sábado, 20 de abril de 2024

Memórias - 15: rainha do lar

No se puede hacer la revolucion sin las mujeres

Livro Dois

baitasar

Memórias

15 – rainha do lar

quando o relógio despertador destruía o encanto do adormecimento com seu canto de galo, não pensava duas vezes, levava a mão ao lado e num só golpe apertava o pescoço do Alvorado até se quebrar, ¡Ya está! ¡Está listo para ser asado y servido en la mesa del almuerzo!

o jogo de perguntas, respostas e estalos estava começando, o casarão acordava e ordenava que dona Manuela retomasse suas funções genéricas, ela é a dona-da-casa

revestir seu corpo com a invariável e monótona vestimenta de esposa mãe dedicada e serva para o uso do ferro de desamassar roupas esfregar o banheiro dos bons costumes varrer casa lavar louças e panelas cozinhar as carnes para as carnes da sua carne, tudo feito, sem ouvir, ¡Gracias, mamá!

assim era, de tal modo, gerações e gerações em sua família, não sentia ser legítimo reclamar deste personagem que faz tudo por amor, suas vontades não tinham boca para reclamar

lhe foi dado o título honorífico de rainha do lar, uma soberana serviçal da trupe de hóspedes, ela sempre esteve lá para eles, uma presença constante em suas vidas, sempre pronta para atender seus pedidos, responder suas perguntas, achar seus perdidos, mas nunca escutou um obrigado real e amoroso em troca de tanto uso casual que faziam dela, recebendo recebendo e recebendo, ela se oferecendo oferecendo oferecendo, não acho que dona Manuela pedia reconhecimento, mas às vezes me perguntava se eles entendiam do esforço e dedicação que colocava de si mesma para cuidar deles

tudo isso, esse amor altruística e visceral, foi ensinado de mãe para filha, sob a vigilância da autoridade que tudo escuta e vê, uma prisão hereditária e vitalícia da sublime tríade: pai, mãe e filha

na verdade, eu acho que dona Manuela sentia um orgulho resignado do seu aprendizado, Se puede aprender a ser feliz, repetia baixinho

esposo, filhos e filhas chegavam aos contornos da dona Manuela em conta-gotas, no meio do dia, simplesmente esperavam que tudo estivesse pronto

os primeiros eram Anadyr e Calssado, os dois eram espantados para o banho, ¡Por favor, quítate esse olor de vaca y leche del pelo, manos y pies!

don Juan chegava abrindo panelas, experimentando os cheiros

¡Don Juan, vaya a lavarse!

os seis filhos saiam no atacado das manhãs e chegavam a granel para o almoço, jeitos de cada um e cada uma, criaturas únicas para quem aquela mulher vivia em devoção e permanente estado de alerta

cuidava e garantia a sobrevida das suas crias, era como esconder nas próprias entranhas a tesoura e o corte do cordão umbilical, entre ela, os filhos e as filhas, as ligações eram como os ventos do ar que não se pode ver, mas se materializam no medo dos ventos fortes, no bem-estar das brisas amenas do refrescamento

¡Niños, el almuerzo está en la mesa!

a primeira chamada, para acertarem os relógios desacertados, reajustava os ponteiros a cada novo chamado à mesa

Anadyr, quase sempre, era a primeira a sentar-se à mesa, depois se aproximavam Aryani e Angélyca

nada dos meninos

!Niños, la comida se esfría!

depois do segundo convite, don Juan fazia sua convocação, Rapazes, desçam já!

sob o comando de quem tem o direito e o poder chegavam em frenesi e colocavam-se em seus lugares

para don Juan e dona Manuela a organização da mesa durante as refeições era muito especial

arrumar os lugares na mesa era como usar determinada louça para certas comidas, seguir um protocolo específico de ordem e disposição das coisas e personagens, Essas tradições ajudam a fortalecer os laços familiares e criar momentos significativos durante nossas vidas, entenderam?

dona Manuela incluía receitas tradicionais da família nas refeições, ensinava as receitas para suas filhas, esperava o tempo de ensinar e encorajar suas filhas no uso do fogão

don Juan usava o tempo à mesa para contar e escutar histórias, memórias, usava seus instintos para fortalecer os laços entre os filhos e filhas

não começavam as refeições até que todos estavam à mesa sempre posta e preparada do mesmo modo

o chefe na cabeceira da mesa, os meninos sentados de um lado, Calssado, Crespo e Chiado, as meninas sentadas do outro lado, Anadyr, Angélyca e Aryani, na cabeceira oposta estava a dona da casa, e do seu jeito, deitada na cesta de vime, estava Maryá, como boa menina, dormia indiferente às conversas e revezamentos da família

eu, em pé, atrás da dona Manuela, em prontidão para retirar ou levar à mesa

tudo pronto, a mesa estava posta, todos nos seus lugares habituais, faltava agradecimento, Senhor Bom Deus, cheio de misericórdia. Queremos agradecer o alimento desta família e pedir que a graça da sua bondade jamais nos abandone. Amém.

Amém!

respondia o coro agradecido e faminto

ninguém contestava, apenas Maryá virava e revirava a cabeça desassossegada, Tem paciência, hija mía... las chicas gruñonas son infelices...

___________________

Memórias - 10: família e vacas
Memórias - 15: rainha do lar

Nenhum comentário:

Postar um comentário