QUEM Manda, POR QUE Manda, COMO Manda
João Ubaldo Ribeiro Para meu amigo Glauber
Basicamente existem dois tipos de sistema eleitoral: o majoritário
(comumente chamado de voto distrital) e o proporcional. Estes dois
sistemas pretendem responder à seguinte pergunta: o que se quer como
resultado de uma eleição? Se o que se quer é uma eleição que gere
maiorias, prefere-se o voto distrital; se o que se quer é que a eleição reflita
a diversidade política, econômica, social e cultural existente numa
sociedade, prefere-se o voto proporcional.
O sistema majoritário é o que ocorre mais facilmente à imaginação
e também o que parece, à primeira vista, mais justo, racional e lógico,
pois o princípio que o orienta pode ser resumido de maneira bastante
simples: quem tem mais votos, ganha. Mas na prática a coisa não fica aí, e
há diversas complicações envolvidas, algumas das quais vamos ver em
seguida. Antes, contudo, cabe lembrar dois modelos de escrutínio
majoritário de aplicação muito difundida, cujo entendimento nos será útil.
O sistema majoritário pode ser uninominal, plurinominal ou por
listas. É uninominal quando se vota em um só nome para um só cargo. É
plurinominal quando se vota em mais de uma pessoa para o mesmo cargo;
por exemplo, para duas vagas de senador. É por listas quando se vota em
vários nomes para um órgão qualquer composto de várias pessoas. É o
que chamamos de chapa, nas eleições para grêmios, centros acadêmicos,
sindicatos, clubes e outras entidades. A chapa, por sua vez, pode ser
fechada ou aberta. É aberta quando nomes de uma chapa podem ser
combinados com nomes de outras chapas: posso votar no candidato a
presidente da chapa A, no candidato a tesoureiro da chapa B e no
candidato a secretário da chapa C. Já na chapa fechada ou bloqueada, o
eleitor não pode compor sua própria chapa: ou vota em bloco na chapa
de sua escolha ou não vota em nenhuma.
O sistema majoritário apresenta uma desvantagem grave: não
permite que as minorias sejam representadas, o que pode render
problemas sérios. Criando uma hipótese exagerada, mas que serve de
boa ilustração, suponhamos que, num país qualquer, a chapa A ganha da
chapa B por um milhão contra 999.990 votos. A diferença, sendo
somente de dez votos, tornaria esse país muito difícil de governar, com tão
marcada diferença entre a realidade da opinião pública e a composição
do governo. Não seria justo nem prático que metade do país mandasse na
outra metade, a qual não teria voz alguma nos negócios públicos. A
metade sem representação poderia frustrar-se e revoltar-se.
Deve-se levar em consideração também a possibilidade teórica de
que, em tal sistema, uma minoria relativamente pequena venha a
governar a maioria, traindo-se, assim, os objetivos do sistema majoritário.
Admita-se, por exemplo, que concorram às eleições quatro listas,
disputando um total de quatro milhões de votos. Se, por exemplo, a lista
A ganhar com 1 milhão e 50 mil votos, os votos das outras chapas,
evidentemente, somarão quase o triplo dos da eleita. Assim, a minoria
representada pela chapa A governaria a maioria representada pelas
outras. Ou seja, basta obter a maioria simples dos votos para ganhar
todos os cargos em disputa.
Por essas e outras razões, o sistema majoritário tem que ser usado
com grande cautela e, em muitas circunstâncias, é mesmo aconselhável
que não seja empregado. Não obstante, pode-se pensar em listas abertas,
o que parece melhorar bastante a situação. Mas somente parece, porque
a realidade é diferente. Vamos supor um país em que houvesse cem
vagas para o Parlamento e cada partido apresentasse sua lista de cem
candidatos. Isto quereria dizer que as áreas mais populosas do país seriam
super-representadas e as menos populosas sub-representadas, ou até não
representadas. Se um sistema como este fosse adotado no Brasil, por
exemplo, o Acre não teria deputados, já que dificilmente um candidato
acreano teria condições de reunir um número de votos maior do que o
menos votado dos candidatos paulistas.
Além disso, a depender das circunstâncias do país em questão, as
listas abertas poderiam ainda suscitar outro problema. Caso houvesse um
número muito grande de partidos, não seria impossível que a composição
do Parlamento ficasse tão fracionada entre dezenas de tendências que a
obtenção do consenso ou mesmo de uma simples maioria numa votação
poderia tornar-se virtualmente impossível, dificultando sobremaneira a
ação do governo. Em eleições para diretorias de entidades esse fenômeno
é comum, razão por que é quase universal a adoção de listas bloqueadas
ou chapas fechadas; eis que o funcionamento de um corpo dirigente
composto por pessoas antagônicas e rivais — consequência previsível das
listas abertas — será, no mínimo, tumultuado ou errático.
Muito bem, então introduzamos um aperfeiçoamento. Já que o
Brasil é uma federação, vamos dividir as listas pelos estados,
aproveitando a divisão política existente. Neste caso, haveria um conjunto
de listas para cada estado, conjunto este composto pelas listas
individuais de cada partido concorrente. Cada estado seria, portanto,
uma circunscrição eleitoral. Mas isto também requer refinamentos. Em
primeiro lugar, se houvesse o mesmo número de deputados para cada
estado, a população do país, como um todo, estaria desigualmente
representada. Por exemplo, havendo dez deputados para o Acre e dez
para São Paulo, é claro que o deputado paulista precisaria de muito mais
votos para eleger-se que o acreano, já que o número de eleitores paulistas
dividido por dez seria bem maior do que o número de eleitores acreanos
dividido por dez. O que quer dizer que um voto acreano valeria muito
mais do que um voto paulista, com evidentes e gravíssimas distorções na
representação. E, de mais a mais, onde o número de representantes é
igual para todos os estados é o Senado, porque o senador é um
representante da federação. Assim, o Acre (para ficarmos no exemplo) tem
os mesmos três senadores que São Paulo, não importa a diferença
populacional entre ambos.
Para evitar esses problemas, países como a Inglaterra, o Japão e os
Estados Unidos, por exemplo, adotaram a idéia de distritos, isto é,
pequenas circunscrições eleitorais, com populações idealmente iguais.
Idealmente, porque todos os países adotam uma certa compensação. Nos
Estados Unidos, por exemplo, é preciso compensar, caso contrário estados
como a Califórnia e Nova York ficariam super-representados e Nebraska e
Arkansas ficariam sub-representados.
Com a criação dos distritos, o problema fica consideravelmente
abrandado, mas não deixam de existir problemas, pois nenhum sistema
eleitoral pode aspirar a ser livre de defeitos de maior ou menor
gravidade. Para começar, é necessário uma constante vigilância quanto à
composição populacional dos distritos. Em alguns anos, uma área
densamente povoada pode passar a ter menos gente, ou vice-versa. A
autoridade eleitoral, por conseguinte, tem que exercer uma permanente
fiscalização e providenciar a reformulação dos distritos, toda vez que o
censo demográfico indicar que houve alteração populacional significativa,
para cima ou para baixo. Nos Estados Unidos, por exemplo, o que se faz é
um processo de redistritamento (nova divisão) ao final de cada eleição, isto
é, de dois em dois anos, que é a duração dos mandatos dos deputados
americanos. Esta divisão é sempre realizada pela Assembleia Legislativa
de cada um dos cinquenta estados americanos.
Entretanto, mesmo com a adoção dos distritos as minorias são
sub-representadas, porque a tendência, historicamente observável, é de
que o eleitorado se polarize em duas posições, excluindo os chamados
terceiros partidos. Para ilustrar, vamos supor que haja três distritos e três
partidos. No distrito 1, a votação para o partido A é de 2 mil, para o B
1.500, para o C 1.200; no 2, para o A 1.600, para o B 1.700 e para o C
também 1.600; no 3, para o A novamente 2 mil, para o B 1.400 e para o
C 1.800. Como se vê aí, o partido A fez dois deputados, o B um e o C
nenhum. No entanto, existem muitas pessoas que votaram no partido C,
mas que, pelas circunstâncias do sistema, não têm representação.
Além de com isso obter-se um retrato falso da realidade, com o
tempo os eleitores se cansam de nunca conseguirem eleger ninguém e se
aproximam do partido A ou B — do que menos desgosta, enfim. Isto é,
efetivamente, o que tem acontecido na maioria dos países que praticam o
voto distrital, onde terceiros partidos são inexpressivos, engolidos pela
lógica eleitoral bipartidária.
continua na página 096...
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Leia também:
João Ubaldo Ribeiro - Política: Sistemas Eleitorais(1)
João Ubaldo Ribeiro (1941-2014) foi romancista, cronista, jornalista, tradutor e professor brasileiro. Membro da Academia Brasileira de Letras ocupou a cadeira n.º 34. Em 2008 recebeu o Prêmio Camões. Foi um grande disseminador da cultura brasileira, sobretudo a baiana. Entre suas obras que fizeram grande sucesso encontram-se "Sargento Getúlio", "Viva o Povo Brasileiro" e "O Sorriso do Lagarto".
João Ubaldo Ribeiro nasceu na ilha de Itaparica, na Bahia, no dia 23 de janeiro de 1941, na casa de seus avós. Era filho dos advogados Manuel Ribeiro e de Maria Filipa Osório Pimentel.
João Ubaldo foi criado até os 11 anos, em Sergipe, onde seu pai trabalhava como professor e político. Fez seus primeiros estudos em Aracaju, no Instituto Ipiranga.
Em 1951 ingressou no Colégio Estadual Atheneu Sergipense. Em 1955 mudou-se para Salvador, e ingressou no Colégio da Bahia. Estudou francês e latim.
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© 1998 by João Ubaldo Ribeiro
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R369p
Ribeiro, João Ubaldo 3 ed. Política; quem manda, por que manda, como manda / João Ubaldo Ribeiro. — 3.ed.rev. por Lucia Hippolito. — Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
Apêndice
1. Ciência política. I. Título
CDD 320
CDU 32
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