sábado, 19 de setembro de 2015

Missa, Pastoral, Quilombos e Índios... em nome do Deus sem dividição

Republicando

Pedro Casaldáliga


"Em nome de um deus supostamente branco e colonizador, que nações cristãs têm adorado como se fosse o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, milhões de Negros vem sendo submetidos, durante séculos, à escravidão, ao desespero e a morte. No Brasil, na América, na África mãe, no Mundo.
Deportados, como 'peças', da ancestral Aruanda, encheram de mão de obra barata os canaviais e as minas e encheram as senzalas de indivíduos desaculturados, clandestinos, inviáveis. (Enchem ainda de sub-gente - para os brancos senhores e as brancas madames e a lei dos brancos - as cozinhas, os cais, os bordéis, as favelas, as baixadas, os xadrezes).
Mas um dia, uma noite, surgiram os Quilombos, e entre todos eles, o Sinai Negro de Palmares, e nasceu, de Palmares, o Moisés Negro, Zumbi. E a liberdade impossível e a identidade proibida floresceram, 'em nome do Deus de todos os nomes', 'que faz toda carne, a preta e a branca, vermelhas no sangue'.
Vindos 'do fundo da terra', 'da carne do açoite', 'do exílio da vida', os Negros resolveram forçar 'os novos Albores' e reconquistar Palmares e voltar a Aruanda.
E estão aí, de pé, quebrando muitos grilhões - em casa, na rua, no trabalho, na igreja, fulgurantemente negros ao sol da Luta e da Esperança.
Para escândalo de muitos fariseus e para alívio de muitos arrependidos, a Missa dos Quilombos confessa, diante de Deus e da História, esta máxima culpa cristã.
Na música do negro Milton e de seus cantares e tocadores, oferece ao único Senhor 'o trabalho, as lutas, o martírio do Povo Negro de todos os tempos e de todos os lugares'.
E garante ao Povo Negro a Paz conquistada da Libertação. Pelos rios de sangue negro, derramado no mundo. Pelo sangue do Homem 'sem figura humana', sacrificado pelos poderes do Império e do Templo, mas ressuscitado da Ignomínia e da Morte pelo Espírito de Deus, seu Pai.
Como toda verdadeira Missa, a Missa dos Quilombos é pascal: celebra a Morte e a Ressurreição do Povo Negro, na Morte e Ressurreição do Cristo.
Pedro Tierra e eu, já emprestamos nossa palavra, iradamente fraterna, à Causa dos Povos Indígenas, com a 'Missa da Terra sem males', emprestamos agora a mesma palavra à Causa do Povo Negro, com esta Missa dos Quilombos.
Está na hora de cantar o Quilombo que vem vindo: está na hora de celebrar a Missa dos Quilombos, em rebelde esperança, com todos 'os negros da África, os Afros da América, os Negros do Mundo, na Aliança com todos os Pobres da Terra". 



Invocação à Mariama
Dom Hélder Câmara








"Louvação à Mariama" e "Marcha Final de Banzo e Esperança"








  Missa dos Quilombos - Milton Nascimento










A de Ó (Estamos Chegando)

Milton Nascimento




Estamos chegando do fundo da terra,
estamos chegando do ventre da noite,
da carne do açoite nós somos,
viemos lembrar.

Estamos chegando da morte dos mares,
estamos chegando dos turvos porões,
herdeiros do banzo nós somos,
viemos chorar.

Estamos chegando dos pretos rosários,
estamos chegando dos nossos terreiros,
dos santos malditos nós somos,
viemos rezar.

Estamos chegando do chão da oficina,
estamos chegando do som e das formas,
da arte negada que somos,
viemos criar.

Estamos chegando do fundo do medo,
estamos chegando das surdas correntes,
um longo lamento nós somos,
viemos louvar.



A DE Ó


Estamos chegando dos rios fogões,
estamos chegando dos pobres bordéis,
da carne vendida que somos,
viemos amar.

Estamos chegando das velhas senzalas,
estamos chegando das novas favelas,
das margens do mundo nós somos,
viemos dançar.

Estamos chegando dos grandes estádios,
estamos chegando da escola de samba,
sambando a revolta chegamos,
viemos gingar.




A DE Ó


Estamos chegando do ventre de Minas,
estamos chegando dos tristes mocambos,
dos gritos calados nós somos,
viemos cobrar.

Estamos chegando da cruz dos engenhos,
estamos sangrando a cruz do batismo,
marcados a ferro nós fomos,
viemos gritar.

Estamos chegando do alto dos morros,
estamos chegando da lei da baixada,
das covas sem nome chegamos,
viemos clamar.

Estamos chegamos do chão dos quilombos,
estamos chegando no som dos tambores,
dos Novos Palmares nós somos,
viemos lutar.



A DE Ó


Composição: Milton Nascimento, Pedro Casaldáliga

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