quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Dostoiévski - O Idiota: Segunda Parte (1a) - Dois dias depois

O Idiota


Fiódor Dostoiévski

Tradução portuguesa por José Geraldo Vieira

Segunda Parte

1.

   Dois dias depois do estranho incidente na recepção em casa de Nastássia Filíppovna, com o qual finalizamos a primeira parte da nossa história, o Príncipe Míchkin seguiu inesperadamente para Moscou a fim de receber a sua inesperada fortuna. Foi dito que devia ter havido outros motivos para tão apressada partida; mas quanto a isso e quanto às aventuras do príncipe durante a sua ausência de Petersburgo pouca informação podemos dar. Esteve ausente seis meses; e mesmo aqueles que tinham razões para se interessarem por seu destino durante todo esse tempo, pouco vieram a saber. Mesmo os boatos que até eles chegaram espaçadamente foram, em sua maioria, estranhos e quase sempre contraditórios. A família Epantchín, naturalmente, tomou mais interesse do que quaisquer outras pessoas, apesar dele se ter ido embora sem mesmo se despedir. O General Epantchín viu-o duas ou três vezes; tiveram certa conversação séria. Mas, embora o tendo visto, não fez menção à família. E no começo, com efeito, no mínimo por um mês depois da partida do príncipe, o seu nome foi evitado pelos Epantchín.
   Só a generala, logo no começo, dissera “que se havia enganado cruelmente com o príncipe”. Dois ou três dias depois acrescentara, vagamente, sem mencionar o nome de Míchkin, “que a coisa mais chocante da sua vida era o modo por que continuamente se enganava a respeito de pessoas”. E, finalmente, uns dez dias depois, ao se zangar com as filhas, explodiu, acrescentando judiciosamente:

“Basta de tantos erros. Basta, daqui por diante.”

Devemos esclarecer que durante certo tempo a atmosfera sentimental da casa foi insuportável. Havia uma sensação de mal-estar como que de indizível discórdia. A atmosfera era tensa, pesada. Todo o mundo andava amuado. O general vivia atarefadíssimo, dia e noite, absorvido em seu trabalho. A família quase não o via mais. Raramente fora visto, antes, tão ocupado e ativo, especialmente no que concernia ao seu trabalho oficial. Quanto às meninas, nunca falavam abertamente uma palavra que fosse. Mesmo quando juntas sozinhas, muito pouco diziam. Eram moças orgulhosas, de brio, fechadas mesmo umas com as outras, embora se compreendessem entre si, não só com a palavra como com o olhar, nem sempre pois lhes sendo preciso falar muito. 
   Havia apenas uma conclusão a ser tirada por um observador neutro, caso houvesse algum: isto é, que a julgar pelos fatos acima mencionados, aliás bem poucos, o príncipe conseguira deixar forte impressão na família Epantchín, apesar de só ter estado com eles uma única vez e isso mesmo por tempo bem curto. Talvez o sentimento que ele inspirou não passasse de mera curiosidade despertada por suas aventuras excêntricas. Pouco a pouco os boatos que tinham circulado através da cidade se foram perdendo nas trevas da incerteza. 
   Contava-se, com efeito, a história de certo principezinho muito ingênuo (ninguém lhe sabia o nome), que entrara inesperadamente na posse de vasta fortuna, e que se casara com uma mulher francesa, uma notória dançarina de cancã do Château des Fleurs de Paris. Diziam outros, porém, que fora um general que se metera nos dinheiros e que o homem que se casara com a conhecida francesa dançarina de cancã era um jovem russo comerciante, de incrível fortuna, o qual, na cerimônia do casamento, por simples e pura arrogância, queimara, estando bêbado, em uma vela, talões de apólices no valor de setecentos mil rublos. Tais boatos, porém, acabaram se extinguindo, para isso tendo contribuído muito certas circunstâncias. Todos os do séquito de Rogójin, por exemplo, muitos dos quais poderiam ter esclarecido muita coisa, haviam partido, nas suas pegadas, para Moscou, uma semana depois de uma tremenda orgia no Vauxhall de Ekaterinhóf e na qual tomara parte Nastássía Filíppovna. As poucas pessoas interessadas no caso ficaram cientes, através de certas informações, de que Nastássia Filíppovna, logo depois da orgia, fugira sem deixar vestígios, tendo constado traços de sua passagem por Moscou; e tanto que a partida de Rogójin para Moscou coincidia com tal boato. Da mesma forma correram rumores a respeito de Gavríl Ardaliónovitch Ívolguin, também muito conhecido em determinadas rodas. Mas certa coisa lhe aconteceu que abrandou e fez parar completamente, todas as histórias a seu respeito: caiu seriamente doente, não podendo voltar ao escritório e menos ainda à sociedade.
   Restabeleceu-se após um mês de enfermidade, mas, por motivos que ele lá sabia, resignou ao cargo que desempenhava no escritório, como guarda-livros da Companhia, tendo sido substituído por outra pessoa. Nem uma vez, sequer, voltou à casa dos Epantchín. de maneira que um novo escriturário tomou os encargos de secretário do general. 
   Os inimigos de Gavríl Ardaliónovitch poderiam insinuar que ele ficara tão humilhado com o que lhe acontecera que se envergonhava até de sair à rua; mas, na verdade, estava doente, tendo até sofrido um ataque de hipocondria; deu em ficar taciturno e irritável. Naquele mesmo inverno, Varvára Ardaliónovna se casou com Ptítsin. Quantos os conheciam deduziram que o casamento foi consequência do fato de Gánia não querer retomar as suas obrigações e não estar capacitado para tomar conta da família, chegando a necessitar de assistência e mesmo de cuidados dos seus. 
   Notemos, de passagem, que na família Epantchín não se faziam sequer referências a Gavríl Ardaliónovitch, como se este nunca tivesse sido visto e com efeito nem existisse no mundo, absolutamente. Ainda por cúmulo, a família inteira veio a saber, logo depois, um fato notável a respeito dele. 
   Na noite fatal, depois da sua desagradável experiência com Nastássia Filíppovna, Gánia não se deitara, depois de chegar a casa, tendo ficado à espera do príncipe, com uma impaciência febril. O príncipe, por sua vez, tendo ido a Ekaterinhóf, só voltara a casa às seis horas da manhã seguinte. Então Gánia entrara nos cômodos dele e depusera sobre a mesa, à sua frente, o pacote de notas entreaberto com que Nastássia o presenteara enquanto jazia desacordado no chão. E solicitara ao príncipe devolver na primeira oportunidade o presente. Que, ao entrar nos cômodos de Míchkin, o fizera de maneira desesperada e quase hostil; mas que, depois da troca de algumas palavras entre os dois, Gánia permanecera lá mais de duas horas, chorando amargamente todo o tempo, tendo os dois se separado em termos amistosos.
   Tal história, que chegou ao conhecimento dos Epantchín, aconteceu ser perfeitamente exata. Estranho foi, naturalmente, que tais fatos pudessem logo transparecer e cair no conhecimento geral. Tudo quanto tinha acontecido, por exemplo, em casa de Nastássia Filíppovna, se tornou conhecido dos Epantchín quase que no dia imediato e de maneira minuciosa. Quanto aos fatos relativos a Gavríl Ardaliónovitch, poder-se-ia supor que tivessem sido levados até à casa dos Epantchín por Varvára Ardaliónovna, que se tornara muito amiga das moças, embora talvez não falasse nada do irmão. Pelo menos não devia. Ela também era uma mulher altiva, à sua maneira, e era esquisito que buscasse intimidade com quem tinha despedido seu irmão. Já era conhecida, desde muito antes, das meninas Epantchín. mas as vinha ver raramente. Mesmo agora mal se mostrava na sala de visitas e entrava, ou melhor, deslizava pela escada dos fundos. 
   Lizavéta Prokófievna nunca se incomodara com ela outrora e muito menos agora. o que não a impedia de demonstrar grande respeito pela mãe, Nina Aleksándrovna. 
   Ficara espantada, amuara e considerava a intimidade das filhas com Vária como uma veneta qualquer e caprichos de quem “não sabia de que maneira contrariar a própria mãe”. Mas Vária continuara a visitá-las, tanto antes como depois de casada, No entanto, um mês depois da partida do príncipe, a Sra, Epantchiná recebeu uma carta da velha Princesa Bielokónskaia. que tinha ido passar quinze dias com a filha mais velha casada; e essa carta lhe produziu um efeito marcante, nada, porém, tendo referido às filhas e nem a Iván Fiódorovitch, ficando por vários indícios provado que a sua extrema excitação provinha disso. 
   Deu em falar de modo algo estranho às filhas e sempre a respeito de assuntos extraordinários; evidentemente estava ansiosa por abrir seu coração, a custo se contendo. 
   No dia em que recebera a carta se mostrara de uma bondade incomum para com todos; chegara mesmo a beijar Adelaída e Agláia; confessara até que estava em falta com elas; escusado dizer que as moças ficaram sem entender. Mostrou-se mesmo indulgente com Iván Fiódorovitch, com o qual durante um longo mês estivera “atravessada”. 
   Claro que já no dia seguinte se arrependeu da própria sentimentalidade, arranjando motivos para se indispor com todos, antes do jantar, só clareando o horizonte lá pela noitinha. Durou toda uma semana esse esplêndido bom humor, caso que não se dava havia muito tempo. 
   Uma semana mais tarde chegou outra carta da Princesa Bielokónskaia; e então a Sra. Epantchiná resolveu falar. Anunciou. com toda a solenidade, que a “velha Bielokónskaia (nunca chamava de outro modo a princesa na ausência da mesma, quando a ela se referia) lhe mandara reconfortantes novas a propósito daquele... “extravagante indivíduo, aquele príncipe, sabem qual, pois não?” 
   A velha dama lhe descobrira as pegadas em Moscou, informara-se a respeito e descobrira coisas bem boas. O príncipe fora afinal ter com ela, causara-lhe excelente impressão, conforme ficara evidente só com o fato de ela o ter convidado a ir vê-la todos os dias, entre uma e duas horas. Ele não lhe deu trégua desde esse dia; e ela ainda não se aborreceu dele”, concluiu a Sra. Epantchiná acrescentando mais que, por interferência da “velha”, o príncipe fora recebido em casa de duas ou três boas famílias. “Ainda bem que ele não se plantou em casa e não se manteve tão arisco como um palerma.” 
   As moças a quem tudo isso foi comunicado perceberam logo que sua mãe estava escondendo muita coisa da tal carta. Muita coisa que, decerto vieram a saber através de Varvára Ardaliónovna, provavelmente a par de tudo por Ptítsin, que sabia quanto se passava com o Príncipe nessa sua estada em Moscou. E Ptítsin estava em condições de saber muito mais do que qualquer outra pessoa, malgrado o seu impenetrável silêncio costumeiro a propósito de negócios, apenas Vária lhe conseguindo arrancar as palavras. 
   A Sra. Epantchiná ficou antipatizando ainda mais com ela, por causa disso.
   Mas, fosse o que fosse, o gelo se rompera sendo já possível falar alto naquela casa sobre o príncipe.
   Desta forma o grande interesse por ele despertado e a extraordinária impressão deixada na família, mais uma vez se evidenciaram. A mãe ficou perplexa com o efeito que as notícias de Moscou causaram sobre as filhas. E as filhas, por sua vez, perplexas ficaram com a mãe que, depois de declarar que “a coisa mais chocante da sua vida era a facilidade com que se enganava com certas pessoas”, procurava sem embargo para o príncipe, a proteção da “onipotente” e velha Princesa Bielokónskaia, o que decerto custara muita insistência e súplica, pois se sabia quão difícil era à “velhota” deixar que outros se prevalecessem dela em tais casos.
   Logo que o gelo se rompeu e o vento mudou, também o general se apressou em explicar-se. 
   Ficou evidente que também ele tomara o Príncipe sob especial interesse. Mas só discutiu o aspecto comercial da questão, Veio a saber-se que, no interesse mesmo do Príncipe, solicitara a certas pessoas influentes de Moscou - umas duas em quem podia confiar - para o vigiarem, como lhes fosse possível; e vigiarem principalmente o tal Salázkin a quem o príncipe confiara o seu caso. Tudo quanto sobre a fortuna fora dito - ou melhor, quanto à exatidão dessa fortuna” - era realidade; mas o espólio propriamente dito era menos considerável do que se tinha murmurado no começo. 
   A propriedade estava em parte sobrecarregada com dívidas, outros pretendentes tinham surgido também, e apesar dos conselhos dados ao príncipe, ele se vinha comportando de modo a prejudicar-se. “Que Deus o proteja!” 
   Agora que o gelo do silêncio se rompera, o general estava contente em poder exprimir o seu modo de sentir “com toda a sinceridade do seu coração”, muito embora “esse indivíduo fosse um pouco destituído”, acrescentou. como bom observador. 
   E a prova é que fizera uma série de coisas estúpidas. 
   Credores do falecido comerciante tinham feito suas reclamações, por exemplo, baseando-se em documentos sem valor ou a estudar. Muitos mesmo, enfunando-se com o temperamento do príncipe, chegaram a apresentar-se sem documentos de qualquer ordem, e - parece incrível! - o príncipe satisfizera a maioria deles malgrado as asseverações dos amigos de que toda essa corja de credores não tinha absolutamente direito a coisa alguma; e que o único motivo pelo qual os satisfizera fora o estarem eles atualmente em más condições.
   A Sra. Epantchiná observou que a velha Bielokónskaia lhe mandara dizer, em carta, algo a respeito e que isso “era estúpido. muito estúpido. Mas os malucos não têm cura”, acrescentara ela taxativamente; mas aditara de modo a evidenciar quanto lhe agradava a conduta desse “maluco”. 
   Notou afinal o general quanto a mulher se interessava por Míchkin, como se fosse seu filho, dando logo em se mostrar afetuosa com Agláia, o que dantes não acontecia. Vendo isso, Iván Fiódorovitch adotou a política de tomar, por certo tempo, o ar próprio de quem anda ocupadíssimo em negócios. Mas esse agradável estado de coisas não perdurou muito. Quinze dias depois, houve, outra vez, uma inesperada mudança. A generala amuou; e então, encolhendo os ombros, o General Epantchín se resignou outra vez ao “gelo do silêncio”.
   O fato foi que, duas semanas antes, ele recebera uma carta confidencial, não muito clara, mas autêntica, informando-o de que Nastássia Filíppovna, que no começo tinha desaparecido em Moscou, depois de lá mesmo ter sido encontrada por Rogójin, sumira outra vez e de novo fora reencontrada, tendo- lhe prometido casar-se com ele. E o incrível é que, depois desses quinze dias, Sua Excelência tinha, de repente, vindo a saber que ela escapulira pela terceira vez, quase na véspera do casamento, ocultando-se em uma província qualquer, coincidindo que na mesma ocasião o Príncipe Míchkin também sumira, deixando os seus negócios nas mãos de Salázkin. “Se com ela, ou em perseguição dela, não ficou esclarecido. mas que há coisa nisso, há”. concluíra o general.
   Lizavéta Prokófievna também recebeu notícias desagradáveis. O remate de tudo isso foi que, dois meses depois da partida do príncipe, quase todos os boatos a seu respeito se extinguiram em Petersburgo e o “gelo do silêncio” não foi mais rompido pela família Epantchín. 
   Mas Vária continuava a visitar as moças.

continua página 164..
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O Idiota: Primeira Parte (1a.) Em dada manhã...
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O Idiota: Segunda Parte (1a) - Dois dias depois

D. Quixote - Cervantes Vol 1 - 1ª Parte L3 Capitulo XXVII: De como se houveram o cura e o barbeiro

D. Quixote de la Mancha

Miguel de Cervantes

Vol 1

O Engenhoso Fidalgo 
D. Quixote de la Mancha 
Miguel de Cervantes


PRIMEIRA PARTE

LIVRO TERCEIRO

CAPÍTULO XXVII

De como se houveram o cura e o barbeiro, com outras coisas dignas de ser contadas nesta grande história.


   Não pareceu mal ao barbeiro a maranha do cura; e tanto, que para logo a puseram por obra.
   Pediram à vendeira uma saia e umas toucas, deixando-lhe em penhor uma sotaina nova do cura. O barbeiro fez umas grandes barbas de um rabo de boi ruço ou ruivo, em que o taberneiro costumava espetar o pente.
   Perguntou-lhes a vendeira para que eram aquelas coisas. O cura contou-lhe em poucas palavras a loucura de D. Quixote, e como era conveniente aquele disfarce para o arrancar da montanha onde então estava. O vendeiro e a vendeira entenderam logo ser o doido o seu hospedado, o do bálsamo, e o amo do manteado escudeiro, e contaram ao cura tudo que com ele haviam passado sem omitirem o que Sancho tanto calava.
   Em suma, a vendeira entrajou ao cura de modo que não havia mais que pedir. Pôs-lhe uma saia de pano cheia de faixas de veludo preto largas de palmo, todas golpeadas, e umas roupinhas de veludo verde, com seus vivos de cetim branco; roupinhas e saia, que deviam remontar-se ao tempo de El-Rei Wamba.
   Não consentiu o cura em que o toucassem, mas pôs na cabeça um barretinho de linho estofado, que trazia para dormir de noite, e apertou-o na testa com uma fita de tafetá preto, e com outra fita prendeu por cima do rosto uma máscara feita à pressa, com que cobriu muito bem as barbas, e o semblante. Encaixou na cabeça o sombreiro, de abas tão largas, que lhe podia servir de guarda-sol, e, pondo aos ombros o seu ferragoulo, sentou-se na sua mula à moda das mulheres, o barbeiro montou igualmente na sua, com a sua barba que lhe chegava à cintura, entre ruiva e branca, por ser, como se disse, da cauda de um boi malhado.
   Despediram-se de todos, e da boa Maritornes, que prometeu rezar um rosário, ainda que pecadora, para que Deus lhes desse boa fortuna em tão trabalhoso e tão cristão negócio, como era o que empreendiam.
   Mas apenas da venda saiu o cura, quando se sentiu entrado dum escrúpulo; não lhe pareceu bem o ter-se posto daquela maneira, por ser coisa indecente para um sacerdote aquele trajo, embora muito apropriado à ocasião. Assim o disse ao barbeiro, rogando-lhe que trocassem entre si o disfarce, pois era melhor que o mestre representasse a donzela necessitada, e que ele, o padre, lhe serviria de escudeiro, pois desse modo se profanava menos a sua dignidade; e se não estava por si isso, decidiu não passar adiante ainda que o diabo levasse a D. Quixote.
   Neste ponto chegou Sancho, que, vendo os dois naquela mascarada, não pôde conter o riso.
   Com efeito o barbeiro conveio na lembrança do cura, e enquanto se trocavam de parte a parte os hábitos, foi-lhe o cura ensinando o papel que haviam de representar, e as palavras que se haviam de dizer a D. Quixote para o obrigar a vir com eles, e deixar o covil que tinha escolhido para a sua escusada penitência.
   Respondeu o barbeiro que aceitava a lição, e pontualmente a poria por obra. Dispensou vestir-se antes de chegarem perto donde D. Quixote estava, e dobrou o fato. O cura experimentou como lhe assentava a barba, e seguiram caminho, conduzidos por Sancho Pança, que os foi entretendo a contar-lhes o que lhes tinha acontecido na serra com o encontro do louco, mas sem boquejar, já se sabe, no achado da maleta, e do que nela havia; apesar de lerdo, o sujeitinho não deixava de ser fino.
   Ao seguinte dia chegaram aonde Sancho havia deixado postos os sinais das giestas; apenas as reconheceu, disse aos companheiros ser por ali a entrada, e que bem se podiam já vestir, supondo ser isso necessário para a liberdade do amo, porque eles lhe haviam já dito que o irem assim, e vestirem-se daquele modo, era importantíssimo para livrarem a D. Quixote da má vida a que se tinha posto, e que lhe recomendavam todo o cuidado de lhe não dizer quem eles eram, nem que os conhecia; e que se ele lhe perguntasse (como decerto havia de perguntar) se tinha entregado a carta a Dulcinéia, dissesse que sim e que, por não saber ler, ela lhe respondera vocalmente, dizendo-lhe que lhe mandava, sob pena de lhe descair da graça, que viesse logo logo ter com ela, para coisas que muito lhe importava, porque com isto, e com o mais que eles tencionavam dizer-lhe, tinham toda a esperança de o trazer a melhor modo de vida, convencendo-o a pôr-se logo em via para se ir fazer Imperador ou Monarca; e lá de ser Arcebispo nada temesse.
   Tudo aquilo ouviu Sancho muito atento, e foi registrando pontualmente na memória, agradecendo-lhes a tenção de aconselhar ao fidalgo que fosse Imperador e não Arcebispo, pois estava persuadidíssimo de que para fazerem mercês aos seus escudeiros mais podiam Imperadores que Arcebispos andantes.
   Disse-lhes também que seria bom ir ele adiante para lhe dar primeiro a resposta da sua senhora, o que só por si bastaria para se ele dali desencovilar, sem eles terem para isso mais trabalho.
   Tomou-lhes o conselho de Sancho, pelo que determinaram ficar à sua espera, até que ele voltasse com a notícia de ter encontrado o fidalgo.
   Entranhou-se o escudeiro por aquelas quebradas da serra, deixando-os ambos numa delas, por onde manava um pequeno e manso regato, sombreado fresca e agradavelmente de outras penhas e árvores, que por ali abundavam.
   Era aquele um dos calmosos dias de Agosto, que por essas partes costumava ser as zinas do verão; a hora, as três da tarde; o que tudo concorria para tornar o sítio mais aprazível e convidativo para nele esperarem como de feito fizeram.
   Estando assim ambos remansados e à sombra, chegou-lhes aos ouvidos uma voz, que, desacompanhada de instrumento algum, soava doce e regaladamente, do que não pouco se admiraram, por lhes parecer que não era lugar aquele onde se esperar quem tão bem cantasse, porque deixar dizer que pelos bosques e campos se acham pastores de vozes peregrinas mais são isso encarecimentos de poetas, que verdades. A mais subiu ainda a maravilha, quando repararam serem versos o que ouviam cantar, não de estilo de pegureiros rústicos, mas de cortesãos discretos; no que os foi confirmando cada vez mais o teor das letras, que dizia assim:

Quem menoscaba meus bens? 
 desdéns. 
Quem mais ceva meus queixumes? 
 ciúmes. 
Quem me apura a paciência? 
 a ausência. 
De meu fado na inclemência, 
nenhum remédio se alcança, 
pois me dão morte: esperança, 
desdéns, ciúmes e ausência.

Quem me causa tanta dor? 
 amor. 
Quem me as glórias arruína?
 mofina. 
Quem às dores me há votado? 
 o fado. 
Receio me é pois fundado 
morrer deste mal tirano, 
pois conspiram em meu dano 
o amor, a mofina e o fado.
   
Quem pode emendar-me a sorte? 
 a morte. 
O bem de amor quem no alcança?
 mudança. 
E seus males quem os cura?
 loucura. 
Então em vão se procura 
remédio algum a tais chagas, 
sendo-lhe únicas triagas 
morte, mudança, loucura.

   A hora, a conjuntura, a soledade, a voz e a perícia do cantor, causaram maravilha e contentamento nos dois ouvintes, que ficaram imóveis, aguardando continuação; como porém o silêncio se prolongasse, determinaram sair à procura de tão esmerado músico.
   Iam já efetuá-lo, quando a mesma voz os tornou a deter com este

   SONETO

Santa amizade, que habitar imitas 
neste baixo, fingido, e térreo assento, 
mas que tens por morada o firmamento 
coas essências angélicas benditas.

De lá, por dó das térreas desditas, 
sonhos nos dás de alegre fingimento, 
imitações do céu por um momento, 
fugaz consolo às regiões prescritas.

Volta, volta dos céus, pura amizade, 
ou proíbe que a amável aparência 
te usurpe a desleal perversidade. 

Confundida coa nobre e infame essência, 
breve reverte o mundo à prisca idade; 
volve o caos, é morta a Providência. 

   Acabou-se a cantilena num suspiro do íntimo, ficando ainda os dois atentos à espera de mais. Vendo, porém, que a música se tinha desfeito em soluços e ais lastimados, desejaram saber quem seria aquele triste, tão eminente na toada como dolorido no gemer.
   Não andaram muito, quando, ao voltar da ponta duma penha, viram um homem exatamente do mesmo talhe e figura, como Sancho Pança lhes havia pintado quando lhes referiu a narrativa de Cardênio.
   Quando o homem os viu, em vez de mostrar sobressalto, conservou-se como estava de cabeça pendida para o peito, com ar de meditabundo, sem levantar para eles os olhos, mais que no primeiro momento, quando inesperadamente ali chegaram. O cura, que era bem falante (e já tinha notícia daquela desgraça, porque pelos sinais facilmente o reconhecera), achegou-se para ele, e com poucas palavras muito discretas lhe rogou que se deixasse daquela tão miserável existência, para que a não viesse ali a perder, que seria essa de todas as desditas a maior.
   Estava naquela conjuntura Cardênio em aberta de perfeito juízo, livre daquele furioso acidente, que tão repetidas vezes o alheava de si; e assim, vendo os dois em trajo tão desacostumados dos que por aquelas solidões se deparavam, não deixou de admirar-se algum tanto, e mais, quando ouviu que lhe tinham falado do seu caso como de coisa sabida; os ditos do cura assim lhe tinham dado a entender; pelo que respondeu deste modo:

— Bem vejo eu, senhores, quem quer que sejais, que o céu, que tem cuidado de acudir aos bons, e muitas vezes até aos maus, me envia, sem o eu merecer, a estes lugares tão longes e apartados do trato comum da gente, algumas pessoas, que, pondo-me diante dos olhos com vivas e variadas razões quão sem ela ando em levar a vida que levo, têm procurado passar-me deste sítio para algum outro melhor. Porém, como não sabem o que eu sei, que, tirando-me deste mal, hei-de cair em algum maior, talvez me devem ter por homem de fraco discurso, e até (o que pior seria) por de nenhum juízo; e não fora maravilha que assim fosse, porque a mim mesmo se me entreluz que a imaginação das minhas desgraças é tão forte, e pode tanto para a minha perdição, que, sem eu poder coibi-la, venho a ficar como pedra, falto de todo o bom sentido e conhecimento. Desta verdade mais me capacito, quando algumas pessoas me dizem e mostram sinais de coisas que fiz enquanto me senhoreou aquele acesso. Então nada mais sei que arrepender-me sem fruto, e maldizer escusadamente a minha desgraça, e por desculpa das minhas loucuras contar a causa delas a quantos me querem ouvir. Os cordatos à vista da causa não poderão estranhar os efeitos; e se me não derem remédio, pelo menos hão-de desculpar-me. O aborrecimento das minhas desenvolturas converte-se logo em lástima da minha miséria. Se é que vós, senhores, vindes com as mesmas tenções com que outros já têm vindo, antes de passardes adiante nas vossas discretas persuasões vos rogo ouçais a relação infinda das minhas desventuras. Talvez, depois de me ouvirdes, vos dispenseis do trabalho que tomaríeis, procurando consolar o que não admite consolações.

   Os dois, que nada mais desejavam que ouvir-lhe da própria boca a verdadeira explicação de tamanha infelicidade, instaram com ele para que lha expusesse, prontificando-se a não fazerem senão o que ele quisesse, para seu remédio, ou alívio pelo menos.
   Com isto começou o triste cavaleiro a sua lastimável história, quase pelas mesmas palavras e passos contados como a havia relatado a D, Quixote e ao cabreiro poucos dias atrás, quando a propósito do mestre Elisabat, e pela pontualidade de D. Quixote em guardar o decoro da cavalaria, o conto ficou truncado, como em seu lugar se disse.
   Desta vez porém permitiu a boa sorte que o intervalo da loucura fosse mais prolongado, e desse ensanchas para se concluir a história. Chegando pois ao passo do bilhete achado por D. Fernando, disse Cardênio que o tinha bem de cor, e que rezava assim:

LUCINDA E CARDÉNIO

“Cada dia descubro em vós valias novas, que me obrigam a mais vos estimar. Assim se me quiserdes tirar desta dívida sem prejudicar-me na honra, muito bem o podereis fazer. Meu pai, que vos conhece, quere-vos bem; sem forçar a minha vontade, há-de cumprir a que vós por boa justiça igualmente deveis ter, sendo verdade que me estimais como dizeis, e eu devo acreditar.”

— Por este bilhete me determinei a pedir Lucinda por esposa como já vos contei; e foi também por ele que Lucinda ficou tida no conceito de D. Fernando por uma das mais discretas e ajuizadas mulheres do seu tempo; e foi, por derradeiro, esta carta a que lhe acendeu o desejo de me perder antes que o meu se realizasse. Contei eu a D. Fernando o reparo do pai de Lucinda, a saber: que havia de ser meu pai quem para mim a pedisse; o que eu a ele não ousava dizer-lhe com receio de que mo recusasse, não porque não estivesse convencido da nobreza, bondade, virtude e formosura de Lucinda, em suma, de que tinha méritos bastantes para enobrecer qualquer outra linhagem de Espanha, mas sim porque tinha para mim que o seu desejo era que eu me não casasse tão depressa, antes de ver o que o Duque Ricardo faria da minha pessoa. Em conclusão, disse-lhe que me não aventurava a fazer semelhante súplica a meu pai, tanto por aquele inconveniente, como por outros muitos que me acovardavam, sem bem saber quais eram. Parecia-me que desejos meus nunca haveriam de chegar a efetuar-se. A tudo isto me respondeu D. Fernando que tomava a si o falar a meu pai, e resolvê-lo a entender-se com Lucinda! Ó Mário ambicioso! ó Catilina cruel! ó facinoroso Sila! ó Galalão embusteiro! ó Belido traidor! ó Julião vingativo! ó Judas cobiçoso! ó traidor, cruel, vingativo e embusteiro! que mal te havia feito este triste, que tão sincero te descobriu os segredos e contentamento da sua alma? que ofensas te fiz? que palavras te disse ou conselhos te dei que não fossem inteiramente encaminhados a acrescentar o teu decoro e proveito? Mas de que me queixo, desgraçado de mim, pois é coisa infalível que em as estrelas nos influindo o infortúnio, como são mandatos de cima, despenhados com furor e violência, não há força na terra que os detenha, nem indústria humana que os possa precaver? Quem havia de imaginar que D Fernando, cavaleiro ilustre, discreto, obrigado de meus serviços, com posses para alcançar o que os seus apetites amorosos lhe pedissem, onde quer que pusesse a mira, se havia de empenhar, como se costuma dizer, em me furtar a mim uma só ovelha que eu nem ainda possuía? Mas deixemo-nos destas considerações escusadas, que já nada aproveitam, e atemos o quebrado fio da minha história. Parecendo a D. Fernando que a minha presença lhe era inconveniente para a execução do seu desígnio mau e pérfido, determinou enviar-me ao seu irmão mais velho, com o pretexto de lhe pedir uns dinheiros para pagar seis cavalos, que no mesmo dia de propósito havia comprado, só com o fim de me afastar para melhor se lhe lograr o seu danado intento. Comprou-os no dia mesmo em que se oferecera para falar a meu pai, e quis que eu viesse pelo dinheiro. Podia eu prevenir esta traição? podia eu sequer imaginá-la? por certo que não, antes com grandíssimo gosto me ofereci a partir logo, contente da boa compra concluída. Naquela noite falei com Lucinda, e lhe disse o que ficava combinado com D. Fernando, e que tivesse firme esperança no efeito dos nossos legítimos desejos. Ela, tão crente como eu na sinceridade de D. Fernando, disse-me que procurasse tornar-me depressa, pois tinha fé que para logo seriam os nossos votos preenchidos, apenas meu pai falasse com o dela. Acabando de dizer isto, arrasaram-se-lhe os olhos de água, não sei por que, e pos-se-lhe na garganta um nó, que não lhe deixava proferir palavra, posto que eu bem via que muitas outras quisera pronunciar. Fiquei admirado daquele acidente que nunca ainda lhe vira, pois sempre quantas vezes a fortuna e a minha diligência nos proporcionavam falarmo-nos, era tudo entre nós regozijo e contentamento, sem a mínima mistura de lágrimas, suspiros, zelos, suspeitas ou temores; era tudo engrandecer eu a minha ventura, por ma ter o céu dado por senhora. Exagerava a sua beleza: maravilhava-me do seu valor e entendimento; pagava-me ela na mesma moeda, elogiando em mim o que na sua qualidade de namorada se lhe figurava digno de elogio. Com isto nos contávamos de parte a parte mil ninharias e acontecimentos dos nossos vizinhos e conhecidos; e o mais a que se atrevia a minha desenvoltura era tomar-lhe quase à força uma das suas belas e brancas mãos, e chegá-la à boca, segundo no-lo consentia o apertado duma grade baixa que nos separava. Naquela véspera porém da minha partida ela chorou, gemeu, suspirou e foi-se, deixando-me cheio de confusão e sobressalto, espantado de ter visto tão novas e tão tristes mostras de dor e sentimento em Lucinda; mas eu para não aniquilar as minhas esperanças, atribuí tudo à força do amor que ela me tinha, e à dor que a ausência costuma causar nos que bem se querem. Enfim, parti-me triste e pensativo, com a alma cheia de imaginações e suspeitas, sem saber o que suspeitava ou imaginava; claros indícios que me prognosticavam já o triste sucesso e desventura que me aguardavam. Cheguei ao lugar onde era enviado, dei as cartas ao irmão de D. Fernando, fui bem recebido, mas bem despachado não, porque me deu ordem de esperar oito dias, com grande desgosto meu, recomendando-me que o Duque seu pai me não avistasse, porque a quantia que o irmão pedia lhe mandasse era a ocultas dele. Tudo armadilhas do falso D. Fernando, pois o irmão tinha dinheiro de sobejo para poder imediatamente aviar-me. Aquela ordem e recomendação puseram-me em balanços de desobedecer, por me parecer impossível que me durasse tantos dias a vida ausente de Lucinda, e mais tendo-a deixado com a tristeza que já contei. Entretanto obedeci como servo fiel, sabendo bem ser à custa da saúde. Ao quarto dia chegou a procurar-me um homem com uma carta, que, pela letra do sobrescrito, de repente conheci vir de Lucinda. Abri-a sobressaltado, entendendo que não podia deixar de ser coisa grande a que a obrigava a escrever-me, estando ausente, porque presente poucas vezes o fazia. Antes de lê-la, perguntei ao portador quem lha havia dado, e que tempo gastara no caminho. Respondeu-me que, passando casualmente por uma rua da cidade, à hora do meio-dia, uma senhora muito formosa o chamara duma janela, com os olhos cheios de lágrimas, dizendo-lhe a toda a pressa: “Irmão, se sois cristão, como pareceis, pelo amor de Deus vos peço que leveis logo logo esta carta ao lugar e à pessoa que aí vai no sobrescrito, e que é bem conhecida; nisso fareis um grande serviço a Nosso Senhor, e para mais comodamente o poderdes fazer, tomai o que vai neste lenço.” E dizendo aquilo me atirou da janela abaixo um lenço, onde vinham atados cem reales e este anel de ouro, juntamente com essa carta. Sem me esperar resposta, fugiu logo da janela, mas tendo-me primeiro visto apanhar a carta e o lenço. Respondi-lhe, por sinais, que lhe obedeceria. Por isso, vendo-me tão bem pago do trabalho que ia fazer, e conhecendo, pelo sobrescrito, que o recado era para vós, porque eu muito bem vos conheço, senhor, e ainda por cima obrigado das lágrimas daquela formosa senhora, não quis fiar-me de outra pessoa, e vim eu próprio fazer-lhe a entrega; e em dezesseis horas, que tantas há que recebi o recado, palmilhei o caminho que sabeis, que é de dezoito léguas.

   Enquanto o agradecido e novo correio me relatava aquilo tudo, estava eu sobressaltado da novidade, e tremendo-me as pernas, que mal me podia ter em pé. Abri a carta, e li o seguinte: 

“A palavra que D. Fernando vos deu de que falaria a vosso pai para ele falar ao meu, cumpriu-a muito mais a seu gosto do que em proveito vosso. Sabei, senhor, que ele me pediu por esposa para si; e meu pai, seduzido da vantagem que em seu entender vos leva D. Fernando, tão deveras lhe conveio na rogativa, que em dois dias se há-de celebrar o desposório tão secretamente e a sós, que as únicas testemunhas serão o céu e algumas pessoas da casa. Imaginai como estarei; vede se me não deveis acudir; e se vos amo ou não, o êxito de tudo vo-lo dará a conhecer. Praza a Deus que esta carta vos seja entregue antes de eu o ser a quem tão mal sabe guardar a fé prometida.”

   Foi isto a substância da carta, que me fez pôr logo a caminho, sem esperar por mais respostas nem dinheiros, que bem claramente via já que não era a compra dos cavalos, senão só a ânsia de preencher o seu gosto o que obrigara D. Fernando a enviar-me a seu irmão. O despeito que se me acendeu contra o falso amigo, e o temor de perder o tesouro granjeado à custa de tantos anos de desejos e serviços, deram-me asas, pois foi quase voando que ao seguinte dia cheguei ao meu lugar, à hora justamente mais própria para falar com Lucinda. Entrei furtivamente, deixando a mula em casa do bom homem que me levara a mensagem, e tão a propósito cheguei, que logo vi a Lucinda posta às grades testemunhas dos nossos amores. Conheceu-me ela tão de repente, como eu a ela; mas quão diversos um e outro! quem há no mundo que se possa gabar de ter penetrado o confuso pensamento e mudável condição duma mulher? ninguém decerto. Assim que Lucinda me viu, disse-me: — “Cardênio, achas-me vestida de noiva, já me estão esperando na sala D. Fernando, o tredo, meu pai, o ambicioso, e outras testemunhas que mais depressa o hão-de ser da minha morte, que de semelhante enlace. Não te perturbes, querido, mas procura achar-te presente a este sacrifício; se eu o não puder impedir com as minhas razões, uma daga levo oculta, que triunfará das violências mais resolutas, dando fim à minha vida, e evidenciará a firmeza que te guardei e conservo até ao fim.” Respondi-lhe confuso e à pressa, por temer me faltasse o tempo para lhe responder: “Senhora, façam vossas obras sair verdadeiras essas palavras; se levas daga para teu crédito, espada levo eu também para com ela te defender, ou para me arrancar a vida, se a sorte contra mim se declarar.” Creio que ela não chegou a ouvir-me tudo, porque senti que a chamavam à pressa, porque o noivo estava esperando. Com isto se fechou a noite da minha tristeza, tramontou o sol da minha felicidade, perdi o lume dos olhos e do entendimento. Não acertava para entrar em casa dela, nem mover-me podia. Considerando porém quanto a minha presença era necessária para o que no caso poderia suceder, animei-me o mais que pude, e penetrei. Como conhecia bem todas as entradas e saídas, com o alvoroto que lá por dentro ia, ninguém reparou em mim, e tive modo de me colocar no vão duma janela da mesma sala, cortinada de tapeçarias, por entre as quais podia, sem ser visto, descobrir quanto se passasse. Quem poderia agora dizer os sobressaltos deste coração enquanto ali me conservei? os pensamentos que me ocorreram? as considerações que fiz, que foram tantas e tais, que nem se podem referir nem é bem que se refiram? Basta que saibais que o noivo entrou na sala sem mais compostura que o seu trajo do costume. Vinha-lhe por padrinho um primo co-irmão de Lucinda, e em toda a sala não havia pessoa de fora, senão os criados da casa. Dentro em pouco saiu duma câmara Lucinda, acompanhada da mãe e de duas donzelas suas, tão bem adereçada e composta, como à sua qualidade e formosura competia, sendo ela o extremo da gala e bizarria cortesã. O meu enlevo não me deixou notar o que trazia vestido; só pude ver que as cores eram encarnado e branco, reluzindo a pedraria e joias do toucado e de todo o vestuário, e realçando por cima de tudo a beleza singular de seus louros cabelos; tais brilhavam eles sem competência com as pedras preciosas e com as luzes de quatro tochas que na sala estavam, que ainda se lhes avantajavam. Ah! memória mortal, perturbadora do meu descanso! para que serve estares-me lembrando agora a incomparável lindeza daquela adorada inimiga? Não será melhor que me representes, ó memória cruel, o que ela então fez, para que, incitado de tão manifesto agravo, procure, já que não pode ser a vingança, ao menos o morrer? Não vos canseis, senhores, de me ouvir estas digressões, pois não é a minha pena das que podem e devem contar-se sucintamente; cada circunstância dela me parece digna dum largo discurso.  
   A isto lhe respondeu o cura que não só se não cansavam de ouvi-lo, senão que muito sabor achavam naquelas mesmas minudências, por serem tais, que não mereciam ser deixadas em silêncio, sendo tão dignas de atenção como o principal da narrativa.

— Digo pois — prosseguiu Cardênio — que, estando todos na sala, entrou o cura da freguesia, e tomando aos dois pela mão, para fazer o que em tal ato se requer, ao dizer: “Quereis, senhora Lucinda, ao senhor D. Fernando aqui presente, para vosso legítimo esposo, como manda a Santa Madre Igreja?” eu lancei a cabeça e pescoço para fora das cortinas, e com atentíssimos ouvidos e alma perturbada me pus a escutar o que Lucinda responderia. Uma palavra dela ia ser a sentença da minha vida ou morte. Oh! quem se atrevera então a bradar: “Ah! Lucinda, Lucinda! olha o que fazes; considera o que deves; olha que és minha, e não podes ser de outro; repara que em dizendo sim mataste-me de repente. Ah! traidor D. Fernando, roubador da minha glória, meu assassino! que queres? que pretendes? considera que não podes cristãmente chegar a cabo dos teus desejos, porque Lucinda é minha esposa e eu sou seu marido.” Ah! louco de mim! agora que estou ausente e longe do perigo, é que digo o que devia fazer e não fiz; agora, depois de deixar roubar a minha cara prenda, é que maldigo ao roubador, de quem me pudera ter vingado, se para isso tivesse coração, como o tenho para me queixar. Enfim, já que então fui covarde e néscio, não é muito que morra agora corrido, arrependido e louco. Estava o cura esperando a resposta de Lucinda, que se deteve um bom espaço em dá-la; e quando eu pensei que arrancava a daga para seu crédito, ou soltava a língua para proferir alguma verdade ou desengano, que em meu proveito redundasse, ouço-lhe dizer com voz desmaiada e fraca: “Sim; quero.” O mesmo disse D. Fernando; e, dando-lhe o anel, ficaram ligados em laço indissolúvel. Chegou o desposado a abraçar a sua esposa; e ela, pondo a mão sobre o coração, caiu desmaiada nos braços da mãe. Resta agora dizer qual eu fiquei, vendo com aquele sim desfeitas as minhas esperanças, falseadas as palavras e promessas de Lucinda, desamparado, em meu entender, de todo o favor celeste. Alvorotaram-se todos com o delíquio de Lucinda; e, desapertando-lhe a mãe o seio, para lhe dar ar, nele se descobriu um papel fechado, que D. Fernando tomou logo, e se pôs a ler à luz duma das tochas. Acabada a leitura, sentou-se numa cadeira, com a mão na face, com mostras de homem muito pensativo, sem acudir aos remédios, que à sua esposa se faziam, para que se recobrasse do desmaio. Eu, vendo alvorotada toda a gente de casa, aventurei-me a sair, quer fosse visto quer não, determinado, no caso de me verem, a fazer um desatino tal, que todos chegassem a entender a minha justa indignação no castigo do falso D. Fernando, e também da inconstância da traidora. Porém a minha sorte, que para maiores males, se os há, me devia reservar, ordenou que naquele ponto me sobrasse o entendimento, que de então para cá me tem faltado; e assim, sem querer tomar vingança dos meus maiores inimigos (que, por estar tão fora de acordo, fácil me fora tomá-la), quis executar em mim a pena que eles mereciam, e porventura que com maior rigor do que com eles usara, se então os matasse. A morte que se recebe repentina depressa acaba as penas; mas a que se dilata com tormentos está matando, sem acabar a existência. Enfim, saí de casa e tornei-me à do homem onde tinha deixado a mula. Mandei-a aparelhar, montei-a sem me despedir, e saí da cidade sem ousar, como outro Loth, olhar para trás. Quando me vi no campo, sozinho, encoberto pelo escuro da noite e convidado pelo seu silêncio a queixar-me, sem respeito ou medo de ser escutado nem conhecido, soltei a voz em tantas maldições a Lucinda e D. Fernando, como se com elas satisfizesse o agravo que me havia feito. Dei-lhe apodos de cruel, ingrata, falsa e desagradecida e sobretudo de ambiciosa, pois a riqueza do meu inimigo lhe tinha fechado os olhos, para se me roubar e entregar-se, àquele com quem mais liberal e franca a fortuna se havia mostrado. No meio das torrentes daquelas maldições e vitupérios, desculpava-a ainda assim, dizendo que não era muito que uma donzela sempre recolhida em casa de seus pais, acostumada a obedecer-lhes, tivesse querido condescender com o seu gosto, pois lhe davam por esposo um cavaleiro tão principal, tão rico e tão gentil-homem; que, se o não quisesse receber, se deveria pensar dela ou que não tinha juízo, ou que tinha noutra parte cativo e coração; o que tudo redundaria em menoscabo da sua fama. Disto saltava logo para outra idéia, dizendo: que ainda que ela tivera dito, para se ressalvar, ser eu já seu esposo, os seus não lhe achariam a eleição tão má, que não merecesse desculpa, pois antes de se apresentar D. Fernando, não poderiam eles próprios desejar racionalmente melhor esposo do que eu para sua filha, e que assim bem pudera ela, antes de vir à extremidade de entregar a sua mão, dizer que era já minha, porque em lance tal não seria eu quem lhe desmentisse essa invenção. Por derradeiro concluí que pouco amor, pouco juízo, muita ambição e desejo de grandeza a tinham feito esquecer das palavras com que me enganara para as minhas esperanças e honestos desejos. Nestas lamentações e incertezas caminhei o resto da noite, e achei-me ao amanhecer às abas desta serra, por onde me adiantei mais três dias por descaminhos sempre a mais, até que cheguei a uns prados, não sei para que lado destas montanhas, onde perguntei a uns guardadores para onde era o mais bravio destas serras. Disseram-me que para esta banda. Para ela me dirigi logo, com tenção feita de não acabar noutra parte a minha vida metido por estas asperezas. A mula em que eu vinha caiu de cansaço e de fome, ou (o que mais creio) por se apartar de tão inútil carga como lhe eu era. Fiquei a pé, sucumbido à natureza, consumido de fome, sem ter, nem me ocorrer procurar quem me socorresse. Assim permaneci não sei quanto tempo estendido por terra. Ao cabo levantei-me sem fome e achei junto a mim alguns cabreiros, que foram sem dúvida os que me remediaram na minha miséria. Deles é que ouvi o estado em que deram comigo, a dizer tantos disparates, que bem mostrava trazer o juízo a monte. De então para cá sinto eu próprio em mim que nem sempre regulo certo, senão que ando tão desmedrado e somenos, que faço mil despropósitos, rasgo o fato, vozeio por estas soledades, amaldiçoo a minha sorte, e repito em vão o nome sempre adorado da minha inimiga, sem me lembrar então mais que fazer por acabar a vida naquela vozeria. Quando torno em mim, acho-me tão cansado e moído, que mal me posso mover. A minha morada, mais sabida, é o oco dum sobreiro, suficiente agasalho deste corpo miserável. Os vaqueiros e cabreiros que andam por estas serranias me sustentam por caridade, pondo-me a comida pelos caminhos e pelas penhas por onde entendem, que poderei acaso transitar e dar com ela. Falta-me, é verdade, o juízo para a conhecer; mas a necessidade natural me diz ser mantimento, e me aviva desejo de apetecê-lo, e vontade para o tomar. Outras vezes, segundo eles me contam, quando me tomam com juízo, salto-lhes ao caminho e os roubo à força, ainda que eles mo queiram dar de boa vontade, que já para isso mo traziam do lugar às malhadas. Desta maneira vou passando os restos da miserável existência até que o céu seja servido conduzi-la ao descanso último, ou de mo chamar à lembrança, para que a ela me não tornem a formosura e traição de Lucinda, e o agravo de D. Fernando. Se Deus tal me concede sem me tirar a vida, eu aplicarei o pensamento a discursos de mais proveito. A não ser assim, não há senão rogar à Providência que tenha dó da minha alma, que eu em mim não sinto valor nem força para tirar o corpo desta estreiteza, em que por meu gosto o quis pôr. Aqui está, ó senhores meus, a amarga história da minha desgraça. Dizei-me agora se a achais tal, que se possa recordar com menos sentimento que o meu; não vos canseis em aconselhar-me o que a razão vos mostrar por bom para meu remédio, porque tanto há-de aproveitar comigo, como aproveita o curativo receitado por um médico de fama ao enfermo que recuse recebê-lo. Não quero saúde sem Lucinda; e como ela gosta de ser de outro, sendo, ou devendo ser minha, deixem-me gostar a mim de ser da desventura, podendo ser da felicidade. Ela quis com a sua mudança tornar estável a minha perdição; eu quererei com procurar perder-me satisfazer a sua vontade. Aprenderão os vindouros que a mim só faltou o que a todos os desditados sobra: a eles costuma ser consolação a certeza de não poderem alcançá-la; e em mim é causa de novos sentimentos e males, porque até penso que nem com a morte se me hão-de acabar.

   Aqui terminou Cardênio a sua estiraçada fala; história tão amorosa, como desastrada; e ao tempo em que já o cura se estava preparando para lhe propor algumas palavras de conforto, veio-lhe ao ouvido uma voz que o atalhou, a qual dizia o que ao diante se contará. 

continua página 166...

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Leia também:

D. Quixote - Cervantes Vol 1 - Prólogo
D. Quixote - Cervantes Vol 1 - Ao Livro de D. Quixote de la Mancha
D. Quixote - Cervantes Vol 1 - 1ª Parte L1 Capitulo I
D. Quixote - Cervantes Vol 1 - 1ª Parte L2 Capitulo IX
D. Quixote - Cervantes Vol 1 - 1ª Parte L3 Capitulo XXVII
D. Quixote - Cervantes Vol 1 - 1ª Parte L4 Capitulo XXVIII(a) 
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D. QUIXOTE 
VOL. I 
Cervantes 
D. Quixote de La Mancha — Primeira Parte 
(1605) 
Miguel de Cervantes [Saavedra] 
(1547-1616)
Tradução: 
Francisco Lopes de Azevedo Velho de Fonseca Barbosa Pinheiro Pereira e Sá Coelho (1809- 1876) Conde de Azevedo 
Antônio Feliciano de Castilho (1800-1875) 
Visconde de Castilho
Edição 
eBooksBrasil www.ebooksbrasil.com 
Versão para eBook 
eBooksBrasil.com 
Fonte Digital 
Digitalização da edição em papel de Clássicos Jackson, Vol. VIII Inclusões das partes faltantes confrontadas com a edição em espanhol da eBooksBrasil.com 
(1999, 2005)
Copyright 
Autor: 1605, 2005 Miguel de Cervantes 
Tradução Francisco Lopes de Azevedo Velho de Fonseca Barbosa Pinheiro Pereira e Sá Coelho 
António Feliciano de Castilho 
Capa: Honoré-Victorin Daumier (1808-1879) 
Retrato de Cervantes: Eduardo Balaca (1840-1914) 
Edição: 2005 eBooksBrasil.com

sábado, 25 de novembro de 2023

Memórias - 33: não quero ficar escondida

No se puede hacer la revolucion sin las mujeres

Livro Um

baitasar

Memórias

33 – não quero ficar escondida

Blanca e Qualquer Um decidiram que eu deveria ser afastada de la Montaña, todos corríamos riscos desermos usados uns contra outros

reféns daquela crueldade em um dia como em qualquer outro

sol escondendo lentamente o dia, dando lugar às sombras danoite. no escuro, correntes invisíveis domedo, inventadas pela perversidade humana. rostos pálidos abandonados com suas histórias deterror e desespero. lágrimas silenciosas derramadas entre muros frios e misteriosas grades da intolerância humana doente com palavras e mentiras afiadas como flechas, ferindo anônimas enquanto destilam ódios

los campesinos preparavam um ataque debuscas aos torturados, mas me queriam longe dasespadas cortadoras daqueles animais, conheciam da brutalidade, decomposição humana, Queremos que esté segura.

aceitar isso me pareceu demasiada covardia, colocar-me em segurança enquanto os demais ardiam em gradis

fugir me parecia desnecessário, cada uma de nós tem poder para fazer diferença, lutar contra toda crueldade, libertar, estender uma mão amiga, demonstrar compaixão, buscar justiça, ser voz das silenciadas, maltratadas, esperança para um outro jeito de viver

disse que não tinha medo de la Montaña nem dos soldados, Só se assustam covardes, gritei que não era medrona, carregava los cojones nos peitos

as lágrimas me saiam como se todas as neves acumuladas no topo das montanhas mais frias estivessem desgelando, estava aquecida pela vontade de brigar e furar esses monstros matadores de nuestras madres

minhas águas desciam caudalosas dos olhos, se ajuntavam com as águas espessas de las ventanas, engrossavam até formar um único rio com as águas da minha bocarra, então, parte daquela baba espessa respingava em meu vestido de linho grosso, outra parte se perdia no chão da terra, todo vuelve a la tierra

todas, de um jeito ou de outro, deixavam suas partes naquele mármore de terra roçada e limpa até o sabugo dos ossos, mulheres que com força e coragem marcam-se profundas naterra, cicatrizes diárias, guerreiras com mãos calejadas, cada passo um desafio com espinhos, canseiras e desgraças, suores derramados, vozes derretidas

en la Montaña não se tem escolha de vida, seguimos escravizados pelo Señor de la Montaña, esmorecendo, derretendo dia-a-dia, ninguém nos salva, precisamos nos salvar como sementes que germinam e florescem, enchendo de vida o mundo ao nosso redor com doçura única

não era nenhuma coragem estúpida quemefez pedir para ficar, meu corpo franzino jamais seria um obstáculo para os inimigos de los campesinos

na verdade, queria ficar por medo da saudade, carregava muitas saudades del niño muerto, de las ausencias de mamá y papá, estava assustada e sentia muita raiva daqueles bandidos comprados com dinheiro de sangue, os milicianos del Señor de la Montaña

Blanca, chorominguei para minha irmã, não quero ficar escondida, Creemos que es necesario, Mas..., Si te encuentran la usarán para llegar a qualquier uno, sea el que fuere.

não tinha o que discutir, não tinha nada para oferecer com aquele meu tamanho de risco e fedor, sabia que os dois tinham razão, depois que lhes contara o que eu e Juanito víramos decidiram entrar na mata para resgatar os corpos de los campesinos, destino estava para se cumprir

o meu também

apenas fingimos que ninguém sabe que ele está se cumprindo enquanto andamos, um cúmplice quenão vem defora está no ar dançando um trajeto de incertezas, sussurrando ao vento, desvelando segredos, cada escolha conduz por labirintos, desafios, pessoas, amores, desapegos, despedidas, encontros, tudo se permuta, do inverno esperamos saudade, da primavera esperança, do outono calmaria, do verão secura e suores que nem sempre se cumprem, uma jornada desconhecida da escuridão revelando-se passo à passo, fios entrelaçados que ora aquecem ora esfriam corações, quero um rumo para caminhar confiante, alegre, esperançosa, maséum bailado difícil, muitas vezes, absurdo com seus sentidos misteriosos, sua prosa e seu desabrigo

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Livro Um:
Memórias - 01: a lua cheia
Memórias - 02: a servidão natural
Memórias - 03: um negócio inesgotável
Memórias - 04: la sina de papá
Memórias - 05: ervas e flores do campo
Memórias - 06: el regazo de Blanca
Memórias - 07: lleno de deseo
Memórias - 08: mi ojos fingidos de dormidos
Memórias - 33: não quero ficar escondida

o violão do Tiago Marques e o violoncelo de Samara Moraes (ao vivo)

Porto Madeira Duo


osdedos

deslizando no passado

ascordas 

acordando nopresente

cada acorde

 um elo

cada nota 

um suspiro

na trama do instante

oviolão

ovioloncelo

nossas asas

da emoção

reascendendo

o recital da vida



Apresentando:

Saltitante

de Sergio Assad


Domingo
Dia 26 de novembro, às 15 horas
e
Quinta-feira
Dia 30 de novembro, às 19 horas

Local: Escola de Música Casabella
Av. Ganzo, 238, Menino Deus, Porto Alegre, RS


e mais músicas de compositores brasileiros... Guinga, Gnattali


ingressos pela Sympla/Eventos


sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Crônica: As Três Experiências

Clarice Lispector 

As Três Experiências

 narração de Mundo Dos Poemas






"Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O “amar os outros” é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.

E nasci para escrever. A palavra é o meu domínio sobre o mundo. Eu tive desde a infância várias vocações que me chamavam ardentemente. Uma das vocações era escrever. E não sei por quê, foi esta que eu segui. Talvez porque para as outras vocações eu precisaria de um longo aprendizado, enquanto que para escrever o aprendizado é a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós. É que não sei estudar. E, para escrever o único estudo é mesmo escrever. Adestrei-me desde os sete anos de idade para que um dia eu tivesse a língua em meu poder. E no entanto cada vez que vou escrever, é como se fosse a primeira vez. Cada livro meu é uma estreia penosa e feliz. Essa capacidade de me renovar toda à medida que o tempo passa é o que eu chamo de viver e escrever.

Quanto a meus filhos, o nascimento deles não foi casual. Eu quis ser mãe. Meus dois filhos foram gerados voluntariamente. Os dois meninos estão aqui, ao meu lado. Eu me orgulho deles, eu me renovo neles, eu acompanho seus sofrimentos e angústias, eu lhes dou o que é possível dar. Se eu não fosse mãe, seria sozinha no mundo. Mas tenho uma descendência e para eles no futuro eu preparo meu nome dia a dia. Sei que um dia abrirão as asas para o voo necessário, e eu ficarei sozinha. É fatal, porque a gente não cria os filhos para a gente, nós os criamos para eles mesmos. Quando eu ficar sozinha, estarei cumprindo o destino de todas as mulheres.

Sempre me restará amar. Escrever é alguma coisa extremamente forte mas que pode me trair e me abandonar: posso um dia sentir que já escrevi o que é o meu lote neste mundo e que eu devo aprender também a parar. Em escrever eu não tenho nenhuma garantia.

Ao passo que amar eu posso até a hora de morrer. Amar não acaba. É como se o mundo estivesse à minha espera. E eu vou ao encontro do que me espera.

Espero em Deus não viver do passado. Ter sempre o tempo presente e, mesmo ilusório, ter algo no futuro.

O tempo corre, o tempo é curto: preciso me apressar, mas ao mesmo tempo viver como se esta minha vida fosse eterna. E depois morrer vai ser o final de alguma coisa fulgurante: morrer será um dos atos mais importantes da minha vida. Eu tenho medo de morrer: não sei que nebulosas e vias lácteas me esperam. Quero morrer dando ênfase à vida e à morte.

Só peço uma coisa: na hora de morrer eu queria ter uma pessoa amada por mim ao meu lado para me segurar a mão. Então não terei medo, e estarei acompanhada quando atravessar a grande passagem. Eu queria que houvesse encarnação: que eu renascesse depois de morta e desse a minha alma viva para uma pessoa nova. Eu queria, no entanto, um aviso. Se é verdade que existe uma reencarnação, a vida que levo agora não é propriamente minha: uma alma me foi dada ao corpo. Eu quero renascer sempre. E na próxima encarnação vou ler meus livros como uma leitora comum e interessada, e não saberei que nesta encarnação fui eu que os escrevi.

Está-me faltando um aviso, um sinal. Virá como intuição? Virá ao abrir um livro? Virá esse sinal quando eu estiver ouvindo música?

Uma das coisas mais solitárias que eu conheço é não ter a premonição."



Texto extraído do livro “Aprendendo a viver”,
Clarice Lispector. (Crônicas). Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2004.



CLARICE LISPECTOR 
| POESIA E PROSA COM MARIA E CAETANO VELOSO (3/5)

Veja a terceira parte do "Poesia e Prosa com Maria Bethânia" sobre Clarice Lispector, com os convidados Caetano Veloso e Nádia Gotlib.





Moby Dick: 17 - O Ramadã

Moby Dick

Herman Melville


17 - O RAMADÃ

   Como o Ramadã, ou Jejum e Penitência, de Queequeg iria continuar durante o dia, resolvi não incomodá-lo até o cair da noite; porque sinto muito respeito pelas obrigações religiosas das pessoas, por mais ridículas que sejam, e não subestimaria nem mesmo uma congregação de formigas adorando um cogumelo; e nem aquelas outras criaturas em certas regiões de nossa Terra que, com um grau de servilismo sem precedentes em outros planetas, se curvam em reverência diante do busto de um proprietário de terras defunto apenas em consideração às incontáveis posses que ainda trazem rendimentos em seu nome.
   É a minha opinião que nós, bons Cristãos Presbiterianos, devemos ser caridosos nesses assuntos, sem que nos consideremos tão superiores a outros mortais, pagãos ou sabe-se lá o quê, por conta de suas ideias um tanto desconjuntadas sobre o assunto. Lá estava Queequeg, naquele momento, com as ideias mais absurdas a respeito de Yojo e de seu Ramadã; – mas o que importava? Queequeg achava que sabia o que estava fazendo, imagino; parecia satisfeito; e que assim seja. Toda a nossa argumentação de nada adiantaria; que assim seja, repito: e que o Céu tenha misericórdia de todos nós – Presbiterianos ou Pagãos –, porque estamos todos com a cabeça terrivelmente quebrada, precisando de conserto.
   Ao entardecer, quando achei que as suas práticas e rituais deveriam ter acabado, subi ao seu quarto e bati à porta; mas ninguém respondeu. Tentei abri-la, mas estava trancada por dentro. “Queequeg”, disse baixinho, pelo buraco da fechadura: – silêncio absoluto. “Queequeg, puxa! Por que você não fala? Sou eu – Ishmael.” Mas tudo permaneceu em silêncio como antes. Comecei a ficar preocupado. Tinha lhe dado bastante tempo; achei que podia ter tido um ataque apoplético. Olhei pelo buraco da fechadura; mas, com a porta dando para um estranho canto do quarto, a perspectiva do buraco da fechadura era das piores. Tudo o que vi foi uma parte do pé da cama e um pedaço da parede, nada mais. Fiquei surpreso ao ver encostado à parede o cabo do arpão de Queequeg, que a estalajadeira tinha confiscado na véspera, antes de subirmos ao quarto. Que estranho, pensei; de qualquer modo, já que o arpão está lá, e como ele quase nunca sai sem o arpão, ele deve estar lá dentro do quarto, sem dúvida.

“Queequeg! – Queequeg!” – tudo quieto. Deve ter acontecido algo. Apoplexia! Tentei empurrar a porta, mas ela teimava em não abrir. Corri escada abaixo e contei minha suspeita à primeira pessoa que encontrei, a empregada. “Puxa vida!”, ela gritou, “achei que algo deveria ter acontecido. Fui fazer a cama depois do café-da-manhã, e a porta estava trancada; não se ouvia nem uma mosca lá dentro; e está quieto desde então. Mas eu pensei que talvez vocês dois tivessem saído e trancado a porta por causa da bagagem. Puxa vida! Senhora! Patroa! – Assassinato! Senhora Hussey! Apoplexia!” – e com esses gritos saiu correndo em direção à cozinha, e eu atrás dela.

   A senhora Hussey logo apareceu com um pote de mostarda em uma das mãos e um vidro com vinagre na outra, pois estivera ocupada arrumando os galheteiros e dando uma bronca em seu negrinho.

“O depósito de lenha!”, gritei. “Onde é? Corra, pelo amor de Deus, e pegue alguma coisa para abrir a porta – o machado! – o machado! – ele teve um ataque; pode acreditar!” – e dizendo isso ia subindo a escada de mãos vazias, como um louco, quando a senhora Hussey se interpôs com o pote de mostarda e o vidro com temperos, bem como com todo o vinagre de sua pessoa.

“O que há com você, meu jovem?”

“Pegue o machado! Pelo amor de Deus, chame um médico, alguém, enquanto eu forço a porta!”

“Escute aqui”, disse a estalajadeira, pondo de lado o vidro de vinagre para ter a mão livre; “escute aqui; você está falando em forçar uma das minhas portas?” – e com isso puxou o meu braço. “Qual é o seu problema? Qual é o seu problema, marujo?”

   De uma forma tão calma e rápida quanto possível, fiz com que ela entendesse o caso. Encostando, sem se dar conta, o pote de mostarda no nariz, ela ruminou por um instante; depois exclamou – “Não! De fato não o vi mais depois que o coloquei ali”. Correndo em direção a um pequeno armário embaixo das escadas, deu uma olhada e retornando me disse que o arpão de Queequeg não estava lá. “Ele se matou”, ela gritou. “Tal como o infeliz Stiggs – lá se vai outra colcha – Deus tenha piedade de sua mãe! – será a ruína de minha propriedade. O pobre rapaz tem uma irmã? Onde está a menina? – venha cá, Betty, vá até o pintor Snarles e diga-lhe que faça uma placa com os dizeres – ‘não aceitamos suicidas, e é proibido fumar na sala’; – pode-se matar dois coelhos com uma só cajadada. Matar? Que Deus tenha misericórdia de seu espírito! Que barulho é esse? Você aí, meu jovem, pare com isso!”
   E, correndo atrás de mim, segurou-me enquanto eu tentava forçar a porta.

“Não vou permitir; não vou deixar que estrague minha propriedade. Chame o serralheiro, que fica a mais de um quilômetro daqui. Mas pare com isso!”, e colocou a mão no bolso, “aqui tem uma chave, que pode servir, vamos ver!” Dizendo isso, virou a chave na fechadura; mas, ai! O ferrolho complementar de Queequeg corria por trás da porta. 

“Tenho que arrombá-la”, eu disse, e fui para a entrada para tomar impulso, quando a estalajadeira me pegou, dizendo que eu não deveria quebrar sua propriedade; mas eu me soltei dela e com uma súbita e violenta corrida me joguei contra o alvo.

   Com um barulho notável a porta se abriu, e a maçaneta batendo contra a parede lançou o reboco para o alto; e lá, graças a Deus! Lá estava sentado Queequeg, calmo e composto; bem no meio do quarto; de cócoras; com Yojo em cima da cabeça. Não olhou para nenhum lado, sentado como uma imagem esculpida quase sem sinal de vida. 

“Queequeg”, disse, dirigindo-me a ele, “Queequeg, o que há com você?”

“Ele não ficô’ aí de cócoras o dia inte’ro, né?”, perguntou a estalajadeira. 

   Por mais que nos esforçássemos, não conseguíamos arrancar uma palavra dele; quase cheguei a empurrá-lo para ver se mudava de posição, tão intolerável aquilo me parecia; especialmente porque era muito provável que tivesse mesmo ficado naquela posição por oito ou dez horas, sem fazer nenhuma refeição.

“Senhora Hussey”, disse, “de qualquer modo ele está vivo; portanto, peço-lhe que saia e me deixe tratar sozinho dessa estranha situação.”

   Fechando a porta atrás da estalajadeira, tentei persuadir Queequeg a sentar-se numa cadeira, mas em vão. Ali permaneceu; e – a despeito de todos os meus agrados e estratagemas corteses – ele não se mexeu um milímetro, não disse uma simples palavra, nem olhou para mim, e nem se deu conta de minha presença.
   Será possível que isso faça parte de seu Ramadã?, pensei; será que jejuam de cócoras em sua ilha natal? Deve ser isso; sim, é parte de seu credo, imagino; bom, que assim seja; sem dúvida, mais cedo ou mais tarde ele vai se levantar. Isso não pode durar para sempre, graças a Deus, e seu Ramadã só acontece uma vez ao ano; e não acredito que seja muito pontual.
   Desci para jantar. Depois de ouvir sentado por muito tempo longas histórias de uns marinheiros recém-chegados de uma viagem “pudinzinho de coco”, como a chamavam (isto é, uma viagem rápida de pesca de baleias em escuna ou brigue, cuja rota se limita ao norte da Linha, apenas no oceano Atlântico); depois de escutar esses pudinzeiros até quase onze horas da noite, subi para me deitar, certo de que Queequeg já deveria estar terminando seu Ramadã a essa hora. Mas não; lá estava ele, onde eu o havia deixado; não tinha se mexido um milímetro. Comecei a ficar irritado com ele; parecia-me insensato e irracional sentar-se de cócoras em um quarto frio com um pedaço de madeira na cabeça um dia inteiro e mais metade da noite.

“Pelo amor de Deus, Queequeg, levante-se e mexa-se; levante-se e vá jantar. Você vai morrer de fome; você vai se matar, Queequeg.” Mas ele não respondeu nada. 

   Assim, desesperançado, decidi ir para a cama e dormir; sem dúvida, em breve, ele faria o mesmo. Mas antes de me deitar peguei meu casaco de urso e joguei sobre ele, porque prometia ser uma noite muito fria; e ele estava apenas com seu casaco simples. Por algum tempo, por mais que me esforçasse, não conseguia nem cochilar. Eu tinha apagado a vela; mas a simples ideia de Queequeg – a poucos metros de mim – agachado naquela posição incômoda, sozinho no escuro e no frio; aquilo me deixava bastante aflito. Pense bem; dormir a noite toda no mesmo quarto com um pagão acordado e acocorado, cumprindo os deveres de seu inexplicável Ramadã!
   Mas acabei por adormecer e só acordei ao raiar do dia; ao olhar da cama, vi Queequeg de cócoras, como se estivesse pregado ao chão. Assim que o primeiro raio de sol entrou pela janela, ele se levantou, com as juntas rangendo, mas com uma aparência alegre; cambaleou na minha direção; pressionou seu rosto contra o meu; e disse que seu Ramadã havia terminado.
   Ora, como eu disse antes, não faço objeção à religião de pessoa alguma, seja ela qual for, contanto que a pessoa não mate e nem insulte qualquer outra pessoa que não professe o mesmo credo. Mas quando a religião de um homem se torna destempero; quando é um verdadeiro tormento; e faz com que esta nossa Terra se torne uma estalagem desagradável para a gente se instalar; nesse caso, então, acredito que está na hora de chamar a pessoa à razão e discutir o assunto.
   Foi o que fiz naquela ocasião com Queequeg. “Queequeg”, eu disse, “venha para a cama, e me escute.” Então prossegui, começando com a gênese e a evolução das religiões primitivas, chegando às diferentes religiões do presente, e durante esse tempo me esforcei para mostrar a Queequeg que todas as Quaresmas, Ramadãs e genuflexões prolongadas em quartos frios eram uma tolice; que faziam mal para a saúde; que eram inúteis para a alma; em suma, que se opunham às leis da Higiene e do senso comum. Disse-lhe também que, sendo ele em outras ocasiões um selvagem tão sensível e tão sagaz, me afligia muito vê-lo agindo de modo tão insensato em relação ao seu ridículo Ramadã. Além disso, argumentei, jejuar arruína o corpo; e também faz ruir o espírito; e todos os pensamentos originados durante um jejum devem ser necessariamente um tanto esfomeados. Essa é a razão pela qual a maioria dos religiosos que sofrem de problemas digestivos nutre ideias tão melancólicas sobre seus aléns. Em uma palavra, Queequeg, eu disse, um pouco digressivo, o inferno é uma ideia nascida de um doce de maçã que não desceu bem; e que desde então se perpetuou através das indigestões alimentadas pelos Ramadãs.
   Perguntei então a Queequeg se já sofrera de indigestão, exprimindo a ideia com toda a simplicidade para que ele pudesse compreender. Ele disse que não; exceto numa ocasião memorável. Foi depois do grande banquete oferecido pelo Rei, seu pai, quando venceu uma grande batalha na qual cinquenta inimigos foram mortos antes das duas horas da tarde e foram todos cozidos e devorados à noite.

“Basta, Queequeg”, eu disse, estremecendo, “já chega!”; pois eu sabia o que ele queria dizer sem ter que dizê-lo. Conhecera um marinheiro que tinha visitado a ilha, e ele tinha me dito que era o costume, depois de vencer uma batalha, fazer no quintal ou jardim do vencedor churrasco de todos os mortos; em seguida, estes eram colocados um a um em grandes tachos de madeira, enfeitados com fruta-pão e coco, como um pilau, com salsa na boca, e enviados com os cumprimentos do vencedor a todos os seus amigos, como se fossem vários perus de Natal.

   Pensando bem, não creio que minhas observações sobre religião tenham produzido muito efeito sobre Queequeg. Em primeiro lugar, porque ele parecia embotado ao me ouvir falar sobre assunto tão importante de um ponto de vista diferente do seu; e, em segundo lugar, ele não entendia um terço do que eu falava, por mais simples que fossem minhas ideias; por último, sem dúvida nenhuma, ele achava que sabia mais sobre a verdadeira religião do que eu. Olhou para mim com uma espécie de condescendência e compaixão, como se achasse uma pena que um jovem tão sensato estivesse tão irremediavelmente perdido para a devoção evangélica pagã. 
   Por fim nos levantamos e nos vestimos; Queequeg tomou um café reforçado e comeu tantas caldeiradas que a estalajadeira perdeu o lucro que tinha conseguido com o Ramadã. Depois saímos para embarcar no Pequod, sem pressa, palitando os dentes com as espinhas do linguado.  

Moby Dick: 17 - O Ramadã
Moby Dick: 18 - Sua Marca
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Moby Dick é um romance do escritor estadunidense Herman Melvillesobre um cachalote (grande animal marinho) de cor branca que foi perseguido, e mesmo ferido várias vezes por baleeiros, conseguiu se defender e destruí-los, nas aventuras narradas pelo marinheiro Ishmael junto com o Capitão Ahab e o primeiro imediato Starbuck a bordo do baleeiro Pequod. Originalmente foi publicado em três fascículos com o título "Moby-Dick, A Baleia" em Londres e em Nova York em 1851,
O livro foi revolucionário para a época, com descrições intrincadas e imaginativas do personagem-narrador, suas reflexões pessoais e grandes trechos de não-ficção, sobre variados assuntos, como baleias, métodos de caça a elas, arpões, a cor do animal, detalhes sobre as embarcações, funcionamentos e armazenamento de produtos extraídos das baleias.
O romance foi inspirado no naufrágio do navio Essex, comandado pelo capitão George Pollard, que perseguiu teimosamente uma baleia e ao tentar destruí-la, afundou. Outra fonte de inspiração foi o cachalote albino Mocha Dick, supostamente morta na década de 1830 ao largo da ilha chilena de Mocha, que se defendia dos navios que a perturbavam.
A obra foi inicialmente mal recebida pelos críticos, assim como pelo público por ser a visão unicamente destrutiva do ser humano contra os seres marinhos. O sabor da amarga aventura e o quanto o homem pode ser mortal por razões tolas como o instinto animal, sendo capaz de criar seus fantasmas justamente por sua pretensão e soberba, pode valer a leitura.


E você com o quê se identifica?