quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Cruz e Sousa - Poesias Completas: Dispersas LVII - Entre Luz e Sombra

Cruz e Sousa


Obra Completa
Volume 1
POESIA



O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos

Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos



DISPERSAS 




   
ENTRE LUZ E SOMBRA

           Ao dia 7 de Setembro
           Libertas Lux Dei!!...


Surge enfim o grande astro
Que se chama Liberdade!...
Dos sec’los na imensidade
Eterno perdurará!...
Como as dúlias matutinas
Que reboam nas colinas,
Nas selvas esmeraldinas
Em honra ao celso Tupá!...

Eram só cinéreas nuvens
Os brasíleos horizontes!
Curvadas todas as frontes
Caminhavam no descrer! –
As brisas nem murmuravam...
Os bosques nem soluçavam...
Os peitos nem se arroubavam...
– Estava tudo a morrer!...

De repente, o sol formoso
Vai as nuvens esgarçando.
As almas vão palpitando,
Cintilam magos clarões!...
E o Índio fraco, indolente
Fazendo esforço potente
Dos pulsos quebra a corrente,
Biparte os acres grilhões!...

Por terra tomba gemendo
O vão, atroz servilismo...
Rui a dobrez no abismo...
Eis a verdade de pé!...
Enfim!... exclama o silvedo
Enfim!... lá diz quase a medo
Selvagem, nu Aimoré!...

Assim, brasílea coorte,
Falange excelsa de obreiros,
Soberbos, almos luzeiros
De nossa gleba gentil,
Quebrai os elos d’escravos
Que vivem tristes, ignavos,
Formando delas uns bravos
– P’ra glória mais do Brasil!...

Lançai a luz nesses crânios
Que vão nas trevas tombando
E ide assim preparando
Uns homens mais p’ro porvir!
Fazei dos pobres aflitos
Sem crenças, lares, proscritos,
Uns entes puros, benditos
Que saibam ver e sentir!...

Do carro azul do progresso
Fazei girar essa mola!
Prendei-os sim – mas à escola
Matai-os sim – mas na luz!
E então tereis trabalhado
O negro abismo sondado
E em nossos ombros levado
Ao seu destino essa cruz!!...

Fazei do gládio alavanca
E tudo ireis derribando;
Dormi, co’a pátria sonhando
E tudo a flux se erguerá!
E a funda treva cobarde
Sentindo homérico alarde,
Embora mesmo que tarde
Curvada assim fugirá!...

Enfim!... os vales soluçam
Enfim!... os mares rebramam
Enfim!... os prados exclamam
Já somos livre nação!!...
Quebrou-se a estátua de gesso...
Enfim!... – mas não... estremeço,
Vacilo... caio, emudeço...
Enfim de tudo inda não!!...






SETE DE SETEMBRO

Liberdade! Independência!...
Eis os brados grandiosos
Que quais raios luminosos
Fulguraram lá nos céus!...
Eis a mágica Odisseia
Que duns lábios rebentando,
Foi o povo transformando,
Foi rompendo os negros véus!...

As colinas, prados, montes,
As florestas seculares
– Os sertões, os próprios mares
Exultaram com fervor!
E os brados retumbaram
Pela lúcida devesa,
Pela virgem natureza
Com homérico clangor!...

Qual artista consumado,
Qual um velho estatuário
Do Brasil no azul sacrário,
Essa data vos traçou,
– O triunfo mais pujante,
A eleita das ideias,
A maior das epopeias
– Qu’inda igual não se gerou!...

Mas embora, meus senhores,
Se festeje a Liberdade,
A gentil Fraternidade
Não raiou de todo, não!...
E a pátria dos Andradas,
Dos Abreu, Gonçalves Dias
Inda vê nuvens sombrias,
Vê no céu fatal bulcão!...

Muito embora Rio Branco,
Esse cérebro profundo
Que passou por entre o mundo,
Do Brasil como um Tupã!...
Muito embora em catadupas
Derramasse o verbo augusto,
Da nação no enorme busto
Inda a mancha existe, há!...

É preciso com esforço,
Colossal, estranho, ingente,
Ir o cancro, de repente,
Esmagar que nos corrói!...
É preciso que essa Deusa,
A excelsa Liberdade,
Raie enfim na Imensidade
Mais altiva como sói!...

Sai da larva a borboleta
Com as asas auriazuis
E um disco vai – de luz
A deixar onde passou!
No entanto o grande berço
Das façanhas de Cabrito
Inda espera um novo grito
Como o – Basta – de Waterloo!...

Eu bem sei que Guttemberg
Que esse Fulton primoroso
Faust, Kepler grandioso
Trabalharam té vencer!
Mas embora tropeçassem
Acurando os seus eventos,
Tinham sempre tais portentos
A vontade por poder!...

Eia! sim! – p’ra Liberdade
Irrompei qual verbo eterno,
Como o – Fiat – superno
Pelos ares a rolar!
Eia! sim! – que nossa pátria
Só precisa – mas de bravos...
E em prol desses escravos
Seu dever é trabalhar!!...

Somos filhos dessa gleba
Majestosa aonde o gênio
Como o astro do proscênio
Solta as asas, mui febril!
Dos selvagens Tiaraiús
E dos brônzeos Guaicurus...
Somos filhos do Brasil!...

Esperemos, tudo embora!...
Pois que a sã locomotiva,
Do progresso imagem viva
Não se fez a um sopro vão!...
Aguardemos o momento
Das mais altas epopeias,
Quando o gládio das ideias
Empunhar toda a nação!...

Esperemos mais um pouco
Qu’inda há almas brasileiras
Que se lembrarão, sobranceiras,
Que é preciso progredir!...
Inda há peitos valerosos
Que combatem descobertos
Por florestas, por desertos,
Mas c’os olhos no porvir!...

Inda há lúcidas falanges,
Lutadores denodados
Que se erguem transportados
Burlando a sã razão!...
Inda há quem se recorde
Do Egrégio Tiradentes
Que do sangue as gotas quentes
Derramou pela nação!!...

Já nas margens do Ipiranga
Patrióticos acentos
Vão alados como os ventos
Pelos páramos azuis!!...
Vamos! Vamos! – eia! exulta,
Jovem pátria dos renomes...
– Vibra a lira, Carlos Gomes!
Bocaiúva, espalha luz!!...






__________________________


Leia também:

Cruz e Sousa - Poesias Completas: Dispersas LVII - Entre Luz e Sombra

__________________________



De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.


__________________________


Organização e Estudo
Lauro Junkes
Presidente da Academia Catarinense de Letras


© Copyright 2008
Avenida Gráfica e Editora Ltda.

Projeto Gráfico, Editoração e Capa
ESPAÇO CRIAÇÃO ARQUITETURA DESIGN E COMPUTAÇÃO GRÁFICA LTDA.
www.espacoecriacao.com.br
Fone/Fax: (48) 3028.7799

Revisão Linguístico-Ortográfica
PROFª Drª TEREZINHA KUHN JUNKES
PROF. Dr. LAURO JUNKES

Impressão e Acabamento
Avenida Gráfica e Editora Ltda.

Formato
14 x 21cm


FICHA CATALOGRÁFICA

Catalogação na fonte por M. Margarete Elbert - CRB14/167



S725o      Sousa, Cruz e, 1861-1898

                        Obra completa : poesia / João da Cruz e Sousa ; organização
                  e estudo por Lauro Junkes. – Jaraguá do Sul : Avenida ; 2008.
                         v. 1 (612 p.)

                         Edição comemorativa dos 110 anos de falecimento e do
                  traslado dos restos mortais de Cruz e Sousa para Santa Catarina.

                            1. Sousa, Cruz e, 1861-1898. 2. Poesia catarinense. I.
                  Junkes, Lauro. II. Titulo.

                                                                                      CDU: 869.0(816.4)-1



"A gente só tem saída na poesia."



Nenhum comentário:

Postar um comentário