraçado: — Pelo amor de Deus, você não contou isto à sua esposa, não cometeu esta injustiça por minha causa.
— Claro que não — mentiu Peixoto, que ficou sem graça por um instante, mas o bastante para que qualquer um percebesse que tivera a maior bronca com a mulher e saíra da discussão sem estar convencido de sua inocência.
Mas repetiu:
— Claro que não. Eu vim encontrar você aqui para conversar sobre o assunto. Eu não dei maior importância ao telefonema, mas queria que você tomasse conhecimento dele. Alguém que não gosta de você está querendo metê-lo numa fria.
— Pelo visto não é bem assim.
— Claro — apressou-se Peixoto em dizer: — Quem telefonou tinha uma certa razão — e virando-se para o garçom: — Mais dois aqui — ajeitou-se e com visível satisfação: — Vamos tomar mais um que eu tenho que sair.
Meia hora depois Peixoto saía do bar, rumo ao lar. Ia lépido, fagueiro, como alguém que se livra de um problema chato. Ia pensando em como é bom o sujeito ser calmo e precavido antes de tomar uma atitude.
Quanto a Leleco, assim que Peixoto saiu, foi para o telefone do bar, ligou para Alice e quando ela atendeu, falou:
— Neguinha? Quebrei o galho. A história colou — e, com certa apreensão na voz: — Mas, por favor, joga fora essa peruca loura antes que ele chegue aí.
O Maior Festival de Besteira que já Assolou e voltou Assolar o País
II Parte
Eram parecidíssimas
Peixoto entrou no escurinho do bar e ficou meio sobre o peru de roda, indeciso entre sentar-se na primeira mesa vaga ou caminhar mais para dentro e escolher um lugar no fundo. Mas sua indecisão durou pouco. Logo ouviu a voz de Leleco, a chamá-lo:
— Ei, Peixoto, venha para cá!
Estremeceu ao dar com o outro acenando, mas estufou o peito e aceitou o convite com ar muito digno, encaminhando-se para a mesa de Leleco.
— Senta aí, rapaz — disse Leleco, ajeitando a cadeira ao lado: — Você por aqui é novidade.
— De fato — concordou Peixoto, evasivo.
Leleco era todo gentilezas:
— Que é que vais tomar? Toma um Vat, o uísque daqui é ótimo. Você sabe, eu venho a este bar quase todas as tardes. É um hábito bom, este uisquinho antes de ir para casa.
— É. Eu sei que você costuma vir aqui de tarde.
Peixoto aceitou o uísque sugerido, o garçom afastou-se e Leleco não perdeu o impulso. Continuou falando:
— Engraçado você ter aparecido aqui, Peixoto.
— Engraçado por quê? — a pergunta foi feita num tom ansioso, mas o outro não pareceu notar.
— É que, ultimamente, eu toda hora estou me lembrando de você.
Peixoto fez-se sério como um ministro de Estado quando vai à televisão embromar o eleitorado. Apanhou o copo que o garçom colocara em sua frente, deu um gole minúsculo e pediu:
— Explique-se, por favor.
Leleco sorriu:
— O motivo é fútil e eu espero que me perdoe. Mas é engraçado. De uns tempos para cá eu me meti com uma pequena de São Paulo. Moça rica, com facilidade de aparecer aqui no Rio de vez em quando. Sabe como é. A gente vai levando. No princípio eu não notei a semelhança. Mais tarde ela mesma é que me chamou a atenção. Num dos nossos encontros ela me perguntou se eu te conhecia.
— A mim?
— Sim, a você. Ela, aliás, não te conhece. Vai escutando só… Ela perguntou e eu — é lógico — disse que sim. Ela então quis saber se de fato era parecida com sua mulher.
— Alice?
— Isto, a Alice, sua esposa. Disse que pessoas aqui do Rio, que conhecem vocês (ela não me contou quem foi), haviam afirmado que ela se parecia muito com sua mulher. Só então eu notei que, de fato, as duas se parecem bastante, apenas num ou noutro detalhe são diferentes. Por exemplo: a Laís é loura.
— O nome dela é Laís?
— É Laís. Ela é loura e sua esposa, se não me engano, tem os cabelos pretos, não?
— Pretos, não digo. São castanho-escuros.
— Eu não vejo a Alice há algum tempo. Mas que são parecidas, não há dúvida. Lógico, a Laís… eu posso dizer porque é uma simples aventura, entende? … a Laís é meio boboquinha, grã-finoide. Não tem a classe, assim… como direi, a postura da Alice.
Nesta altura Peixoto deu uma gargalhada, deixando o Leleco meio sobre o aparvalhado. Ia perguntar o porquê da risada, mas Peixoto ria e fazia-lhe um sinal com a mão de que ia explicar:
— Leleco, esta é ótima. Você não sabe por que qui eu vim aqui.
— Tomar um uísque, não foi?
— Bem, o uísque era pretexto. Eu vim aqui justamente porque recebi um telefonema anônimo, de alguém que jura que viu minha mulher entrando no seu apartamento.
— O quê??? — Leleco ficou meio embaraçado: — Pelo amor de Deus, você não contou isto à sua esposa, não cometeu esta injustiça por minha causa.
— Claro que não — mentiu Peixoto, que ficou sem graça por um instante, mas o bastante para que qualquer um percebesse que tivera a maior bronca com a mulher e saíra da discussão sem estar convencido de sua inocência.
Mas repetiu:
— Claro que não. Eu vim encontrar você aqui para conversar sobre o assunto. Eu não dei maior importância ao telefonema, mas queria que você tomasse conhecimento dele. Alguém que não gosta de você está querendo metê-lo numa fria.
— Pelo visto não é bem assim.
— Claro — apressou-se Peixoto em dizer: — Quem telefonou tinha uma certa razão — e virando-se para o garçom: — Mais dois aqui — ajeitou-se e com visível satisfação: — Vamos tomar mais um que eu tenho que sair.
Meia hora depois Peixoto saía do bar, rumo ao lar. Ia lépido, fagueiro, como alguém que se livra de um problema chato. Ia pensando em como é bom o sujeito ser calmo e precavido antes de tomar uma atitude.
Quanto a Leleco, assim que Peixoto saiu, foi para o telefone do bar, ligou para Alice e quando ela atendeu, falou:
— Neguinha? Quebrei o galho. A história colou — e, com certa apreensão na voz: — Mas, por favor, joga fora essa peruca loura antes que ele chegue aí.
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Leia também:
Stanislaw PP - FeBeAPá: O Festival de Besteira (1)
Stanislaw PP - FeBeAPá: O Festival de Besteira (2)
Stanislaw PP - FeBeAPá: O Festival de Besteira (3)
Stanislaw PP - FeBeAPá: O Festival de Besteira (4)
Stanislaw PP - FeBeAPá: O puxa-saquismo desvairado
Stanislaw PP - FeBeAPá: Meio a meio
Stanislaw PP - FeBeAPá: O informe secreto
Stanislaw PP - FeBeAPá: Nas tuberosidades isquiáticas
Stanislaw PP - FeBeAPá: A conspiração
Stanislaw PP - FeBeAPá: Desrespeito à região glútea
Stanislaw PP - FeBeAPá: Garotinho corrupto
Stanislaw PP - FeBeAPá: Por trás do biombo
Stanislaw PP - FeBeAPá: Depósito bancário
Stanislaw PP - FeBeAPá: “O general taí”
Stanislaw PP - FeBeAPá: O antológico Lalau
Stanislaw PP - FeBeAPá: O paquera
Stanislaw PP - FeBeAPá: O sabiá do almirante
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* Roberto Campos (1917-2001), ministro do Planejamento do governo Castello Branco.
** Guilherme Borghoff, secretário de Economia do governo Carlos Lacerda.
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SÉRGIO PORTO nasceu no Rio de Janeiro em 1923 e morreu na mesma cidade em 1968. Foi cronista, radialista, homem de teatro e TV, compositor. Conhecido nacionalmente por meio do pseudônimo Stanislaw Ponte Preta, publicou, além de Febeapá, coletâneas de crônicas, textos sobre futebol, entre outros.
SÉRGIO PORTO nasceu no Rio de Janeiro em 1923 e morreu na mesma cidade em 1968. Foi cronista, radialista, homem de teatro e TV, compositor. Conhecido nacionalmente por meio do pseudônimo Stanislaw Ponte Preta, publicou, além de Febeapá, coletâneas de crônicas, textos sobre futebol, entre outros.
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