sábado, 29 de outubro de 2011

Marvin

Titãs





Marvin
Titãs


Meu pai não tinha educação
Ainda me lembro
Era um grande coração
Ganhava a vida
Com muito suor
E mesmo assim
Não podia ser pior
Pouco dinheiro
Prá poder pagar
Todas as contas
E despesas do lar...


Mas Deus quis
Vê-lo no chão
Com as mãos
Levantadas pr'o céu
Implorando perdão
Chorei!
Meu pai disse:
"Boa sorte"
Com a mão no meu ombro
Em seu leito de morte
E disse:
"Marvin, agora é só você
E não vai adiantar
Chorar vai me fazer sofrer"...


E três dias depois de morrer
Meu pai, eu queria saber
Mas não botava
Nem os pés na escola
Mamãe lembrava
Disso a toda hora...


E todo dia
Antes do sol sair
Eu trabalhava
Sem me distrair
As vezes acho que
Não vai dar pé
Eu queria fugir
Mas onde eu estiver
Eu sei muito bem
O que ele quis dizer
Meu pai, eu me lembro
Não me deixa esquecer
Ele disse:
"Marvin, a vida é prá valer
Eu fiz o meu melhor
E o seu destino
Eu sei de cor"...


-"E então um dia
Uma forte chuva veio
E acabou com o trabalho
De um ano inteiro
E aos treze anos
De idade eu sentia
Todo o peso do mundo
Em minhas costas
Eu queria jogar
Mas perdi a aposta"...


Trabalhava feito
Um burro nos campos
Só via carne
Se roubasse um frango
Meu pai cuidava
De toda a família
Sem perceber
Segui a mesma trilha
E toda noite minha mãe orava
Deus!
Era em nome da fome
Que eu roubava
Dez anos passaram
Cresceram meus irmãos
E os anjos levaram
Minha mãe pelas mãos
Chorei!
Meu pai disse:
"Boa sorte"
Com a mão no meu ombro
Em seu leito de morte
E disse:


"Marvin, agora é só você
E não vai adiantar
Chorar vai me fazer sofrer"
"Marvin, a vida é prá valer
Eu fiz o meu melhor
E o seu destino eu sei de cor"...(2x)


Composição: Sergio Britto e Nando Reis

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Brigas





Veja só
Que tolice nós dois
Brigarmos tanto assim
Se depois
Vamos nós a sorrir
Trocar de bem no fim
Para que maltratarmos o amor
O amor não se maltrata não
Para que se essa gente o que quer
É ver nossa separação
Brigo eu
Você briga também
Por coisas tão banais
E o amor
Em momentos assim
Morre um pouquinho mais
E ao morrer então é que se vê
Que quem morreu fui eu e foi você
Pois sem amor
Estamos sós
Morremos nós

Sentimental Demais


Altemar Dutra






Sentimental Demais

Altemar Dutra

Sentimental eu sou
Eu sou demais
Eu sei que sou assim
Porque assim ela me faz
As músicas que eu
Vivo a cantar
Têm o sabor igual
Por isso é que se diz
Como ele é sentimental
Romântico é sonhar
E eu sonho assim
Cantando estas canções
Para quem ama igual a mim
E quem achar alguém
Como eu achei
Verá que é natural
Ficar como eu fiquei
Cada vez mais
Sentimental.

domingo, 23 de outubro de 2011

Simply the best


Tina Turner







I call you when I need you,
my heart's on fire
You come to me, come to me wild and wild
When you come to me
Give me everything I need

Give me a lifetime of promises and a world of dreams
Speak a language of love like
you know what it means
And it can't be wrong
Take my heart and make it strong baby

You're simply the best, better than all the rest
Better than anyone, anyone I've ever met
I'm stuck on your heart,
and hang on every word you say
Tear us apart,
Baby I would rather be dead

In your heart I see the star
of every night and every day
In your eyes I get lost, I get washed away
Just as long as I'm here in your arms
I could be in no better place

You're simply the best, better than all the rest
Better than anyone, anyone I've ever met
I'm stuck on your heart,
and hang on every word you say
Tear us apart, no, no,
Baby I would rather be dead

Each time you leave me I start losing control
You're walking away with my heart and my soul
I can feel you even when I'm alone
Oh baby, don't let go

You're the best, better than all the rest
Better than anyone, anyone I've ever met
I'm stuck on your heart,
and hang on every word you say
Tear us apart, no, no,
Baby I would rather be dead

Oh ! You're the best !!!

XIII (1ª) - No se puede hacer la revolucion sin las mujeres


A primeira vez que tive vergonha de não ter buenas agarraderas
Não lembro as despedidas


baitasar

Blanca e Juzé Qualquer Um decidiram que eu seria despedida da Montaña, todos corríamos riscos de sermos usados, uns contra os outros, reféns da ferocidade do Coronel. Havia os murmúrios sobre a vingança dos campesinos armando sus brazos com enxadas: um contra-ataque de desforra. O medo e a insensatez provocavam o histerismo nos puros, a falação sobre a brutalidade da degeneração humana: indios, cholos y impuro são apenas animais. O lixo desprezado da vida, o inimigo perverso a ser muerto. Bruxaria. Falação com os mortos. Palavras da salvação. A mão direita cristã subia como se o sinal da cruz fosse um desenho natural decorado, com promessas e ameaças, mas parava nos lábios carnudos do silêncio conivente
(Silêncio, crianças.) — não somos crianças, somos adubo — (O esterco da vida.) (Amém.)
A outra mão apontava o dedo do meio em riste, ereto
(¡No te jode!) (Calma, calma...) (¡Tenemos el derecho de responder!)
O destempero da vingança: desforra enfurecida por cada trapo de gente cortada ao meio pelas espadas e assadas em fogueiras. Gente sem valia: serviço de alimento. Desaparecidos para a força que une as pessoas pelo terror: medo. Fazem o cadáver do índio e o cadáver do animal flutuarem juntos nas lágrimas choradas que não puderam esperar. Assados, cortados, rasgados, famintos
(Mi hermana, quiero que estes a salvo)
Aceitar isto me pareceu demasiada covardia. Colocar-me em segurança enquanto os demais ardiam em gradis. Fugir me parecia demasiado, mas o que faria uma criança no meio da matança além de atrapalhar e morrer junto
(Não tenho medo de morrer.) (Presunción.)
Disse que não tinha medo da Montaña, ela só assustava os covardes, gritei que não era medrona. Carregava os cojones nos peitos. As lágrimas me saiam como se todas as neves acumuladas em meu topo estivessem desgelando, aquecidas pela vontade de brigar e furar esses monstros, os matadores de nuestras madres. Por breves instantes desejei ser homem, por certo, me deixariam ficar e lutar — Los hombres matan la vida que las mujeres crean — minha irmã sempre com suas razões.
Desisti daquela vontade sinistra, mas as despedidas sempre são difíceis e incontroláveis, pelo menos, para mim. As minhas águas desciam caudalosas dos olhos, se ajuntavam as águas espessas das ventanas e engrossavam, até formar um único rio com as águas da minha boca, então, uma baba adoçada e espessa respingava em meu vestido de linho branco, outra parte daquela baba inútil se perdia enfiada no chão de terra. Todos deixavam suas partes naquele mármore de tierra arrugada de um jeito ou de outro. Una tierra roçada e limpa até o sabugo dos ossos. Passamos a vida afogadas na escravidão da Montaña, continuamos sujeitas a um senhor do Senhor, esmorecendo e derretendo nós mesmas. Não se tem escolha de vida enquanto não enxergamos quem somos, depois começamos à luta
(Soy uma perra egoísta y capitalista, jodida por dinero.)
Foi uma coragem estúpida que me fez pedir para ficar, meu corpo franzino jamais seria um obstáculo para os inimigos dos campesinos. Na verdade, quis ficar por medo da saudade. Carregava muitas saudades ausentes da mamãe e do papai. Estava assustada e sentia muita raiva daqueles bandidos comprados com o sangue das galinhas, dos guaguas, dos piolhos. Queria estar longe, mas tinha vergonha de reconhecer como bom: fugir
(Blanca, não quero ficar escondida.) (Creemos que esta es la necesidad y tú tiene que desaparecer.) (Mas...) (Ellos pueden usar tú para llegar a Juzé.)
Não tinha o que discutir, não tinha nada a oferecer com aquele meu tamanho de risco e fedor, não tinha nada, sabia que os dois tinham razão. Depois que contamos o que eu e Juanito vímos, decidiram atacar o casario senhorial. O anão e La Leporina. O destino estava para se cumprir. O meu também. Apenas que ninguém sabe que ele está se cumprido, é um parceiro que vai se preenchendo enquanto andamos. Aparenta que o destino de uns demora mais que o destino de outros, mas é apenas bobagem: é o que é e pronto
(Não fiz filhos.)
Não haveria de querer filhos para adubar as covas de maíz, para engraxar com su sangre as espadas que nos cortam a cabeça, não, nunca quis filhos. Não saberia como chorar seu destino sepultado em silêncio, aun en mi barriga. Todos pareceram tão mortos, empapados de aguardente no frio e no quente. Não, não queria filhos para o frio da morte nem para o calor das velas. Não seria mais uma mulher a crear la vida, yo solo queria vivir la vida.
A Montaña é um monte de terra que afunda os corpos, afoga as intenções de imaginação. Ela não recebe ordens, todos satisfaziam as suas ordens. Como nosso velho pai, antes do seu encontro com o amolecimento e o descolamento da carne e do osso, antes de desaparecer passava os dias deitado. As costas coladas na palha e a barriga para cima subindo e descendo, enchendo e esvaziando do ar que entrava e saia pela boca. Ele não se contentava mais com o ar en las ventañas. Reclamava que eram furos mui pequeños. Blanca resmungava que os furos deviam estar menores porque papá estava com saudades de sus mujeres e se apressava em ir ao encontro das saias. Ele dava-lhe os ombros: o feito não poderia ser desfeito. O ar no quarto de papá ficava entupido com a fumaça dos seus cigarrillos de palha. En su muerte papá passa os dias e noites deitado... esperando ser encontrado.
O velho bem que tentava sentar, levantar, mas a aldeia e a Montaña, os cachorros, as galinhas, os mestiços, as putas, tudo na sua visão girava, girava, e girava tanto, que os sonhos saiam de dentro da cabeça e retornavam pelos olhos, iam para fora da garganta até a boca, vomitando as entranhas, sacudindo o corpo, estremeciam o roçado e o milho. A tontura e o destino lhe carregaram da vida aos pouquinhos, definhando de fome até não reconhecer na dor a própria fome. Os delírios rodavam em sua cabeça e saiam anunciando o dia do juízo final, a traição de todas as traições: a domesticação da candura e do corpo que os jesuítas da Companhia trouxeram para a Montaña, junto veio a crendice que tudo se acaba um dia, mesmo contra a vontade do patrão da Montaña de maíz.
Titubeando nas palavras, repetia que um imenso porteiro, índio de um lado e mestiço de outro lado, havia de não permitir a passagem de hombres y mujeres de luxo, essa era a porteira prometida aos abandonados e sofridos, o paraíso da vida eterna dos pobrecitos. Um mundo verde, sem preconceitos, sem desigualdades, um mundo de fartura. Assim foi, dia após noite, até que desapareceu em uma noite de estrelas brilhando e dançando, enquanto o exército do coronel entrava en Piedras Altas, descontrolados, aos gritos e as armas atirando nas estrelas. A última vez que vi papá ele caminhava dormindo. Enfrentava os demônios com os espíritos antigos ao seu lado. Desapareceu como se a escuridão do universo estivesse abrindo seus braços para aquele hombre del maíz, um sobrevivente na naturalidade da velhice, parando de suspirar, parando de respirar
(¡Encontramos!)
Papá queria ser levado ao topo da Montaña, enrolado em tecido fino e simples, sem choradeiras ou cantorias. Quis o silêncio de uma cova de milho. Pediu que Blanca colocasse grãos de milho em seus bolsos e mãos, quando o geminado florisse, sua alma estaria se libertando daquela carne enfraquecida, a sua ressurreição estaria completada.
A Montaña é o que é: um montão de tierra; o coronel é o que é: um assassino com autorização de massacrar; nós somos o que somos: gente colocada à parte e sem autoridade. De vez en cuando surge alguém que nos diz que podemos morrer lutando. Éramos muitos para morrer todos, então, seria bom não levar a vida tão a sério, afinal ninguém sairá vivo dela
(Por que devemos morrer lutando?) (Não tenha medo Juanito, Blanca siempre me diz que não podemos morrer duas vezes.) (E uma vez não basta?)
Foi minha última conversa com Juanito, se é que você pode chamar essas palavras de conversa. Saímos vivos do inferno de La Muerte e jamais voltamos a nos encontrar. Não dá para levar a vida tão controlada, antes de entrar pensar na saída, tem vez que a saída é o começo.
Naquela noite fiquei sabendo de conversas entre Juzé e um tal senhor Caraca, ouvi comentário da Blanca que o homem vendia a leitaria das suas vacas. Minha irmã perguntou se ele foi ou é companheiro de farras do Juzé Qualquer, não pude entender com mais claridade de voz, os dois aumentavam e diminuíam seus cochichos. Entendi que o amigo do Zé vivia de espremer tetas. Parece que sempre viveu de espremer quaisquer tetas. Blanca reclamava das tetas de las putas
(¡Me cago em dios!) (Meu amorzinho, são as tetas das vacas...) (¡Apretando las putas tetas!) (Como teu pai!) (¡Papá está muerto!) (Desaparecido!)
Por lá, na Montaña, vivíamos de rasgar a terra com nosso instrumental de campesino: a enxada e as mãos. Nessas maneiras de apertar tetas ficam às putas, com suas sandálias de saltos altos e bocas vermelhas, caminhando acima e abaixo das estradas de barro e poeira. As mãos são ferramentas úteis para arar, semear e colher. Um campesino sem suas mãos não tem utilidades na tierra, será apenas um estorvo que embaraça a enxada esquecida em algum canto por desuso.
Esse amigo do Juzé, o tal espremedor, procurava alguma menina que pudesse dar conta de ajudar la mujer en su buena vida. A tarefa primeira seria cuidar dos filhos da parelha. El exprimidor surgia-me nos sonhos como un hombre com mãos enormes para agarrar tantas tetas e fazer tamanha leitaria. Lembro que só pensava que el hombre não usava as mãos na terra como papá. Com certeza seriam macias de tanto acariciar las vacas. Passei minhas mãos em meus dois pontinhos inchados, parecendo se florir. Foi a primeira vez que tive vergonha de não ter buenas agarraderas e medo de nunca mais encontrar Juanito.
Sai correndo ao encontro de Juanito.
Queria tantas coisas, me lembro apenas da confiança nos olhos de Juanito e a vontade de mostrar minhas pequeñas agarraderas. Fazer daquele momento uma espera para sempre. Corria como jamais havia viajado, entre galinhas e perros, esmagando las cucarachas, chutando los ratones, desviando dos que habían envejecido. Passávamos pelo tempo, minhas agarraderas iam à frente, saltitando, avisando que já chegávamos. Entramos no milharal. Atravessamos.
Lá estava Juanito. Em pé. Esperando.
Paramos na sua frente. Não lhe pudemos falar, não conversamos. Meu coração ofegante silenciava minha garganta. Meus olhos gritavam
(Hoje... me vou embora.)
Suas mãos deixadas ao lado do cuerpo pequeño não se mexiam, inertes e obedientes  não respondiam
(Eu sei.)
Nada mais. Ficamos, ali, em pé, olhando o milharal e escutando seus gemidos. Mutilados. Está foi nossa última conversación sem palavras.
Não ergui a blusa como planejara fazer, nem disse adeus, nem pedi que esperasse meu regresso à Montaña. Ficou apenas o vazio incompleto desta vida de desejos escondidos no silêncio.
Minha amiga, você quer saber se tenho algum arrependimento, posso responder que apenas um, não ter erguido minha blusa e mostrado minhas pequeñas agarraderas para o Juanito. Foi a minha primeira vez de permitir que a vida se tornasse apenas um quadro para apreciar de fora, de longe. Foi a primeira vez que morri por minhas próprias mãos. Elas estavam ali, caídas ao lado do meu corpo e não conseguiram se erguer para mostrar minhas pequeñas agarraderas. Minhas mãos ficaram em silêncio, solidificaram como as lavas de um vulcão. Podia sentir o calor avermelhado da indecência sob aquela fina crosta feita de aparência e ilusão. Não as deixei livres, ou melhor, descobri que não eram livres, era insuportável atravessar a cobertura cinza do miedo. Juanito jamais viu minhas pequeñas agarraderas, elas continuaram escondidas sob as escamas endurecidas de aparentar o que não sentia, aquelas pequeñas agarraderas eram rios de lava escorrendo avermelhados onde a luz não penetrava, nem esborrifava no ar. Permaneceram secretas do silêncio.
Não houve derrame, nem ruídos, continuei congelada nas minhas profundidades, miedo do julgamento dos olhos de Juanito ou miedo que minhas pequeñas agarraderas não fossem perfeitas.
Então, me fui.
Era um jardim esperando pelo sol da primavera, mas parecia que o inverno não abandonava minhas terras, para florir as melhores rosas do pátio, acolher o alegre canto dos pássaros, encantados com a vida nova. Sentia apenas a falta de ar e as pernas cansadas, como se estivessem me carregando para uma jaula.
Uma tristeza áspera me acompanhava naqueles dias, e hoje, me parece que jamais se rendeu, nem aos ventos, nem às flores, como um viver por viver em amarguras, um dia após o outro desencantado.
A menina que fui partiu para cuidar dos filhos de outros senhorios. Deixei a Montaña e Juanito para trás, em pé, parados. A exuberância da madrugada e a sua delicadeza com fugitivos deitava o manto do negrume para encobrir Blanca, Juzé e eu.
El corazón continúa pequeño y frío.
Não lembro as despedidas.

sábado, 22 de outubro de 2011

Oração de Dom Helder

Grandes brasileiros...






INVOCAÇÃO À MARIAMA

Mariama, Nossa Senhora Mãe de Cristo e Mãe dos Homens! Mariama Mãe dos Homens de todas as raças, de todas as cores, de Todos os cantos da Terra. Pede ao teu Filho que esta festa não termine aqui, a marcha final vai ser linda de viver.

Mas é importante, Mariama, que a Igreja de Teu Filho não fique em palavra, não fique em aplauso. O importante é que a CNBB, a Conferencia dos Bispos, embarque de cheio na causa dos negros, como entrou de cheio na Pastoral da Terra e na Pastoral dos Índios. Não basta pedir perdão pelos erros de ontem. É preciso acertar o passo hoje sem ligar ao que disserem.

Claro que dirão, Mariama, que é política, subversão, que é comunismo.É Evangelho de Cristo, Mariama. Mariama, Mãe querida, problema de negro, acaba se ligando com todos os grandes problemas humanos. Com todos os absurdos contra a humanidade, com todas as injustiças e opressões. Mariama, que se acabe, mas se acabe mesmo a maldita fabricação de armas. O mundo precisa fabricar é Paz. Basta de injustiças, de uns sem saber o que fazer com tanta terra e milhões sem um palmo de terra onde morar. Basta de uns tendo de vomitar pra poder comer maise 50 milhões morrendo de fome num ano só. Basta de uns com empresas se derramando pelo mundo todo e milhões sem um canto onde ganhar o pão de cada dia.

Mariama, Nossa Senhora, Mãe querida. Nem precisa ir tão longe como no teu hino. Nem precisa que os ricos saiam de mãos vazias e os pobres de mãos cheias. Nem pobre nem rico. Nada de escravos de hoje ser senhor de escravos amanhã. Basta de escravos. Um mundo sem senhor e sem escravos. Um mundo de irmãos.

De irmãos não só de nome e de mentira. De irmãos de verdade, MARIAMA

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Milonga de Manuel Flor


Vitor Ramil

Homenagem do baitasar aos Poetas




Milonga de Manuel Flores

Jorge Luis Borges

Manuel Flores va a morir,
eso es moneda corriente;
morir es una costumbre
que sabe tener la gente.
Y sin embargo me duele
decirle adiós a la vida,
esa cosa tan de siempre,
tan dulce y tan conocida.
Miro en el alba mis manos,
miro en las manos las venas;
con estrañeza las miro
como si fueran ajenas.
Vendrán los cuatro balazos
y con los cuatro el olvido;
lo dijo el sabio Merlín:
morir es haber nacido.
¡Cuánto cosa en su camino
estos ojos habrán visto!
Quién sabe lo que verán
después que me juzgue Cristo.
Manuel Flores va a morir,
eso es moneda corriente:
morir es una costumbre
que sabe tener la gente.

domingo, 16 de outubro de 2011

Preta Pretinha [1973]


Novos Baianos





Preta Pretinha

Os Novos Baianos

Laiá Larará Lararará Larará
Preta, Preta, Pretinha!
Preta, Preta, Pretinha!
Preta, Preta, pretinha!
Preta, Preta, Pretinha!
Enquanto eu corria
Assim eu ía
Lhe chamar!
Enquanto corria a barca
Lhe chamar!
Enquanto corria a barca
Lhe chamar!
Enquanto corria a barca...
Por minha cabeça não passava
Só! Somente Só!
Assim vou lhe chamar
Assim você vai ser
Só! Só! Somente Só!
Assim vou lhe chamar
Assim você vai ser
Só! Somente Só!
Assim vou lhe chamar
Assim você vai ser
Só! Só! Somente Só!
Assim vou lhe chamar
Assim você vai ser...
Eu ía lhe chamar!
Enquanto corria a barca
Eu ía lhe chamar!
Enquanto corria a barca
Lhe chamar!
Enquanto corria a barca
Eu ía lhe chamar!
Enquanto corria a barca
Eu ía lhe chamar!
Enquanto corria a barca
Lhe chamar!
Enquanto corria a barca...
Abre a porta e a janela
E vem ver o sol nascer...(6x)
Eu sou um pássaro
Que vivo avoando
Vivo avoando
Sem nunca mais parar
Ai Ai! Ai Ai! Saudade
Não venha me matar
Ai Ai! Ai Ai! Saudade
Não venha me matar
Ai Ai! Saudade
Não venha me matar
Ai Ai! Ai Ai! Saudade
Não venha me matar...
Lhe chamar!
Composição: Galvão - Moraes Moreira

sábado, 15 de outubro de 2011

Jack Soul Brasileiro


Lenine






Jack Soul Brasileiro

Lenine

Jack Soul Brasileiro
E que som do pandeiro
É certeiro e tem direção
Já que subi nesse ringue
E o país do swing
É o país da contradição...
Eu canto pro rei da levada
Na lei da embolada
Na língua da percussão
A dança mugango dengo
A ginga do mamolengo
Charme dessa nação...
Quem foi?
Que fez o samba embolar?
Quem foi?
Que fez o coco sambar?
Quem foi?
Que fez a ema gemer na boa?
Quem foi?
Que fez do coco um cocar?
Quem foi?
Que deixou um oco no lugar?
Quem foi?
Que fez do sapo
Cantor de lagoa?...
E diz aí Tião!
Diga Tião! Oi!
Foste? Fui!
Compraste? Comprei!
Pagaste? Paguei!
Me diz quanto foi?
Foi 500 reais
Me diz quanto foi?
Diga Tião!
Oi!
Foste? Fui!
Compraste? Comprei!
Pagaste? Paguei!
Me diz quanto foi?
Foi 500 reais
Me diz quanto foi?
Jack Soul Brasileiro
Do tempero, do batuque
Do truque, do picadeiro
E do pandeiro, e do repique
Do pique do funk rock
Do toque da platinela
Do samba na passarela
Dessa alma brasileira
Despencando da ladeira
Na zueira da banguela
Alma brasileira
Despencando da ladeira
Na zueira da banguela(2x)
Diz ai quem foi......
Quem foi?
Que fez o samba embolar?
Quem foi?
Que fez o coco sambar?
Quem foi?
Que fez a ema gemer na boa?
Quem foi?
Que fez do coco um cocar?
Quem foi?
Que deixou um oco no lugar?
Quem foi?
Que fez do sapo
Cantor de lagoa?...
Me diz aí Tião!
Diga Tião! Oi!
Fosse? Fui!
Comprasse? Comprei!
Pagasse? Paguei!
Me diz quanto foi?
Foi 500 reais...
Eu só ponho BEBOP no meu samba
Quando o tio Sam
Pegar no tamborim
Quando ele pegar
No pandeiro e no zabumba
Quando ele entender
Que o samba não é rumba
Aí eu vou misturar
Miami com Copacabana
Chiclete eu misturo com banana
E o meu samba, e o meu samba
Vai ficar assim...
Ah! ema geme...(5x)
Aaaaah ema gemeu!
Eu digo deixa!
Que digo!
Que pensem!
Que fale!
Deixa isso pra la
Vem pra ca
O que que tem
Eu não to fazendo nada
Você também
Não faz mal bater um papo assim gostoso com alguém(2x)
Composição: Lenine

Morte nos búzios

... ficção policial


Uma mulher tem a morte prevista num jogo de búzios. Na manhã seguinte é encontrada com o pescoço cortado e a boca cheia de folhas de manjericão. Desvendar o homicídio, com aspectos de sacrifício religioso, é tarefa do delegado Tiago Paixão, que acaba se embrenhando na rotina e nos costumes de um terreiro de candomblé.
Um segundo crime com as mesmas referências supostamente religiosas faz com que o assassino fique conhecido nos jornais como o Sacrificador. Logo surgem imitadores, desencadeando-se uma onda de violência na cidade. Enquanto o delegado Paixão se vê pressionado pela imprensa e por seus superiores, uma guerra santa à brasileira está prestes a estourar.


1

O táxi parou em frente ao portão de uma casa branca quase escondida atrás de um muro alto numa rua da Freguesia do Ó, bairro da zona norte de São Paulo. Helena tirou do pulso o relógio de ouro e o guardou na bolsa. Sentiu-se mais segura. Pagou o taxista, desceu e, mesmo relutante, tocou a campainha da casa.

A verdade podia doer, mas não mais que a dúvida. Com quarenta anos,não devia ter se deixado envolver àquele ponto.

Mas quem garante que há idade certa para cada coisa? Uma brincadeira, um namoro, um caso, e de repente o jogo prazeroso se transforma numa arapuca. Não, ela iria superar, tinha força para isso, sobreviveria e tiraria proveito do aprendizado.

Ah! mas o coração batia forte, sentia um nó na garganta. Se arrependimento matasse! Pensava no filho, no marido que não amava mas que não queria magoar. Pensava no futuro, era jovem. Mas que futuro? Precisava de socorro. E como!

O portão se abriu. Foi recebida por uma negra alta, bonita, vestida com uma saia franzida que descia até os tornozelos e uma blusa farta e decotada, ambas de algodão estampado. Amarrado em torno do tórax, uma espécie de xale do mesmo tecido prendia os seios. Usava vários colares de contas de muitas voltas, que caíam até abaixo da cintura. Tinha a cabeça coberta por um turbante e estava descalça.

— Boa tarde! Dona Helena? Prazer, vamos entrando. Minha mãe já vai atender a senhora. Dá licença? — Num pote de barro ao lado do portão mergulhou uma caneca, que passou sobre a cabeça de Helena, sem tocá-la. Curvando-se como se fizesse uma reverência, jogou o conteúdo da caneca na rua e foi tratando de explicar o porquê daquilo:

— É água. Para limpar as coisas ruins que a gente pega na rua. Vale por um banho.

Foi levada até uma sala, onde se sentou e tomou o cafezinho que a moça lhe ofereceu. Helena achou o café gostoso e se sentiu reconfortada. Estava mais calma, mas ainda sentia o peito oprimido. A jovem elogiou a beleza e a elegância da cliente, desculpou-se,“sou tão sincera”, pediu licença e se retirou. Uma sineta tocou lá dentro, e a mesma moça voltou para conduzi-la a outro aposento. Pensou em desistir, voltar para casa.

Uma senhora a esperava de pé, era mãe Aninha. O mesmo tipo de roupa, mas de um tecido leve, branco, bordado com fios prateados. Porte de rainha, um pouco gorda para sua estatura mediana, ar de gente bondosa e de bem com a vida. Teria uns sessenta anos? Morena, feições bonitas, usava muitos colares de contas e tinha a cabeça coberta por um turbante. Cumprimentaram-se. Helena olhou de relance para os pés da mãe-de-santo, imaginando se ela também estaria descalça. Ela estava bem calçada e sorriu para a visita, sentando-se e apontando uma cadeira.

— Por favor, sente aqui perto de mim.

Entre as duas havia uma pequena mesa, e sobre a mesa Helena viu uma peneira com búzios, moedas e seixos.A mãede-santo falou:

— Fique tranqüila, vamos ver o que dizem os búzios.

Concentrou-se, parecia que rezava, os olhos baixos. Segundos que pareceram uma eternidade. Depois levantou a cabeça e gritou para fora do quarto:

— Júlia, minha filha, traga um copo d’água fresquinha para a senhora. Está calor.

Em seguida ajeitou-se na cadeira de braços, sorriu outra vez para Helena e fez uma reza numa língua incompreensível, 8arrumando os apetrechos do jogo. Júlia, a negra da recepção, entrou com um copo d’água,que Helena deixou na mesa sem beber. A mãe-de-santo esfregou os búzios entre as mãos e jogou-os na mesa. Logo em seguida jogou novamente. Repetiu o lançamento pela terceira vez. Pareceu não ter gostado do resultado, pois o sorriso desapareceu de seu rosto simpático e seguro. Em vez de falar com a cliente, gritou para fora do quarto:

— Júlia, venha aqui, menina. Corra.

A filha-de-santo entrou no quarto, apressada, e mãe Aninha instruiu:
— Vá à cozinha e diga que vou precisar de nove acaçás e nove acarajés para uma oferenda. Se não tiver, tem que fazer já. E peça que preparem também nove porções de farofa de dendê, nove pratinhos de pipoca, nove flocos de algodão e uma cabaça com nove ovos. Vou ter que fazer o ebó imediatamente. Tudo em número de nove, compreendeu, minha filha?

A filha-de-santo confirmou com a cabeça, fez uma mesura e saiu. Só então mãe Aninha dirigiu-se à consulente, que não estava entendendo nada e ia ficando cada vez mais nervosa.

— Não é bom o que vejo, infelizmente não é.Vejo morte nos búzios — disse mãe Aninha, olhando com apreensão, alternadamente, para os búzios e para Helena. — O jogo está avisando que a morte está por perto. Vejo um grande perigo se aproximando. O que está acontecendo, minha filha?

— Morte? Não sei — respondeu Helena como quem sai de um torpor. — Não tenho ninguém doente na família. Minha mãe é idosa, mas tem boa saúde.

— Não, não é morte de parente, é sua morte que os búzios estão anunciando. — Mãe Aninha lançou de novo os búzios. — O jogo confirma, sinto muito.Alguém quer tirar sua vida.Mas vamos dar um jeito.Não me esconda nada,me ajude, minha filha, vamos fazer de tudo para enganar sua sina.

Helena reagiu com indignação:

— Isso não faz sentido! Ninguém está querendo me matar. O que é isso? Foi outro motivo que me trouxe aqui. A senhora está enganada. — Apertava as mãos uma na outra enquanto falava.

— É, às vezes a gente pensa que a aflição vem de uma coisa, mas ela vem de outra. É o que eu vejo no seu jogo. O padecimento é profundo, mas a senhora tem medo de olhar para o que causa esse desespero. — Mãe Aninha prendeu as mãos da consulente entre as suas. — O perigo é grande, não temos tempo a perder. Abra seu coração, filhinha. Oxum é mãe,ela é o seu orixá,vai proteger a senhora.Vamos fazer uma oferenda inicial ainda hoje para acalmar o seu destino. Um ebó, entende? Um despacho. Amanhã, com mais tempo, preparamos o trabalho completo para afastar de vez essa ameaça. Vamos cuidar de tudo com a ajuda dos orixás.

— Desculpe tomar seu tempo! — Helena soltou-se e deu a consulta por encerrada, levantando-se. — É melhor a gente parar por aqui. Será que alguém pode me chamar um táxi?

Agora quem estava aflita era a mãe-de-santo.

— Não, não. Tenha calma, não vá embora assim desse jeito. Precisa confiar. O jogo me deixou muito preocupada. Os búzios mostraram morte imediata, e não é por doença. A morte já está aqui ao seu lado. Precisamos agir depressa, fazer os ebós que a situação exige...

Enquanto falava, aspergia os búzios com água de uma quartinha de louça branca sobre a mesa,e com a ponta do dedo molhava a própria testa e a testa de Helena, que se esquivava, limpando com as costas da mão a testa levemente molhada.

— A senhora pode ficar tranqüila que nada de mau vai me acontecer. Não quero mais falar nesse assunto.
Helena abriu a bolsa, tirou duas cédulas e as largou sobre a mesa.

— Desculpe, não quero saber mais nada. — À porta, ainda disse:

— Até logo, preciso ir, desculpe. Passe bem.

A moça que a recebera pediu um táxi por telefone, levou-a até o portão e ficou com ela até o carro chegar. “Será que o taxista se perdeu no caminho? Que demora!”A opressão no peito agora era insuportável. Pensou que ia vomitar.

Enfim, o táxi.

A corrida até Indianópolis levou mais de uma hora, o trânsito horrível. Helena entrou correndo em casa e se fechou no quarto, depois de ordenar que não a incomodassem. Queria ficar sozinha, não desceria para o jantar.

Também não desceu para o café na manhã seguinte. Preocupada, a empregada foi chamá-la no quarto. Helena não estava dormindo, estava morta. O corpo nu estava sobre a cama, num charco escuro e endurecido de sangue coagulado. Tinha o pescoço cortado e a boca cheia de folhas de manjericão.



PRANDI, Reginaldo 
Morte nos búzios, Editora: Companhia das Letras, Edição: 1ª, 2006, p. 248
Assunto: LITERATURA BRASILEIRA - FICÇÃO POLICIAL
Encadernação: Brochura


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

IV - Contos Africanos


Zito Makoa, da 4ª classe


Luandino Vieira


Na mesma hora em que a professora chegou, já tinham-lhes separado. Mesmo assim arrancou para o meio dos miúdos e pôs duas chapadas na cara do Zito. O barulho das mãos na cara gordinha do monandengue[1] calou a boca de todos e mesmo o Fefo, conhecido pelo riso de hiena, ficou quietinho que nem um rato.

— Miúdos ordinários, desordeiros! Quem começou? — e a fala irritada da mulher cambuta[2] e gorda fazia-lhe ainda tremer os óculos na ponta do nariz.

Ninguém que se acusou. Ficaram mesmo com os olhos no chão da aula, fungando e espiando os riscos que os sapatos tinham desenhado no cimento durante a confusão. Raivosa, a professora deu um puxão na manga de Zito e gritou-lhe:

— Desordeiros, malcriados! És sempre tu que arranjas complicações!

— É ele mesmo! — e essa acusação do Bino obrigou toda a gente a gritar, apontando-lhe, sacudindo o medo de respeito que a professora trazia quando chegava.

— Foi ele, sô pessora! Escreveu coisas...

— É bandido. O irmão é terrorista!

E os gritos, os insultos escondidos, apertaram-se à volta de Zito Makoa enquanto a professora sacudia com força o braço, para ele confessar mesmo. O miúdo, gordinho e baixo, balançava parecia era boneco e não chorava com soluços, só as lágrimas é que corriam na cara arranhada da peleja que tinha passado.

A confusão tinha começado mesmo no princípio da escola queando Chiquito, um miúdo amarelinho como brututo[3] e óculos de arame como era sua mania, xingou Zeca de amigo dos negros, por causa da troca da manhã. É que Zeca e Zito eram amigos de muito tempo, desde a 1ª escola era a mesma e os dois gostava sair nas aulas para caçar os pássaros nas barrocas das Florestas, antes de Zito makoa, que estava morar no Rangel, ficar no largo da estátua, esperando a carrinha da borla[4] do sô Aníbal, naquela hora das seis quando o povo saíam no serviço.

Sempre trocavam suas coisas, lanche do Zeca era para o Zito e doces de jinguba[5] ou quicuérra[6] do Zito era para Zeca. Um dia mesmo, na 3ª, quando Zito adiantou trazer uma rã pequena, caçada nas águas das chuvas na frente da cubata[7] dele, o Zeca, satisfeito, no outro dia lhe deu um bocado de fazenda que tirou no pai. Eram esses calções que Zito vestia nessa manhã quando chegou no amigo para lhe contar os tiros no musseque[8] e corrigir ainda os deveres, mania antiga.

— Sente, Zeca! Te trouxe três balas!

Zeca silva olhou à volta desconfiado como ele não tinha, e riu depois:

— Vamos ainda na casa de banho. Se esses sacristas vão ver, começam com as manias deles!

Aí mesmo é que Bino espiou. Da janela, como tinha a mania, e até costumava espreitar a professora e tudo. Viu Zito mostrar as três balas vazias, amarelas, a brilhar na palma da mão dele cor-de-rosa, e Zeca Silva — esse amigo dos negros, sem-vergonha! — desembrulhar ainda com cuidado, o carrinho de linhas caqui.

Toda a miudagem foi avisada, esse velho truque do bilhetinho passou na sala e assim que a campainha do recreio gritou, na confusão da brincadeira da saída atrás da professora, Bino pôs logo um soco nas costas de Zito.

— Possa, negro! Não vês os pés dos outros?

Era mentira ainda, Zito estava na frente, não podia lhe pisar. Isso mesmo refilou o Zeca logo, adiantando no meio dos dois. E aí Zito sorriu seu sorriso gordo e tirou o amigo.

— Deixa só, Zeca! Esse gajo anda-me procurar ainda. Chegou a hora!

Riu Bino, riu de cima da sua estatura de mais velho e arreganhou-lhe:

— O quê? Queres pelejar? Ponho-te branco!

E todos os miúdos seguiram atrás deles, os mais atrevidos satisfeitos com as partes do bino, pondo rasteiras para Zito cair, mas o rapaz ria sempre. Cagunfas[9], ele não era, mesmo que o Bino era mais velho e mais alto não fazia mal. Sempre pelejava lá em cima com os outros monandengues nas areias vermelhas do musseque onde estava morar e por isso mesmo lhe adiantaram chamar de Makoa: curtinho e gordo, mas, força como ele, só esse peixe no anzol.

Foi ele que pôs a primeira bassula[10] no Bino e atacou-lhe logo um gapse[11] mesmo no pescoço, mas os outros amigos do miúdo — eram três — quando viram, saltaram em cima do Zito e surraram-lhe socos, pontapés e tudo e mesmo os outros que estavam de fora não quiseram desapartar, falavam era mesmo bem-feito, esse miúdo tinha o irmão terrorista, todos sabiam, e o melhor era partir-lhe a cara dessa vez para não abusar.

E nessa hora que lhe apontaram com o dedo, mostrava a cara dele chorando das chapadas da professora, não era da dor, não era da raiva desses sacristãs, quatro contra um, mesmo com o Zeca depois a defender-lhe, tinham-lhe machucado no lábio e no nariz e ainda por cima punham mentiras na professora.

— Verdade, sô pessora! Eu vi o papel!

— Não sei o que ele escreveu, mas ele e o Zeca Silva têm a mania de escrever essas coisas que não nos deixam ler.

A professora virou-se depressa, balançando gorduras, e chamou:

— Zeca Silva!

O berro encheu a sala e o miúdo levantou da carteira onde estava esquivado desde o principio da conversa. A mão dele, rápida, amachucou um papel pequeno.

— Vem cá, malandro. Tenho que me queixar ao teu pai, para ele saber a prenda que tem. Anda cá, aproxima-te!

Zeca veio devagar, enxotando o cabelo dos olhos, guardando a mão no bolso. Os outros cercaram-lhe à volta da professora cambuta e Bino aproveitou para dar-lhe ainda um empurrão. No meio daqueles miúdos todos, arranhados e despenteados, ficou o Zeca com os olhos pousados no chão, o Zito Makoa chorando de raiva e a professora.

— Mostra já o bilhete que escreveram. Depressa!

— Não escrevemos bilhete nenhum...

— É mentira, é mentira, a gente viu! — as falas pareciam gritos de corvos à volta do monte de lixo.

— O bilhete, depressa! — e afastou-se para tirar o ponteiro.

Sucedeu um mexer rápido, a roda ficou mais grande à volta dos miúdos e a primeira ponteirada bateu certinha, como era técnica da professora, na orelha do Zeca, mas ele não falou ainda.

— O bilhete, uma! O bilhete, duas!...

E as ponteiradas continuaram a bater-lhe na cabeça e no ombro. Foi aí que Zito makoa se pôs na frente e levou a quarta pancada.

— Dá ainda, Zeca. Não importa.

Desta vez Zito caiu com o puxão da professora, mas levantou logo. O bilhete já — saía no bolso do amigo e a cambuta lia, encarnada, encarnada parecia era pau de tacula[12], para perguntar no fim com voz diferente:

— Quem escreveu isto? Foste tu, negro?

Zito nem teve tempo de se defender. As chapadas choveram de toda parte e, quando a professora acabou, levou-lhe, pelas orelhas, no gabinete do diretor da escola. Atrás de Zito chorando, os outros miúdos acompanharam-lhe, uns com cara de maus, outros satisfeitos daquela surra.


— Ah, não! Vadios na escola, não! Malandros, vadios de musseque! Se já viu esta falta de respeito! Negros! Todos iguais, todos iguais...

A voz irritada da professora sentia-se cá fora, o Zeca silva chorava a dor do amigo num canto da varanda, não sabia mesmo o que ia fazer para lhe ajudar naquela hora. Não gostava mentir, essa coisa de aldrabice nunca que fazia, a mãe sempre lhe gabava por isso mesmo, menino leal não falava nunca as mentiras, aquilo que ele fazia, tanto faz é bem, tanto faz é mal, ele acusava, e agora, naquela hora era melhor mesmo mentir, era ainda a maneira de o amigo levar menos, não lhe correrem da escola. Por isso é que tinha dado aquele outro bilhete, ele é que tinha-lhe escrito depressa, aproveitando a confusão.

Era o Zito mesmo que estava levar com as palmatoadas do diretor, se ouvia, cá fora, o barulho, mas nem um grito, nem um soluço mais, só as falas zangadas e raivosas da professora cambuta, chamando-lhe de negro malandro, mostrando o bilhete que ele, Zeca Silva, escrevera ela tinha pernas gordas, para salvar o amigo da escola, o amigo das brincadeiras e de trocar coisas.

O recreio estava acabar, o contínuo ia já tocar a campainha. Zeca Silva pensou então que não podia deixar o Zito sozinho, fechado no quarto do diretor, sem ninguém, abandonado com as dores, o melhor era mesmo fugir na escola.

No jardim da frente tinha pardais a cantar nos paus e, nessa hora das onze, um sol bonito e quente brincava às sombras com as folhas e as paredes. Trepado num vaso alto, Zeca silva, o coração a bater de alegria parecia ia lhe saltar do peito, empurrou a janela de vidro do quarto do diretor e chamou:

— Zito!

O amigo veio devagar, desconfiado e medroso, mas, quando viu era ainda a cara do Zeca a espreitar, quis pôr um riso no meio do choro calado, mas não conseguiu. Desatou mesmo a chorar com toda vontade.

— Zito, deixa, não chores. O bilhete está aqui, o nosso bilhete está aqui. Ela não lhe apanhou. Aquele era outro.

Desamarrotando uma bolinha de papel, mostrou no amigo o pequeno bocado do caderno de uma linha, onde a letra gorda e torta dele, Zito Makoa tinha escrito durante a lição “ANGOLA É DOS ANGOLANOS”.

Devagar, trepando na cadeira, sem barulho, recebeu o bilhete, guardou-lhe bem no calção e pôs outra vez na mão do amigo as três balas vazias, que luziram amarelas na pele cor-de-rosa de Zeca Silva.

Mirando o amigo afastar-se com depressa no passo dele, pequeno, de pardal, Zito Makoa deixou correr as lágrimas no meio do riso grande que lhe enchia no coração e engoliu, atrapalhado, o ranho que corria do nariz e lhe deixou na boca um bom gosto de mel.





Luandino Vieira nasceu em 1935, em Portugal. Ainda criança, José Luandino Vieira mudou-se para Angola, onde lutou pela independência. Foi preso diversas vezes e, na prisão, produziu grande parte de sua obra. Comparado a mestres da palavra como Guimarães Rosa, em suas histórias Luandino recria a linguagem e mescla lirismo à denúncia social. No Brasil, foram publicados seus livros de contos Luanda e A cidade e a infância.

Contos africanos dos países de língua portuguesa / Albertino Bragança...[et al.]; organizadora Rita Chaves; ilustrador Apo Fousek – 1ª ed – São Paulo: Ática. 2009. il. – (Para gostar de ler: 44)





[1] Criança (N.E.)
[2] Pessoa de pequena estatura (N.E.)
[3] Raiz amarelada de um arbusto de mesmo nome, que tem propriedades medicinais. (N.E.)
[4] Carona. (N.E.)
[5] Amendoim. (N.E.)
[6] Doce feito de farinha de mandioca e açúcar, muito popular entre as crianças angolanas. (N.E.)
[7] Casa de construção precária, barraco. (N.E.)
[8] Designação dada aos bairros periféricos de Luanda por estarem, geralmente, instalados sobre solos arenosos (em quimbundo, mu, “onde”, seke, “areia”). (N.E.)
[9] Medroso. (N.E.)
[10] Rasteira. (N.E.)
[11] Golpe de luta. (N.E.)
[12] Árvore nativa de Angola, cuja madeira vermelha é muito utilizada na marcenaria. (N.E.)