domingo, 4 de setembro de 2022

histórias davóinha: becos sem saída (III) 16bs - na ponta dos pés

becos sem saída


(III) o descolocado
16bs – na ponta dos pés

baitasar


mas memória tem que admitir, Nessa aí... sobra bunda, uma formigona saúva, sobe na ponta dos pés, uma bailarina esquecida pelo palco depois alguns anos não fica na ponta, vai e volta, sobe e cai, não desiste, até que está lá de novo, sorri, quer melhor vista sobre o cercado, mas que atrevimento, melhor seria eu não ter visto nada dessa sem-vergonhice. A saúva ganhou uma mão nas pernas! Agarrou a bunda! Descarado, se fazendo de coitado pra ganhar sapato novo, desce da ponta dos pés, apoia os calcanhares e respira fundo, sente uma queimação na barriga das pernas, abaixa a cabeça e esfrega uma perna, depois outra, chuta algumas vezes a escuridão à sua frente, volta a subir nas pontas, coitadinhas preciso treinar mais, É muita exibição e fanfarronice, aposto que na hora do vamô vê, late, late, corre atrás do rabo, pula, saracoteia e não morde. Olha só... olha só... estão rindo na cara um do outro, que diabo de alegria é essa, é muito desaforo e desavergonhamento!

maria memória sente câimbras nas pernas e nas bocejas, a dor ensina a gemer, e também, faz descer os calcanhares, a língua parece latejar, fecha os olhos e os absolve com o sinal da cruz, um letreiro que salva e protege, abaixa a voz e esconde a boca com a mão, olha com cumplicidade à escuridão, tem nos lábios quase um risinho satânico, abaixa as sobrancelhas, seu olhar desdenhoso está ressentido de inveja, discute consigo mesma, hesita, duvida, caminha passos de lá para cá, duvidosa, Para quem ama a Deus, só a vontade de Deus importa, precisa matar seus desejos e buscar a perfeição

passam-se os amanhecimentos, e ela segue brigando com a saúva, o seu testemunho contra os seus desejos, Ando respirando mal, sufocando, ela se repetindo nos quefazeres da casa, comida, roupa lavada, vassouradas, pias, mamadas, cachaça, a escravidão da dona-de-casa

a memória daquela mão provoca, Não sou eu que quero pra mim, Deus me livre! E me perdoe!

incontáveis dias da memória na sua pequena escotilha espiã, a mão se enfiando, a boca se contraindo, Muito criativa essa mão preta, é coisa do demônio, só pode ser feitiçaria, tem vez que segura firme, a saúva ginga o traseiro, sobe as coxas por dentro, se revira toda, beliscões miúdos e descuidados, muxoxos confusos, Toda marcada, enfia os dedos por baixo da renda, vestida para dormir, a franja desalinhada, lábios vermelhos e quentes, úmidos e elegantes, os bicos arretados e estremecidos, calada, lambe os dedos, geme, sai correndo em seus panos de dormir, Mãos sujas que abundam pecados, segue lutando contra suas vontades má educadas

reza pelos pecadores e pecadoras, a boca agitada fica repetindo frases que não consegue terminar, Língua indecente!

faz promessas para os desavergonhados encontrarem o caminho da virtude, repete entre dentes e câimbras, Essa inha tem sorte que a vizinha mais perto no beco... sou eu. Fosse outra vizinha e já estariam todas sabendo da sem vergonha.

hoje decidiu que espera o virgílio acordada, e a conversa será sobre esses dois que moram tão perto e suas indecências


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