quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Teatro Pedagógico: solidão a dois. sem entendimento

Parábolas de uma Professora



solidão a dois. sem entendimento


baitasar e paulo e marko




muitas vezes, quando estou muito cansada do olho das utopias, duvido-as. vejo-as me imobilizando, impedindo-me de aceitar a realidade possível: é impossível educar para a libertação, somos aquelas que semeiam a submissão. libertação do quê? não seria melhor a rendição? incondicional. deveríamos estar envolvidas com a aprendizagem da liberdade, mas estou sentada na fórmica fria dos nossos alunos e alunas. represada. um dique de águas turvas. não sinto nada no ar. falta a fumaça do meu cigarro. espero apenas mais um repetir-me em vão. será que haverá dia em que a terra irá parar, maluca de todos, desatinada da vida sem saber para onde ir

Vamos sentando, colegas. Enquanto todas se acomodam escrevo no quadro a pauta da reunião de hoje.

assim, está quase iniciando a tão esperada reunião pedagógica da semana. estou insuportável. espero que o altíssimo esteja suportável

Acemira, senta aqui.

a ofélia chama o esquadrão de demolição para abancar o inconfessável. não vou com a cara dela nem ela com a minha. cague-se

Cabayba...

diz-se que este é um grupinho de peso não pelo excesso de tecido adiposo. acho uma maldade desnecessária. mas por sua capacidade de atravessar a vida caminhando solitariamente. não se incomodam com olhares ou resmungos e só gostam quando se faz o que elas querem. eu as chamaria de achacadoras, é um gostar temporário. interesseiro. que se transforma em um não gostar, na primeira negativa às suas pequenas vontades efêmeras, veleidades e doençaria de bonecas

Gurias, o que temos para hoje?

a voz doce da acemira não permite que se adivinhe o que está por vir. ela me parece uma defunta egoísta. não importa o que você diga ou reze ela está morta e quer morrer todos na sua volta. senta nas cadeiras de fórmica verde

O cavaleiro solitário está colocando a pauta no quadro. Nosso chefe do pequeno exército de homens que mandam lá fora e aqui dentro querem repetir. Patético.

elas se revezam, essa foi a cabayba com sua voz rouca de gritar com seus alunos: eu não tem cara de idiota. exigindo silêncio. diga-se, a bem da verdade, em muitas vezes seus gritos resolvem. ela consegue a atenção da criançada. xingamentos educam ou deseducam

Espero que não me venha com uma reunião muito longa. Preciso buscar as crianças no colégio.

acemira e as vizinhas de fórmica verde e dura e fria

Acemira, teus filhos continuam naquele colégio de padre...

Não é colégio de padre, Ofélia, são jesuítas.

corrige-a com seus encontrões verbais, deixa transparecer que não teve uma meia-tarde muito fácil na sala de aula. perdeu a paciência, a sua menor virtude. não está disponível e acessível, mas por seu lado, a ofélia não tem muito aprimorada sua sensibilidade para perceber a dor e o humor das pessoas. continua por conta e risco

É um horror o que gastamos com o colégio das crianças: mensalidades, uniformes, folhas, lápis, caneta gel, livros, taxas de ACPM, passeios, sem falar das reuniões... aja tempo para tudo.

Por que não os coloca numa escola pública?

essa é uma boa pergunta. o marko faz uma pergunta óbvia. ele está em pé e aparece com a ventania que chega inesperada, janelas e portas batendo, todos correndo apressados e com medo e sentindo o desprazer do vento em seu rosto. os ventos preferem ficar lá fora. acho que vai chover. ele senta na fileira de cadeiras do meio, ao lado da ofélia. esse gosta do perigo

Chegou o brincalhão, bobão útil.

ninguém ri. ela continua, Não coloco meus filhos nesta bagunça, nem que a vaca venha a tossir e gritar au, au. Onde já se viu, aqui o aluno passa porque tem que avançar, e pronto. E o vestibular? Vou continuar pagando faculdade particular? Tenha dó! Quero meus filhos na urguis. A mensalidade das particulares tá demais. Já chega que não consigo me livrar do salário da empregada, fundo 13º 1/3 férias

a acemira parece ter acordado de seu torpor vespertino, pronta para o combate

A Acemira está podendo...

Isso se chama renda familiar, Jorge. Não tem nada que ver minhas crianças em escola pública. As coisas são o que são, outras parecem o que não são e...

continua uma acemira já decidida atacar de frente o seu opositor. caminha num chão conhecido. perambula sem destino pelo pavimento rasteiro do vulgar. classifica as pessoas em seres inferiores e humanos superiores. porém, cuida muito do meio ambiente, seu habitat serviçal, como cuida dos inferiores que lhe têm serventia na cozinha, na fábrica, na escola, na limpeza das ruas, na higiene dos banheiros, das salas de aula, do pátio escolar. finge que ama. só assim ela consegue desejar. nunca caminha junto dos pedreiros que constroem paredes e metalúrgicos que transformam pedra em aço. nem senta nem escuta seres inferiores

Eis o grande mistério dos seres humanos que se vangloriam da diversidade de pensamento e comportamento, mas têm uma dificuldade imensa em produzir caminhos comuns, nas diferentes maneiras de ser na vida e do querer viver.

Somos todos diferentes, Marko.

Concordo, Acemira. Todos somos diferentes, mas não podemos diferir do senso comum. Quanto mais normais, mais nossas loucuras permanecem escondidas. Submersas em águas escuras, sem nenhuma luz além daquela que permitimos através do nosso olho saudável. A pureza é nosso pecado. O medo a nossa menor virtude. Precisamos deixar de ter sempre razão, nossas certezas nos levam a uma solidão a dois, sem entendimento. Perdemos o desejo pelo um. E o um pelo outro.

Cansei de morrer todos os dias um pouquinho.

Acemira, esse morrer em silêncio não vai nos salvar. Não podemos ser salvos da morte, mas nossa voz pode nos salvar dessa inconstância em que mergulharmos pelo individualismo e fatalismo. Precisamos voltar no tempo de sermos aprendizes. Parar de acusar. Xingar. Assim, morrermos antes da morte. Deixamos de saber quem somos juntos. No coletivo. E nos incomodamos com os trejeitos baseados nos princípios da soberania popular, da distribuição eqüitativa do poder. Não pertencemos às classes populares, ou não queremos. Negamo-nos no povo, rejeitamos o proletariado. Queremos a burguesia, mas somos assalariados. Estudamos tanto.

O comunistinha se soltou...

Somos os seus professores, o marko interrompe a acemira suave e decididamente. ele a deixa procurando o próprio pensamento. acho que não o encontra tão cedo, Permanecemos uma classe social que diz educar o pobre: alunos e alunas das classes populares, apenas para avançar socialmente na opressão do ter mais, consumindo a si mesmo. Não seremos mais e melhores comprando.

Marko!

ele se vira na direção da abigail, sorri. ela está sentada junto com o professor adail e a lélia, no fundo da sala, mais a frente está sentado o samuel e as professoras fernanda maura, elisa, desirée e lia, os demais colegas ainda se acomodam, enquanto entra a camilla. parece que a reunião vai começar. o marko levantou e dirige à professora acemira um sorriso de até breve. vai até a professora abigail

Posso sentar-me?

Claro.

Boa tarde. Vamos iniciar nossa reunião semanal, ao anuncio do diretor, sinto vontade de me abandonar aos sentimentos de estar no corredor, longe destas conversas que estão apenas começando. longe. as conversas que não param, pessoas que não querem ouvir. nem falar além dos cochichos. parece que acreditamos que todos os dizeres têm que se submeterem aos nossos quereres de falar e cochichar. permanecemos todo o tempo da reunião aos cochichos e segredos, dissertando contra e a favor, não importa. não nos importamos em ouvir, somos o centro, atingidas sempre e com mais intensidade pelas ondas sísmicas provocadas pelas hordas das salas de aula, mas temos colegas mais suásticos, mais imolados em holocausto aos deuses da educação. alguns precisam ser educados. não basta o diploma. reclamamos quando não há reunião e lastimamos quando temos as reuniões. desolados. parecemos doentes. sofridas. não conseguimos calar para escutar os sentidos do que falamos. estamos insensíveis a nós mesmas. assim, não conseguiremos os alunos que tanto queremos. alunos menos alienados e extravagantes, mais lúcidos. por onde andam os deuses da chuva e trovões? e até quando iremos competir com os professores e professoras que seríamos? cansamos do que seríamos? a juventude que tivemos se desfez em medíocres possibilidades? aqui, com as cócoras abancadas nas fórmicas verdes e duras, meus demônios não respondem



chegamos em conta gotas, espremidos, apequenadas, não nos tomamos conta, A gente pode sentar em qualquer um, esse que diz a pergunta de modo solene, sem atrevimento, invariavelmente, está vestindo a camiseta do time de futebol do seu assonsado coração. sofre, torce, dobra, entorta e diz que morre pelo seu time. acredito. ele acredita ser feliz com a bola embaixo do braço e gritos copiados da guerra intestina. está sempre nos convidando para um pequeno jogo. não se desvia deste mundinho redondo de machos e lágrimas e sorrisos misturado às idéias fixas dos palavrões, xingamentos, apedrejamentos e mortes. avança com insistência entre os mundos destrutivos dos amigos ou inimigos. jogam e jogam até que suam amortecidos e cheirando ruim. sentem-se estrelas magníficas no seu pequeno brilho escondido, continuam invisíveis. seu vigor vem moldado em aparência numa tosse de vulcão. durante o jogo estão mortos. nenhuma serventia, apenas o uso da emoção possuída pela bola. depois, é a ruína ou o apogeu. sinceramente, não me sinto atraída, principalmente, depois de quinze minutos de correria atrás da bola, Vocês precisam mais do banho do que dos livros e das letras, A sala de aula fica insuportável. estão mudos de surdos. entram. jovens guerreiros. nada a fazer, por enquanto. vivo num mundo de homens, Professor Abá, isto é muito complicado, reclama uma colega em pé à porta. coitada, está assustada e, na dúvida, fica com um pé no corredor e o outro nos computadores. cabelos brancos, desalinhados, olhos arregalados, assustados e desconfiados. fica ali, como se o mundo estivesse parando, mas ela não pode sair, por aí, correndo, e aos pulos avisar feliz, O mundo acabou, esse mundo de escravos e senhores acabou. E vai começar de novo, recomeçar, Haverá segunda época, exame de recuperação, pergunta o colega que já rodou cinco vezes na mesma série. não o conheço pelo nome. gosto da ideia de um outro mundo. eu mesma me animaria com os proclames, anunciando em voz bem alta, Chegará o dia dos pobres e desvalidos, o dia do reino prometido se bastou de ir embora, a alegria e o prazer do fim dos tempos veio nos trazer o alimento que nos fora reservado, porque negado em vida. havia demorado o cacete esse dia de valimento e muitos já haviam se ido pra terra dos pés juntos de tão doentinhos e magrinhos, amiudados de desesperança. mas, finalmente, aconteceria o nosso amanhecer e com o dedo em riste continuaríamos, Para aqueles que crêem nada há de faltar, digam meu Nome pronunciado em voz alta, curvem os olhos, pois atingimos o prestígio, perante a opinião das outras almas, agora também somos pequenas burguesas no reino celestial. sonha com privilégios. sonho com direitos atendidos. eis nossa recheada quimera de consumo atendida, pele macia e as rugas nem mais tarde, se é que existem rugas no paraíso, No reino prometido não deve haver rugas, virgens, fungos, sífilis, preconceitos, infâmia, inveja, estupro, intrigas, falsidades, nenhum jogo de poder e sedução, mas o prazer permanente, o beijo quente, o toque das mãos, a permanência do olhar que desnuda, a tua língua molhada e quente. não crio expectativas, mas é incrível como consegues me surpreender. está mistura louca de mãos, bocas, corpos, sensações, prazeres, gozos diferentes toda vez, o paraíso é uma delícia, Será que por lá se usa calcinha, Um grande final feliz. viajar pelos domínios do paraíso, descobrir nestas viagens o prazer de existir no amor, nos teus olhos de brilho e desejo, mesmo o corpo gemendo na longa espera, enquanto me abraças e entras em mim, sou da felicidade, dos banhos sem fim entre ondas de azul, Nunca mais irei calar por desalento, O mundo prometido será dos desprotegidos
 



____________________________

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Teatro Pedagógico: general
Parábolas de uma Professora

Auto-ajuda: Bukowski

Henry Charles Bukowski Jr 



foi um poeta, contista e romancista estadunidense nascido nos bares cabarés sarjetas bancos de praça corridas de cavalo

trechos de poemas...




então queres ser um escritor?

(Tradução: Manuel A. Domingos)

se não sai de ti a explodir
apesar de tudo,
não o faças.
a menos que saia sem perguntar do teu
coração, da tua cabeça, da tua boca
das tuas entranhas,
não o faças.
se tens que estar horas sentado
a olhar para um ecrã de computador
ou curvado sobre a tua
máquina de escrever
procurando as palavras,
não o faças.
se o fazes por dinheiro ou
fama,
não o faças.
se o fazes para teres
mulheres na tua cama,
não o faças.
se tens que te sentar e
reescrever uma e outra vez,
não o faças.
se dá trabalho só pensar em fazê-lo,
não o faças.
se tentas escrever como outros escreveram,
não o faças.

se tens que esperar para que saia de ti
a gritar,
então espera pacientemente.
se nunca sair de ti a gritar,
faz outra coisa.

se tens que o ler primeiro à tua mulher
ou namorada ou namorado
ou pais ou a quem quer que seja,
não estás preparado.

não sejas como muitos escritores,
não sejas como milhares de
pessoas que se consideram escritores,
não sejas chato nem aborrecido e
pedante, não te consumas com auto-devoção.
as bibliotecas de todo o mundo têm
bocejado até
adormecer
com os da tua espécie.
não sejas mais um.
não o faças.
a menos que saia da
tua alma como um míssil,
a menos que o estar parado
te leve à loucura ou
ao suicídio ou homicídio,
não o faças.
a menos que o sol dentro de ti
te queime as tripas,
não o faças.

quando chegar mesmo a altura,
e se foste escolhido,
vai acontecer
por si só e continuará a acontecer
até que tu morras ou morra em ti.

não há outra alternativa.

e nunca houve.






quatro e meia da manhã

(Tradução: Jorge Wanderley)

os barulhos do mundo
com passarinhos vermelhos,
são quatro e meia da
manhã,
são sempre

quatro e meia da manhã,
e eu escuto
meus amigos:
os lixeiros
e os ladrões
e gatos sonhando com
minhocas,
e minhocas sonhando
os ossos
do meu amor,
e eu não posso dormir
e logo vai amanhecer,
os trabalhadores vão se levantar
e eles vão procurar por mim
no estaleiro
e dirão:
“ele tá bêbado de novo”,
mas eu estarei adormecido,
finalmente, no meio das garrafas e
da luz do sol,
toda a escuridão acabada,
os braços abertos como
uma cruz,
os passarinhos vermelhos
voando,
voando,
rosas se abrindo no fumo
e
como algo esfaqueado e
cicatrizando,
como 40 páginas de um romance ruim,
um sorriso bem na
minha cara de idiota.





poema nos meus 43 anos

(Tradução: Jorge Wanderley)

terminar sozinho
no túmulo de um quarto
sem cigarros
nem bebida—
careca como uma lâmpada,
barrigudo,
grisalho,
e feliz por ter um quarto.
…de manhã

eles estão lá fora
ganhando dinheiro:
juízes, carpinteiros,
encanadores , médicos,
jornaleiros, guardas,
barbeiros, lavadores de carro,
dentistas, floristas,
garçonetes, cozinheiros,
motoristas de táxi…
e você se vira
para o lado pra pegar o sol
nas costas e não
direto nos olhos.






uma palavrinha sobre os fazedores de poemas rápidos e modernos

(Tradução: Jorge Wanderley)

é muito fácil parecer moderno
enquanto se é o maior idiota jamais nascido;
eu sei; eu joguei fora um material horrível
mas não tão horrível como o que leio nas revistas;
eu tenho uma honestidade interior nascida de putas e hospitais
que não me deixará fingir que sou
uma coisa que não sou —
o que seria um duplo fracasso: o fracasso de uma pessoa
na poesia
e o fracasso de uma pessoa
na vida.
e quando você falha na poesia
você erra a vida,
e quando você falha na vida
você nunca nasceu
não importa o nome que sua mãe lhe deu.
as arquibancadas estão cheias de mortos
aclamando um vencedor
esperando um número que os carregue de volta
para a vida,
mas não é tão fácil assim —
tal como no poema
se você está morto
você podia também ser enterrado
e jogar fora a máquina de escrever
e parar de se enganar com
poemas cavalos mulheres a vida:
você está entulhando a saída — portanto saia logo
e desista das
poucas preciosas

páginas.





outra cama

(Tradução: Pedro Gonzaga)

outra cama
outra mulher

mais cortinas
outro banheiro
outra cozinha

outros olhos
outro cabelo
outros
pés e dedos.

todos à procura.
a busca eterna.

você fica na cama
ela se veste para o trabalho
e você se pergunta o que aconteceu
à última
e à outra antes dela…
é tudo tão confortável —
esse fazer amor
esse dormir juntos
a suave delicadeza…

após ela sair você se levanta e usa
o banheiro dela,
é tudo tão intimidante e estranho.
você retorna para a cama e
dorme mais uma hora.

quando você vai embora é com tristeza
mas você a verá novamente
quer funcione, quer não.

você dirige até a praia e fica sentado
em seu carro. é meio-dia.

— outra cama, outras orelhas, outros
brincos, outras bocas, outros chinelos, outros
vestidos
cores, portas, números de telefone.

você foi, certa vez, suficientemente forte para viver sozinho.
para um homem beirando os sessenta você deveria ser mais
sensato.

você dá a partida no carro e engata a primeira,
pensando, vou telefonar para janie logo que chegar,
não a vejo desde sexta-feira.







Encurralado

(Tradução: Pedro Gonzaga)

bem, eles diziam que tudo terminaria
assim: velho. o talento perdido. tateando às cegas em busca
da palavra

ouvindo os passos
na escuridão, volto-me
para olhar atrás de mim…

ainda não, velho cão…
logo em breve.

agora
eles se sentam falando sobre
mim: “sim, acontece, ele já
era… é
triste…”

“ele nunca teve muito, não é
mesmo?”

“bem, não, mas agora…”

agora
eles celebram minha derrocada
em tavernas que há muito já não
frequento.

agora
bebo sozinho
junto a essa máquina que mal
funciona

enquanto as sombras assumem
formas

combato retirando-me
lentamente

agora
minha antiga promessa
definha
definha

agora
acendendo novos cigarros
servido mais
bebidas

tem sido um belo
combate

ainda
é.








terça-feira, 29 de setembro de 2015

Andres Eloy Blanco (Venezuela)

Los Poetas del Amor (31)



Canto de los hijos en marcha


Madre, si me matan,
que no venga el hombre de las sillas negras;
que no vengan todos a pasar la noche
rumiando pesares, mientras tú me lloras;
que no esté la sala con los cuatro cirios
y yo en una urna, mirando hacia arriba;
que no estén las mesas llenas de remedios,
que no esté el pañuelo cubriéndome el rostro,
que no venga el mozo con la tarjetera,
ni cuelguen las flores de los candelabros
ni estén mis hermanas llorando en la sala,
ni estés tú sentada, con tu ropa nueva.
Madre, si me matan,
que no venga el hombre de las sillas negras.

Lléname la casa de hombres y mujeres
que cuenten el último amor de su vida;
que ardan en la sala flores impetuosas,
que en dos grandes copas quemen melaleuca,
que toquen violines el sueño de Schuman;
los frascos rebosen de vino y perfumes;
que me miren todos, que se digan todos
que tengo una cara de soldado muerto.

Lléname la casa
de flores regaladas, como en una selva.
Déjame en tu cuarto, cerca de tu cama;
con mis cuatro hermanas, hagamos consejo;
tenme de la mano, tenme de los labios,
como aquella noche de mi padre muerto,
y al cabo, dormidos iremos quedando,
uno con su muerte y otro con su sueño.

Madre, si me matan,
que no venga el coche para los entierros,
con sus dos caballos gordos y pesados,
como de levita, como del Gobierno.

Que si traen caballos, traigan dos potrillos
finos de cabeza, delgados de remos,
que vayan saltando con claros relinchos,
como si apostaran cuál llega primero.
Que parezca, madre,
que voy a salirme de la caja negra
y a saltar al lomo del mejor caballo
y a volver al fuego.
Madre, si me matan,
que no venga el coche para los entierros.

Madres, si me matan,
y muero en los bosques o en mitad del llano,
pide a los soldados que te den tu muerto;
que los labradores y las labradoras
y tú y mis hermanas, derramando flores,
hasta un pueblo manso se lleven mi cuerpo;
que con unos juncos hagan angarillas,
que pongan mastranto y hojas y cayenas
y que así me lleven hasta un cementerio
con cerca de alambres y enredaderas.
Y cuando pasen los años
tráeme a mi pedazo, junto al padre muerto
y allí, que me pongan donde a ti te pongan,
en tu misma fosa y a tu lado izquierdo.
Madre, si me matan,
pide a los soldados que te den tu muerto.

Madre, si me matan, no me entierres todo,
de la herida abierta sácame una gota,
de la honda melena sácame una trenza;
cuando tengas frío, quémate en mi brasa;
cuando no respires, suelta mi tormenta.
Madre, si me matan, no me entierres todo.

Madre, si me matan,
ábreme la herida, ciérrame los ojos
y tráeme un pobre hombre de algún pobre pueblo
y esa pobre mano por la que me matan,
pónmela en la herida por la que me muero.

Llora en un pañuelo que no tenga encajes;
ponme tu pañuelo
bajo la cabeza, triste todavía
por las despedida del último sueño,
bajo la cabeza como casa sola,
densa de un perfume de inquilino muerto.

Si vienen mujeres, diles, sin sollozos:
-¡Si hablara, qué lindas cosas te diría!
Ábreme la herida, ciérrame los ojos...

Y una palabra: JUSTICIA
escriban sobre la tumba
Y un domingo, con sol afuera,
vengan la Madre y las Hermanas
y sonrían a la hermosa tumba
con nardos, violetas y helechos de agua
y hombres y mujeres del pueblo cercano
que digan mi nombre como de su casa
y alcen a los cielos cantos de victoria,
Madre, si me matan.

(Mayo de 1929)





Sor Juana Inés de la Cruz (México)



Este amoroso tormento


Este amoroso tormento
que en mi corazón se ve,
se que lo siento y no se
la causa porque lo siento

Siento una grave agonía
por lograr un devaneo,
que empieza como deseo
y para en melancolía.

y cuando con mas terneza
mi infeliz estado lloro
se que estoy triste e ignoro
la causa de mi tristeza. "

Siento un anhelo tirano
por la ocasión a que aspiro,
y cuando cerca la miro
yo misma aparto la mano.
Porque si acaso se ofrece,
después de tanto desvelo
la desazona el recelo
o el susto la desvanece.

Y si alguna vez sin susto
consigo tal posesión
(cualquiera) leve ocasión
me malogra todo el gusto.

Siento mal del mismo bien
con receloso temor
y me obliga el mismo amor
tal vez a mostrar desdén.





Juana de Ibarbourou (Uruguay)



Como la Primavera


Como una ala negra tendí mis cabellos
sobre tus rodillas.
Cerrando los ojos su olor aspiraste,
dicendome luego:
-¿Duermes sobre piedras cubiertas de musgos?
¿Con ramas de sauces te atas las trenzas?
¿ Tu almohada es de trébol? ¿Las tienes tan negras
porque acaso en ella exprimiste un zumo
retinto y espeso de moras silvestres?
¡Qué fresca y extraña fragancia te envuelve!
Hueles a arroyuelos, a tierra y a selvas.
¿Que perfume usas? Y riendo te dije:
-¡Nintuno, ninguno!
Te amo y soy joven, huelo a primavera.
Este olor que sientes es de carne firme,
de mejillas claras y de sangre nueva.
¡Te quiero y soy joven, por eso es que tengo
las mismas fragancias de la primavera!



domingo, 27 de setembro de 2015

esses olhos doendo por horas de contemplação... sem asas como voar

Charles Aznavour



She





Ela


Ela pode ser o rosto que eu não consigo esquecer
Um traço de prazer ou de arrependimento
Talvez meu tesouro ou
O preço que eu tenho que pagar

Ela pode ser a música que o verão canta
Talvez o frescor que o outono traz
Talvez uma centena de coisas diferentes
No espaço de um dia

Ela pode ser a bela ou a fera
Talvez fome ou a fartura
Pode transformar cada dia em um paraíso
Ou em um inferno

Ela pode ser o espelho do meu sonho
O sorriso refletido no rio
Ela pode não ser o que parece ser
Dentro de sua concha

Ela, que sempre parece tão feliz no meio da multidão
Com os olhos tão pessoais e tão orgulhosos
Mas que não podem ser vistos
Quando choram

Pode ser o amor que não espera que dure
Pode vir das sombras do passado
Que eu irei me lembrar até o dia de minha morte

Ela talvez seja o motivo para eu sobreviver
A razão pela qual eu estou vivo
A pessoa que cuidarei através
Dos difíceis e imediatos anos

Eu, eu pegarei as risadas e as lágrimas dela
E farei delas todas minhas recordações
Para onde ela for, eu tenho que estar lá
O sentido da minha vida é ela



Composição: Charles Aznavour




La Boheme




La Bohème


Eu lhes falo de um tempo
Que os menores de vinte anos
Não podem saber
Montmartre naquele tempo
Colocava seus lilás
Até sob nossas janelas
E se o humilde quarto mobiliado
Que nos serviu de ninho
Não tinha um boa cara
Foi lá que a gente se conheceu
Eu que chorava miséria
E você que posava nua

A boêmia, a boêmia,
Isso queria dizer: a gente é feliz
A boêmia, a boêmia,
Nós só comíamos um dia em dois

Nos cafés vizinhos
Nós éramos alguns
Que esperávamos a glória
E apesar da miséria
Com o estômago oco
Nós não deixamos de crer na glória
E quando, em alguma taverna
Com uma boa comida quente
Nós pegávamos uma tela
Nós recitávamos versos
Juntos ao redor do aquecedor
Esquecendo do inverno

A boêmia, a boêmia
Isso queria dizer: você é bonita
A boêmia, a boêmia
E nós tínhamos idéas geniais

Freqüentemente me acontecia
Diante do meu cavalete
Passar noites brancas
Retocando o desenho
Da linha de um seio
Da curva de um quadril
E isto só pela manhã
A gente se sentava finalmente
Antes de um café com creme
Esgotados mas deliciados
Era preciso que a gente se amasse
E que amasse a vida

A boêmia, a boêmia
Isso queria dizer: a gente tem vinte anos
A boêmia, a boêmia
E nós vivíamos do ar do tempo

Qualquer dia desses
Eu farei um passeio
Ao meu antigo endereço
Eu não o reconheço mais
Nem as paredes, nem as ruas
Que viram minha juventude
E do alto de um escadaria
Eu procuro o atelier
Que não existe mais
Em sua nova decoração
Montmartre parece triste
E os lilás morreram

A boêmia, a bêemia
A gente era jovem, a gente era louco
A boêmia, a boêmia
Isso não quer dizer absolutamente nad
a


Composição: Charles Aznavour / Jacques Plante




Que C'est Triste Venise






Isabelle






sábado, 26 de setembro de 2015

Auto-ajuda: Canta forte, canta alto!

Martinho da Vila




Porque hoje é sábado, ainda.





"Canta, Canta minha gente"




"Quem é do mar não enjoa"




"Disritmia"





"Segure Tudo"







Pra que dinheiro e Pequeno Burgues





"Quem pode, pode" - "Volta pro morro"





quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Teatro Pedagógico: general

Parábolas de uma Professora



general


baitasar e paulo e marko




quase termino outro cigarro. pelo movimento no abrigo a reunião vai começar, espero que tenhamos frutos, apesar da árvore estar muito envelhecida e continuar agarrada a vida por suas raízes imensas com tentáculos de astúcia

Pessoal, queriam me desculpar pelo atraso. Estou chegando do velório de uma colega que faleceu na madrugada de hoje.

este que fala é o professor aguinaldo, diretor da escola, nomeado secretamente pelo baixo clero de ‘general’. eu, particularmente o chamo de meretíssimo. procuro com o olhar o professor botto, não consigo encontrá-lo

Meu Deus! Quem foi que faleceu, Aguinaldo?

A colega Sara Sampaio que trabalhou aqui na escola, alguns anos atrás. Uma pessoa muito amiga, apesar de bastante amarga nos últimos anos, depois de descobrir a doença que iria acompanhá-la até hoje.

estamos chocadas, algumas lembram de momentos que se passaram, outras não se recordam de nada, outros não conheceram, mas fica no ar a promessa que cedo ou tarde nos alcança a todos. o fim da jornada. ninguém é esquecido, leva-se o mesmo e adeus. a escolha é simples: viver junto ou viver só. não sinto medo, mas sinto que a solidão desaba sobre o abrigo, parecemos nos acabando juntas, queria sentir que estamos vivendo ligadas umas com as outras, mas estamos a cada dia nos separando aos pouquinhos, sem sabermos quando será para valer. tudo sempre acaba e muda, não adianta fugir ou cegar

Colegas, a reunião já vai iniciar, vamos para a sala quatorze.

Por quê na sala quatorze, Aguinaldo?

a professora acemira lembra para o ‘general’ que as reuniões são sempre realizadas na sala treze. não tem solução, as pequenas coisas nos tiram a paz

Alguns alunos estão fazendo cartazes, preparando as atividades do próximo sábado. Vamos para a sala quatorze.

o general aguinaldo está parado, na porta da sala do abrigo, por instantes, parecem brilhar no seu peito medalhas da condecoração por sua bravura em duros combates nas salas de aula, corredores e pátio, pulando trincheiras, esquivando de projéteis em batalhas vencidas e perdidas no corpo-a-corpo, no disse-não-disse, mas jurando a verdade no disse-que-disse. escapa da ruína e da inoculação venenosa da mais variada fauna de peçonhas. um peçonhento que sobrevive as granadas que explodem a todo instante, decepando e mutilando do corpo parte dos sonhos de mudar. alguns perdem os braços, outras as pernas e muitos sucumbem quando passam pelos portões. o portal de uma outra dimensão

Eles não poderiam usar outra sala, tinha que ser a treze?

ofélia se resmunga enquanto recolhe seu material e se sai à reunião

É apenas nesta escola que aluno escolhe e manda.

continuamos doentes de imbecilidade ou ofélia é a cura? ela se funga e refunfa suas rusgas enquanto lança um olhar por sobre os óculos na busca de apoio para o seu soar de atacar. as parcerias não estavam atentas ou dissimulavam evitando um ataque tão aberto e frontal. preferem as escaramuças. as guerrilhas de atacar e recuar. ofélia guarda a trombeta e cessa o toque de corneta, haveria outras oportunidades

Gurias, quem sabe marcamos uma reunião para discutirmos a sala em que devemos fazer nossas reuniões? O engraçado é que não teríamos onde nos reunirmos. A única sala disponível e eficiente, superior a todas as demais, está em uso pelos alunos. Nenhuma outra é comparável.

o cínico professor adail já se dirigindo à reunião com um pequeno sorriso no olhar. convidando-as para descerem a terra dos comuns e cultivarem um pequeno jardim, antes que só sejamos saudade sem poesia, sem concretitude. ou quem sabe, aprendamos tocar violões e esqueçamos as zangas e as rotas de fuga

Professores e professoras, aguardo todos e todas... na sala quatorze.

anuncia o diretor nomeado ‘general’ pelos soldados. sai. atrás de si no abrigo um murmúrio de insatisfação tribal. parece que a discussão que nos importa é sobre a troca de sala da reunião. nem é tão só um detalhe, é mais um episódio insignificante, mas teve lugar num desses momentos absurdos de nosso cotidiano. e eu? calada! sobretudo, sentindo um imenso cansaço. um aborrecimento do vazio. faltam-me as forças, pois continuo dividida entre seguir meus sentimentos ou ir-me para a reunião. torno a ceder às obrigações do quotidiano e vou sentar-me na fórmica fria

A reunião vai começar?

Vaaaaaai!

gritar é uma das contradições do triunfo na sala de aula, vitória de pirro

Alguém viu a minha bolsa?

Nãoooooooo!

seca como uma árvore sem folhas, raiz ou frutos. querendo uma pedagogia que se aproxime dos desprezados e humilhados pelo poder. será que é querer muito? diálogos amuados me permanecem, não os consigo esquecer, libertá-los de mim, desprender-me destas memórias, Esse eu acho que a gente deve reprovar, se for o caso, É muito inteligente, mas faz somente o que quer e aprova, Temos que mostrar para ele que não é bem assim, Precisa de um pequeno susto, Um empurrão. reunião pedagógica e conselho de classe são um amuamento, poderiam ser momentos para salvar todas as almas, uma oração pedagógica amorosa competente, Quem sabe a gente dá um incentivo, Será que com o incentivo ela não piora, novamente, Ah, não sei, ela merece, Comigo ela só fez desaforo, Mas ela é ótima, Em quê, Essa aí, comigo já está reprovada, Pelo menos nós fizemos a nossa parte. sonâmbulos, educar e cuidar é nossa tarefa e compromisso, Esse melhorou até nas atitudes, mas vai reprovar de novo, Comigo não fez nada, não faz nada, Está maravilhosamente reprovado. o escravo só deseja ser livre para ser um senhor de escravos, mas um professor de cada coisa não é só um professor de cada coisa, precisa ser a professora  que educa e cuida. precisamos ser o contrário do liberto transformado no capataz do derramamento do sangue. olhando sacrifícios indiferentes, como se a distância pudesse nos salvar das gotas que respingam em nossos sapatos


não sou boazinha nem anjinho, apenas cansei da miudeza em que se vive, transparente, invisível, miserável, parecendo que é feliz. tudo pra acalmar as culpas das gentes vestidas dos pés a cabeça com meu sangue. nem continuo na cabeça de quem ensina a escrever e ler, muitas vezes, nem me pareço eu mesma, tal a boniteza da imaginação lembrada, encantamento, Isso, fui arrebatada por alguma coisa ou alguém, Algum espírito, Talvez, quem sabe, o meu que retorna depois de sair a passear no mundo, Se eu fosse aquilo ou isso, Mas morri de tiro em luta de corpo a corpo, sem festa, íntima de tão perto e de improviso do matador. um dia haverá de berrar o aluno inconformado, desviado do fio de prumo, e a aluna indiferente do que deveria ser, inclinada, torta da forma de régua, e, juntos, tapando sem luto, com sua sobrevida, aos encaramentos, as pescarias do espírito e as ordens dos construtores do muro, deixarão de ser a mercadoria. Inconformados de morrer, antes do dia

quem sou eu? uma aluna da eja

nossa primeira aula com computador e o professor Abá, O que ele estará pensando da gente, Será que vai nos deixá toca nessas coisas de computador, Aposto que não vai permitir, todo cuidado é pouco. eu sei que não é apenas curiosidade, estou ansiosa e com medo de fazer feio, Imagina se começo dando um pânico no computador e ele pifa, vou estragar junto, Calma, guria, vê se para de pensá besteira. não consigo conter minha imaginação nem a nossa vontade de já estarmos apertando aqueles botões todos, Será que ele sabe pedir socorro se estiver em perigo, Sei lá, só vou fazê o que o professor Abá mandá, É pra isso que ele é pago, E muito bem pago, Mandar em gente que não sabe nada, Vivem reclamando do salário, do pouco jeito que temos de aprendê, mas ensinar a gente de verdade, nada. olho e escuto os gemidos, pequena conferência árida, penso em todos nós e me desculpo, devia ter aprendido com vocês quando éramos crianças, mas nunca é tarde, A escola tá com cara enrugada. espero que além das rugas tenha tesão, E eu, amiudada por idéias velhas, por não ter aprendido tudo bem direitinho quando era menina e jovem, na idade certa. hoje, mulher e quem sabe um dia mãe, mais adiante avó, preciso estar aqui. no fundo, bem lá no fundo, por eu não ter aprendido tudo direitinho quando era menininha, venho atrás do tempo de precisar professor professorando, para me treinar de novo, Coitados, aja paciência, Será que o professor vai faze exame com a gente, Não sei, mas eles sempre fazem. enquanto vou me entendendo com minhas recentes amizades, os travadouros vêm se chegando, mancando das idéias, escondidos das letras

pedras escavocadas das catacumbas pelo marcatório de nomes desconhecidos, rolamos sem gritos umas sobre as outras, até que nos acomodamos depois de perdermos muitas lascas pelo caminho, Voltei, Sim, Tem lugar pra mim, Tem, Graças à Deus, obrigado, meu Deus. sorte nossa de gente amiudada ter ajuda tão poderosa. não tem gostosura isso de ficar olhando a partida sem volta, não gosto de dor repetida
 



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quarta-feira, 23 de setembro de 2015

num 23 de setembro de 1973 ele morreu, as flores da primavera pela primeira vez choraram

Ricardo Eliecer Neftalí Reyes Basoalto

Pablo Neruda



Pablo Neruda nasceu em Parral, em 12 de julho de 1904. Era filho de José del Carmen Reyes Morales, e de Rosa Basoalto Opazo, morta quando Neruda tinha apenas um mês de vida. Ainda adolescente adotou o pseudônimo de Pablo Neruda (inspirado no escritor checo Jan Neruda), que utilizaria durante toda a vida, tornando-se seu nome legal, após ação de modificação do nome civil.

Morreu em Santiago em 23 de setembro de 1973, de câncer na próstata. Depois do golpe militar de 11 de setembro sua saúde havia se agravado e no dia 19 é transferido com urgência de sua casa na Isla Negra para Santiago, onde veio a morrer no dia 23 às 22 horas e 30 minutos na Clínica Santa Maria.




Te Amo





Te amo,
te amo de una manera inexplicable,
de una forma inconfesable,
de un modo contradictorio.


Te amo
con mis estados de ánimo que son muchos,
y cambian de humor continuamente.
por lo que ya sabes,
el tiempo, la vida, la muerte.


Te amo…
con el mundo que no entiendo,
con la gente que no comprende,
con la ambivalencia de mi alma,
con la incoherencia de mis actos,
con la fatalidad del destino,
con la conspiración del deseo,
con la ambigüedad de los hechos.


Aún cuando te digo que no te amo, te amo,
hasta cuando te engaño, no te engaño,
en el fondo, llevo a cabo un plan,
para amarte mejor.


Te amo…
sin reflexionar, inconscientemente,
irresponsablemente, espontáneamente,
involuntariamente, por instinto,
por impulso, irracionalmente.


En efecto no tengo argumentos lógicos,
ni siquiera improvisados
para fundamentar este amor que siento por ti,
que surgió misteriosamente de la nada,
que no ha resuelto mágicamente nada,
y que milagrosamente, de a poco, con poco y nada
ha mejorado lo peor de mí.


Te amo,
te amo con un cuerpo que no piensa,
con un corazón que no razona,
con una cabeza que no coordina.


Te amo
incomprensiblemente,
sin preguntarme por qué te amo,
sin importarme por qué te amo,
sin cuestionarme por qué te amo.


Te amo
sencillamente porque te amo,
yo mismo no sé por qué te amo.





Me gustas cuando callas






Me gustas cuando callas porque estás como ausente,
y me oyes desde lejos, y mi voz no te toca.
Parece que los ojos se te hubieran volado
y parece que un beso te cerrara la boca.

Como todas las cosas están llenas de mi alma
emerges de las cosas, llena del alma mía.
Mariposa de sueño, te pareces a mi alma,
y te pareces a la palabra melancolía.

Me gustas cuando callas y estás como distante.
Y estás como quejándote, mariposa en arrullo.
Y me oyes desde lejos, y mi voz no te alcanza:
déjame que me calle con el silencio tuyo.

Déjame que te hable también con tu silencio
claro como una lámpara, simple como un anillo.
Eres como la noche, callada y constelada.
Tu silencio es de estrella, tan lejano y sencillo.

Me gustas cuando callas porque estás como ausente.
Distante y dolorosa como si hubieras muerto.
Una palabra entonces, una sonrisa bastan.
Y estoy alegre, alegre de que no sea cierto.






Mercedes Sosa
Poema 15 (Me gustas cuando callas)





Victor Jara
Poema 15 (Me gustas cuando callas)







O Carteiro e o Poeta






Biografía de Pablo Neruda (fragmento)








Pablo Neruda (1904-1973) - Primera Parte







O Teu Riso de Pablo Neruda recitado por Luma Carvalho






terça-feira, 22 de setembro de 2015

Teatro Pedagógico: xícara vazia

Parábolas de uma Professora



xícara vazia


baitasar e paulo e marko




quase termino meu terceiro cigarro. relaxo a cabeceira. tento afastar lembranças amontoadas num abscesso de espirais que sobem, flutuam e somem. sei que atiro em mim mesma, rendo-me com outra tragada. não tenho a conta exata, mas a tosse avisa que devo parar. não paro até terminá-lo ou terminar, estou tentando só viver o hoje. vem dando certo. não quero garantias. não tenho garantias

entro no abrigo

estou sozinha. quisera eu que pudesse assim, só fechar os olhos. mas é quando fecho os olhos que menos posso tudo e mais posso não desaparecer. faz-me tua presença em tudo. a reunião não inicia. devo estar com os cabelos perfumados com a fragrância marcante do fumeiro. foda-se. conheci um homem muito humilde, com uma vida muito sofrida, mas de uma simplicidade inigualável, que gostava de martelar coisas de madeira. um dia o fiz muito feliz, seus olhos brilhavam num sorriso incontrolável e largo. havia lhe dado algumas gramas de pregos, algum dia, talvez, eu precise me contentar com alguns pequeninos goles de ar

Ano que vem quero continuar com o mesmo nível. Já pensou, perder todo o esforço que fiz preparando minhas aulas?

fernanda maura, toda escola tem pelo menos uma fernanda maura, professora conhecida pelas quedas de braço que se dispõe enfrentar para manter seu status de mais antiga na escola, modus operandi que lhe permite fazer as suas escolhas de níveis e turmas para o ano seguinte, quanto mais antiga mais imunidades. são os anticorpos que nos permitem fazer do mesmo jeito o que sempre foi feito do mesmo jeito

Maura, você não cansa de repetir os mesmos conteúdos, ano após ano?

o samuel propõe um diálogo direto sobre variar coisas em nossas vidas, em todas as vidas. eu gostaria de variar esta mania de ficar sozinha com bocados espalhados. os domingos mormacentos, a escola morna e as paisagens embaciadas me arrastam

Samuel, anos de experiência me ensinaram que cada turma é diferente da outra, assim precisam ter os mesmos conteúdos

responde com um olhar de terna dor por seu colega, ele ainda não chegou onde ela já esteve e preferiu sair. acredita que se salvou. eu o vejo virar-se e partir para as calendas gregas. desistiu, tudo se parece com um domingo, Si alguna vez me suicido, será en domingo. Es el día más desalentador, el más insulso. Quisiera quedarme en la cama hasta tarde, por lo menos hasta las nueve o las diez, pero a las seis y media me despierto solo y ya no puedo pegar los ojos. A veces pienso qué haré cuando toda mi vida sea domingo, tenho tantas leituras em mim, tantas labaredas que preciso amornar. sentada em alguma praça de algum lugar morno decorado com fórmicas verdes

Já abriram as inscrições para o remanejo?

Pensando em sair, Botto?

Ofélia, vai depender da biometria da Mônica.

responde lacônico e cansado. época de remanejo oportuniza solicitar transferência de escola, mudar, pôr-se em outro lugar, outros professores e professoras, outro alunado, maneiras diferentes de encontrar respostas e perguntar. uma chance de salvar um pouco do que ainda resta dos sonhos ou uma oportunidade de fugir desesperadamente, na esperança de descobrir um outro lugar, um outro aluno, um outro sonho, um outro jantar, uma outra vida, outras formigas. esses domingos mornos me perseguem

Gurias e guris, estou em novo momento, outro concurso e outra nomeação, voltei. Não consegui ficar quieta em casa olhando paredes e fotografias amareladas. Não consegui abandoná-las sozinhas nesta batalha. Pensei comigo mesma, Vou ajudar. E me alistei. Vim engrossar a tropa das mocinhas. Decidi trazer minha experiência de alguns anos atrás. Na escola em que me aposentei, a primeira vez, recebemos gratuitamente cadernos pedagógicos, envolvidas que estávamos com um projeto de melhoria da qualidade de ensino. Gente, num desses cadernos encontrei uma parábola oriental que me fez compreender a missão de todo professor. Esta parábola me acendeu uma luz, olhava no espelho e repetia, Jacobina, sua maluca, você descobriu como lidar e aquietar essas crianças inquietas, que acham que sabem tudo. Querem ouvir a parábola destes últimos dez anos da minha vida?

esta é a doidela jacobina, aposentada, fala baixinho, miudinho, no ano passado terminou seu estágio probatório, é da língua portuguesa. vive se queixando das dores nas pernas, varizes mal-cuidadas e escadas demais para subir e descer no front. eu acho que é um problema de peso, mas não opino nem pio, também tenho minhas dores

Claro, Jacobina.

Obrigado, Acemira. Bem... lá vai, pessoal. O título desta parábola oriental é: “A xícara transbordante”, ei-la: “Certa vez, um mestre oriental recebeu uma visita que queria saber algo sobre o ‘Conhecimento’. Mas, em vez de ouvir, o visitante só falava sobre as suas próprias idéias, ouvindo-o o mestre oriental resolveu servir um chá, encheu a xícara do visitante até transbordar e continuou a derramar o chá, finalmente, o visitante não se conteve e exclamou, Não vês que a xícara está cheia, Sim, respondeu o mestre parando de derramar, És como esta xícara, estás cheio de tuas próprias idéias, e terminou perguntando, Como queres que te mostre o ‘Conhecimento’, se não me trazes uma ‘xícara’ vazia”. Gurias, lindo, não é? Sempre que lhes lembro da historinha da xícara transbordante, é um santo remédio com os alunos muito agitados ou faladores. Faz muito tempo que não mando ninguém para a Direção.

meus deus, qual o papel do professor, pergunto-me aos gritos. ensino aprendendo. mostro caminhos caminhando. não caminho só, mas junto tudo, todos e a mim mesma pelo caminho. não posso ficar alheia aos diversos processos e inúmeras mudanças sociais do cotidiano, mudanças individuais minhas, deles e delas, mudanças nossas. precisamos desenvolver nossa consciência política junto com a nossa consciência do cotidiano, perceber e reconhecer que inúmeras teorias pedagógicas estão assentadas em realidades diversas do universo do nosso aluno e devemos responder se iremos manter o que foi criado ou questionar o que está posto, mas não explicitamente desvendado

Jacobina, você os vê como xícaras vazias, na espera, aguardando o depósito bancário do conhecimento. Como será que eles a vêem? Como uma chaleira ou um bule de porcelana? Uma antiguidade que poderão jogar no chão e quebrar, antes que você os afogue expelindo as vísceras mentais sobre eles?

uau, o desorientador samuel estava de volta das calendas gregas e não parece brincar, espero que não esteja brincando. na verdade, nem acemira está se prestando ouvir com atenção a jacobina, acredito que nem mesmo seus alunos se rendem à ela. que bom. mas a tirania moldada em cumplicidade com o medo e o silêncio nos faz parecer mentirosos, ela se instala entre pequenos gestos de caridade não afetuosa. ela não partilha, ela compra. pequenos fingimentos que se multiplicam em muitas e mais muitas mentiras, se as pessoas calam, consentem que mentiras desumanas se apropriem do cotidiano

Alguém viu a minha bolsa? A reunião já começou?

Cala a boca

a fenda pedagógica é tamanha que parece não ter fundo. talvez, a pedagogia seja uma traição inevitável e absolutamente necessária à educação popular, na fabricação de eunucos; talvez, histórias tristes e de lembrança dolorosa não sejam pedagogizadas apenas para acalmar a dor das senhoras e senhores desarmados; talvez, devamos aprender com nossa história. não podemos esquecer que a deterrente burguesia cria o seu próprio poder e, somente, começa a se preocupar com a marginalização quando a criminalidade maltrapilha a invade, e os miseráveis não estão mais invisíveis. os miseráveis, no tempo de serem homens impotentes e mulheres fracas, são úteis. a fraude pedagógica com as classes populares volta a me atormentar. mais um despropósito de fazer esperar amiudado aquele que já se chega sem muita vontade de chão abetumado. estranho isso de apontar aparência para essa gente invisível, impedida de brilhadura. gente que não enxergamos nem ao descer para o cobertor de terra, escavocado por dedos sem casco. a terra nem é jogada, desaba apressada, sem nome nem obrigado. a terra finalmente esconde e esquece. e se alimenta. pedras escavocadas das catacumbas, pelo marcatório de nomes desconhecidos, rolam sem gritos umas sobre as outras, não se apoiam e nunca se acomodam antes de perderem lascas. temos muitos lugares. sorte dessa gente amiudada ter a ajuda tão poderosa da pá e picareta olhando a partida sem volta, uma dor repetida



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segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Su Majestad El Fútbol: Eduardo Galeano

Eduardo Galeano

Prólogo












Su Majestad el Futbol

Eduardo Galeano

(selección y prólogo)



Prólogo de pocas palabras



Hay intelectuales que niegan los sentimientos que no son capaces de experimentar ni, en consecuencia, de compartir: sólo podrían referirse al fútbol con una mueca de disgusto, asco o indignación. No es menos típica la búsqueda de chivos emisarios para expiar la propia impotencia, y el fútbol es ideal en este sentido; está allí, tan a mano del intelectual como de cualquiera, sin ganas ni necessidad de defenderse: el fútbol es, pues, cómodamente, señalado con el dedo índice como la causa primera y última de todos los males, el culpable de la ignorancia y la resignación de las masas populares en el Río de la Plata. La miseria no está escrita en los astros, suele pensar el intelectual de izquierda, pero sí en el tablero del estadio donde se marcan los goles: si no fuera por el fútbol, el proletariado adquiriría su necesaria conciencia de clase y la revolución estallaría.

No creo que tanta perversidad pueda imputarse al fútbol con algún fundamento de causa. No niego que el fútbol empieza por gustarme, y mucho, sin que eso me provoque el menor remordimiento ni la sensación de estar traicionando a nada ni a nadie, confesso consumidor del opio de los pueblos. Me gusta el fútbol, sí, la guerra y la fiesta del fútbol, y me gusta compartir euforias y tristezas en las tribunas con millares de personas que no conozco y con las que me identifico fugazmente en la pasión de un domingo de tarde. ¿Desahogo de una agresividad reprimida en el curso de la semana? ¿Merece uno el sillón del psicoanalista? ¿O bien se ha sumado uno a las fuerzas de la contrarrevolución? Los hinchas somos inocentes. Inocentes, incluso, de las porquerías del profesionalismo, la compra y la venta de los hombres y las emociones.

Con ninguma otra actividade nos sentimos tan identificados los hombres de la cuenca del Plata, y muy particularmente los orientales. En el estilo y la “garra” de algunos jugadores, sobrevivientes de la época de oro en que se jugaba “con todo”, reconocemos de algún modo un estilo nacional, con sus rasgos negativos y positivos, la “viveza” muchas veces cochina tanto como la firmeza y la imaginación, la manera de plantarse en la cancha y la fracción de segundo que demora un delantero en escapar por el costado donde no se le espera, abrir la brecha y meter el gol. Los uruguayos tenemos motivos de sobra para desear que la “garra” legendaria de nuestros jugadores se proyecte más allá de las canchas sobre el asfalto de la ciudad y la desolada immensidad del campo: que el heroísmo nazca de los grandes compromisos sociales y políticos. Pero no es culpa del fútbol que sólo en el fútbol esa “garra” ofrezca, o haya ofrecido, resultados concretos, como no es culpa del fútbol que haya sido por el fútbol que el Uruguay adquirió cierta relevancia internacional o por lo menos nombre propio en el mapa del mundo. Recuerdo que desde los balcones de “Epoca” mirábamos en 1966 la impresionante manifestación con que el publo celebraba la victoria de Peñarol en la Copa Mundial de Clubes. Recuerdo que discutimos. Yo también hubiera preferido una manifestación tan multitudinaria y estridente por la tierra que los cañeros reclamaron en vano o contra la política económica que el imperialismo nos impuso para comernos mejor. Pero la victoria de Peñarol no era culpable de las derrotas de la izquierda: ojalá la izquierda fuera también capaz de ganar 4 a 2 cuando, faltando pocos minutos para el fin, todo parece perdido.

Esta antología que la editorial ARCA me ha encomendado preparar, es deliberadamente irregular. Me propuse hacer una especie de collage que incluyera variados testimonios, en prosa y en poesía, sobre el fútbol en sus diversos aspectos y proyecciones. Por eso el lector encontrará aquí reportajes, cuentos, poemas, confesiones y artículos. Los toros han tenido su Hemingway. El fútbol espera todavía al gran escritor que se lance a su rescate. Ojalá este pequeño trabajo sirva como provocación o estímulo: el deprecio y el miedo han hecho del fútbol un tema tabú casi invicto, aún no revelado en toda la posible intensidade de las pasiones que resume y desata.

Eduardo Galeano
Montevideo, principios del 68.



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Galeano, Eduardo. Su majestad el futbol. Eduardo Galeano. Edición sin modificaciones respecto de la version de 1968. Ed. Arca. Montevideo – Uruguay. diciembre 2000.



En esta antologia, Eduardo Galeano (Montevideo, 1940) reúne testimonios sobre el fútbol en sus diversos aspectos y proyecciones. Cuentos, confesiones y reportajes de Benedetti, Camus, Maggi, Morosoli, El Hachero, entre muchos otros, componen este deliberado collage realizado por un narrador y periodista reconocido a nível nacional e internacional.

domingo, 20 de setembro de 2015

Teatro Pedagógico: dedicatória

Parábolas de uma Professora




Dedicatória



Não saberia escrever, descrever ou dizer ao pé do ouvido, se as leituras que tenho vivas e explícitas no pensamento são e serão mais importantes que as outras leituras que me invadem o inconsciente e formam o meu caráter humano de maneira solidária, já não sei se o que escrevo é uma invenção minha ou se eu sou já, agora, uma mulher invenção do que li, estou lendo e ainda vou ler. Talvez, eu não consiga ser uma invenção nova nem de mim mesma, mas um resumo de tudo que tenha se aproximado e ficado ao alcance dos olhos, dos ouvidos, das mãos, do gosto possível de sentir com a boca e com a pele ou do perfume empoeirado de livros esquecidos em estantes abandonadas e solitárias. Ainda não me tornei uma referência bibliográfica e espero não vir a ser uma lista de livros e citações, todas memorizadas, prontas para serem lançadas pela boca em manchas de vômito. Minha esperança pessoal é que o resumo de mim mesma possa melhor ser aproveitado que a exposição abreviada que faço dos autores que li, e não decorei, felizmente, sobre a educação e sobre a esperança, enfim, sobre o ser humano envolvido com as suas ações no ato de educar com humanidade.
Mas confesso, ando com saudade  da humanidade e de deus. A mim não parece que ele esteja entre nós nem a humanidade que julgas sermos. Ele me faz falta. Basta de escutar ler ver e sentir o cheiro do enxofre que sai das bocas e babas escorridas com indiferença enquanto gritas morte morte morte ou viras o nariz ao outro lado, e esperas que se afoguem. E rezas por suas almas estilhaçadas. Afogadas. Gostas de rezar. Assim, finges que o santo és tu, mas caminhas com os pés manchados de sangue tanto que pisas nos vivos. Preocupado que estás com as vitórias. Tuas. O teu saco com trinta moedas. Estou com saudade de deus. Sou mais esse deus que você que não sai dos templos e igrejas. Não acreditas? Desafio que o chames para um encontro, eu estou pronta. E você, acha que estás pronta? Antes, precisa comprar mais algum espelho? E por favor, chega deste desdém que tudo é uma provação. Sejas explícito com os donos do deus rico egoísta desumano, e digas, claramente, com todas as letras de todas as línguas, só existe um deus e não tereis deus, nem o corpo de deus, não o entregaremos, novamente, para crucificar. Cansamos de carregar tua cruz de ouro com o nosso sangue, tereis apenas as formigas em tua boca que não iremos afastar. Nem as cigarras cantam em tua volta. E lutemos contra esse deus sem deus. Mentiroso. Estou com saudade do deus  que é mãe que chora e canta e dança e ri e ama a carne da celebração da vida que não precisa de defunto rei
o siô é santo
tudo é igual
no reino do pai
qui alegria
sentiu o defunto da maria
depois de morto
rei ele seria
Essa porção de folhas cosidas e enfeixadas é dedicada ao educador brasileiro Paulo Reglus Neves Freire e ao pai da educação socialista, o ucraniano Anton Semiónovitch Makarenko. 


Anita 

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sábado, 19 de setembro de 2015

Missa, Pastoral, Quilombos e Índios... em nome do Deus sem dividição

Republicando

Pedro Casaldáliga


"Em nome de um deus supostamente branco e colonizador, que nações cristãs têm adorado como se fosse o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, milhões de Negros vem sendo submetidos, durante séculos, à escravidão, ao desespero e a morte. No Brasil, na América, na África mãe, no Mundo.
Deportados, como 'peças', da ancestral Aruanda, encheram de mão de obra barata os canaviais e as minas e encheram as senzalas de indivíduos desaculturados, clandestinos, inviáveis. (Enchem ainda de sub-gente - para os brancos senhores e as brancas madames e a lei dos brancos - as cozinhas, os cais, os bordéis, as favelas, as baixadas, os xadrezes).
Mas um dia, uma noite, surgiram os Quilombos, e entre todos eles, o Sinai Negro de Palmares, e nasceu, de Palmares, o Moisés Negro, Zumbi. E a liberdade impossível e a identidade proibida floresceram, 'em nome do Deus de todos os nomes', 'que faz toda carne, a preta e a branca, vermelhas no sangue'.
Vindos 'do fundo da terra', 'da carne do açoite', 'do exílio da vida', os Negros resolveram forçar 'os novos Albores' e reconquistar Palmares e voltar a Aruanda.
E estão aí, de pé, quebrando muitos grilhões - em casa, na rua, no trabalho, na igreja, fulgurantemente negros ao sol da Luta e da Esperança.
Para escândalo de muitos fariseus e para alívio de muitos arrependidos, a Missa dos Quilombos confessa, diante de Deus e da História, esta máxima culpa cristã.
Na música do negro Milton e de seus cantares e tocadores, oferece ao único Senhor 'o trabalho, as lutas, o martírio do Povo Negro de todos os tempos e de todos os lugares'.
E garante ao Povo Negro a Paz conquistada da Libertação. Pelos rios de sangue negro, derramado no mundo. Pelo sangue do Homem 'sem figura humana', sacrificado pelos poderes do Império e do Templo, mas ressuscitado da Ignomínia e da Morte pelo Espírito de Deus, seu Pai.
Como toda verdadeira Missa, a Missa dos Quilombos é pascal: celebra a Morte e a Ressurreição do Povo Negro, na Morte e Ressurreição do Cristo.
Pedro Tierra e eu, já emprestamos nossa palavra, iradamente fraterna, à Causa dos Povos Indígenas, com a 'Missa da Terra sem males', emprestamos agora a mesma palavra à Causa do Povo Negro, com esta Missa dos Quilombos.
Está na hora de cantar o Quilombo que vem vindo: está na hora de celebrar a Missa dos Quilombos, em rebelde esperança, com todos 'os negros da África, os Afros da América, os Negros do Mundo, na Aliança com todos os Pobres da Terra". 



Invocação à Mariama
Dom Hélder Câmara








"Louvação à Mariama" e "Marcha Final de Banzo e Esperança"








  Missa dos Quilombos - Milton Nascimento










A de Ó (Estamos Chegando)

Milton Nascimento




Estamos chegando do fundo da terra,
estamos chegando do ventre da noite,
da carne do açoite nós somos,
viemos lembrar.

Estamos chegando da morte dos mares,
estamos chegando dos turvos porões,
herdeiros do banzo nós somos,
viemos chorar.

Estamos chegando dos pretos rosários,
estamos chegando dos nossos terreiros,
dos santos malditos nós somos,
viemos rezar.

Estamos chegando do chão da oficina,
estamos chegando do som e das formas,
da arte negada que somos,
viemos criar.

Estamos chegando do fundo do medo,
estamos chegando das surdas correntes,
um longo lamento nós somos,
viemos louvar.



A DE Ó


Estamos chegando dos rios fogões,
estamos chegando dos pobres bordéis,
da carne vendida que somos,
viemos amar.

Estamos chegando das velhas senzalas,
estamos chegando das novas favelas,
das margens do mundo nós somos,
viemos dançar.

Estamos chegando dos grandes estádios,
estamos chegando da escola de samba,
sambando a revolta chegamos,
viemos gingar.




A DE Ó


Estamos chegando do ventre de Minas,
estamos chegando dos tristes mocambos,
dos gritos calados nós somos,
viemos cobrar.

Estamos chegando da cruz dos engenhos,
estamos sangrando a cruz do batismo,
marcados a ferro nós fomos,
viemos gritar.

Estamos chegando do alto dos morros,
estamos chegando da lei da baixada,
das covas sem nome chegamos,
viemos clamar.

Estamos chegamos do chão dos quilombos,
estamos chegando no som dos tambores,
dos Novos Palmares nós somos,
viemos lutar.



A DE Ó


Composição: Milton Nascimento, Pedro Casaldáliga

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Missa dos Quilombos, Pastoral da Terra, Pastoral dos Índios... em nome do Deus sem dividição

Pedro Casaldáliga


"Em nome de um deus supostamente branco e colonizador, que nações cristãs têm adorado como se fosse o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, milhões de Negros vem sendo submetidos, durante séculos, à escravidão, ao desespero e a morte. No Brasil, na América, na África mãe, no Mundo.
Deportados, como 'peças', da ancestral Aruanda, encheram de mão de obra barata os canaviais e as minas e encheram as senzalas de indivíduos desaculturados, clandestinos, inviáveis. (Enchem ainda de sub-gente - para os brancos senhores e as brancas madames e a lei dos brancos - as cozinhas, os cais, os bordéis, as favelas, as baixadas, os xadrezes).
Mas um dia, uma noite, surgiram os Quilombos, e entre todos eles, o Sinai Negro de Palmares, e nasceu, de Palmares, o Moisés Negro, Zumbi. E a liberdade impossível e a identidade proibida floresceram, 'em nome do Deus de todos os nomes', 'que faz toda carne, a preta e a branca, vermelhas no sangue'.
Vindos 'do fundo da terra', 'da carne do açoite', 'do exílio da vida', os Negros resolveram forçar 'os novos Albores' e reconquistar Palmares e voltar a Aruanda.
E estão aí, de pé, quebrando muitos grilhões - em casa, na rua, no trabalho, na igreja, fulgurantemente negros ao sol da Luta e da Esperança.
Para escândalo de muitos fariseus e para alívio de muitos arrependidos, a Missa dos Quilombos confessa, diante de Deus e da História, esta máxima culpa cristã.
Na música do negro Milton e de seus cantares e tocadores, oferece ao único Senhor 'o trabalho, as lutas, o martírio do Povo Negro de todos os tempos e de todos os lugares'.
E garante ao Povo Negro a Paz conquistada da Libertação. Pelos rios de sangue negro, derramado no mundo. Pelo sangue do Homem 'sem figura humana', sacrificado pelos poderes do Império e do Templo, mas ressuscitado da Ignomínia e da Morte pelo Espírito de Deus, seu Pai.
Como toda verdadeira Missa, a Missa dos Quilombos é pascal: celebra a Morte e a Ressurreição do Povo Negro, na Morte e Ressurreição do Cristo.
Pedro Tierra e eu, já emprestamos nossa palavra, iradamente fraterna, à Causa dos Povos Indígenas, com a 'Missa da Terra sem males', emprestamos agora a mesma palavra à Causa do Povo Negro, com esta Missa dos Quilombos.
Está na hora de cantar o Quilombo que vem vindo: está na hora de celebrar a Missa dos Quilombos, em rebelde esperança, com todos 'os negros da África, os Afros da América, os Negros do Mundo, na Aliança com todos os Pobres da Terra". 



Invocação à Mariama
Dom Hélder Câmara







"Louvação à Mariama" e "Marcha Final de Banzo e Esperança"




Missa dos Quilombos - Milton Nascimento




A de Ó (Estamos Chegando)

Milton Nascimento




Estamos chegando do funda da terra,
estamos chegando do ventre da noite,
da carne do açoite nós somos,
viemos lembrar.

Estamos chegando da morte dos mares,
estamos chegando dos turvos poróes,
herdeiros do banzo nós somos,
viemos chorar.

Estamos chegando dos pretos rosários,
estamos chegando dos nossos terreiros,
dos santos malditos nós somos,
viemos rezar.

Estamos chegando do chão da oficina,
estamos chegando do som e das formas,
da arte negada que somos,
viemos criar.

Estamos chegando do fundo do medo,
estamos chegando das surdas correntes,
um longo lamento nós somos,
viemos louvar.



A DE Ó


Estamos chegando dos rios fogões,
estamos chegando dos pobres bordéis,
da carne vendida que somos,
viemos amar.

Estamos chegando das velhas senzalas,
estamos chegando das novas favelas,
das margens do mundo nós somos,
viemos dançar.

Estamos chegando dos grandes estádios,
estamos chegando da escola de samba,
sambando a revolta chegamos,
viemos gingar.




A DE Ó


Estamos chegando do ventre de Minas,
estamos chegando dos tristes mocambos,
dos gritos calados nós somos,
viemos cobrar.

Estamos chegando da cruz dos engenhos,
estamos sangrando a cruz do batismo,
marcados a ferro nós fomos,
viemos gritar.

Estamos chegando do alto dos morros,
estamos chegando da lei da baixada,
das covas sem nome chegamos,
viemos clamar.

Estamos chegamos do chão dos quilombos,
estamos chegando no som dos tambores,
dos Novos Palmares nós somos,
viemos lutar.



A DE Ó


Composição: Milton Nascimento, Pedro Casaldáliga

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sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Agostinho Neto (Angola)

Poetas da Língua Portuguesa (1)


Da Negação à Afirmação


A Renúncia Impossível


Negação




Não creio em mim
Não existo
Não quero eu não quero ser

Quero destruí-me
- Atirar-me de pontes elevadas
e deixar-me despedaçar
sobre as pedras duras das calçadas

Pulverizar o meu ser
desaparecer
não deixar sequer traço de passagem
pelo mundo.


Quero matar-me
e deixar que o não-eu
se aposse de mim.


Mais do que um simples suicídio
quero que esta minha morte
Seja uma verdadeira novidade histórica
um desaparecimento total
até mesmo nos cérebros
daqueles que me odeiam
até mesmo no tempo
e se processe a História
e o mundo continue
como se eu nunca tivesse existido
como se nenhuma obra tivesse produzido
como se nada tivesse influenciado na vida
como se em vez de valor negativo
eu fosse Zero.


Quero ascender, subir
elevar-me até atingir o Zero
e desaparecer.
Deixai-me desaparecer!



Mas antes vou gritar
com toda a força dos meus pulmões
para que o mundo oiça:



- Fui eu quem renunciou à Vida!
Podeis a continuar a ocupar o meu lugar
vós os que mo roubastes



Aí tendes o mundo todo para vós
para mim nada quero
nem riqueza nem pobreza
nem alegria nem tristeza
nem vida nem morte
nada.



Não sou. Não existo. Nunca fui.
Renuncio-me
Atingi o Zero



E agora,
Vivei, cantai, chorai
casai-vos, matai-vos, embriagai-vos
dai sêmolas aos pobres.
Nada me pode interessar
que eu não sou
Atingi o Zero!



Não contem comigo
para vos servir às refeições
nem para cavar os diamantes
que vossas mulheres irão ostentar em salões
nem para cuidar das vossas plantações
de café e algodão
não contem com operários
para amamentar os vossos filhos sifilíticos
não contem com operários
de segunda categoria
para fazer o trabalho de que vos orgulhais
nem com soldados inconscientes
para gritar com o estômago vazio
vivas ao nosso trabalho de civilização
nem com lacaios
para vos tirarem os sapatos
de madrugada
quando regressardes de orgias nocturnas
nem com pretos medrosos
para vos oferecer vacas
e vender molho a tostão
nem com corpos de mulheres
para vos alimentar de prazeres
nos ócios da vossa abundância imoral.


Não contem comigo
Renuncio-me.
Eu atingi o Zero

Não existo. Nunca existi.
Não quero vida nem morte
Nada!

Podeis agora queimar
os letreiros medrosos
que às portas dos bars, hotéis e recintos públicos
gritam o vosso egoísmo
nas frases: “SÓ PARA BRANCOS” ou “ONLY TO COLOURED MEN”
Negros aqui .Brancos acolá.


Podeis acabar
com os miseráveis bairros de negros
que vos atrapalham a vaidade
Vivei satisfeitos sem “colour lines”
sem terdes que dizer aos fregueses negros
que os hotéis estão abarrotados
que não há mais mesas nos restaurantes.
Banhai-vos descansados
nas vossas praias e piscinas
que nunca houve negros no mundo
que sujassem as águas
ou os vossos nojentos preconceitos
com a sua escura presença.


podeis transformar em toureiros
ou em magarefes
os membros da Ku-klux-klan
para que matem a sua fome sanguinária
nas feridas dos touros que descem à arena.
Não há negros para linchar!



Porque hesitais agora!
Ao menos tendes oportunidade
para proclamardes democracias
com sinceridade



Podeis inventar uma nova História.
Inclusivamente podeis atribuir-vos a criação do mundo.
Tudo foi feito por vós
Ah!
que satisfação eu sinto
por ver-vos alegres no vosso orgulho
e loucos na vossa mania de superioridade.



Nunca houve negros!
A África foi construída só por vós
A América foi colonizada só por vós
A Europa não conhece civilizações africanas
Nunca um negros beijou uma branca
nem um negro foi linchado
nunca mataram pretos a golpes de cavalomarinho
para lhes possuírem as mulheres
nunca extorquiram propriedades a pretos
não tendes, nunca tivestes filhos com sangue negro
ó racistas de desbragada lubricidade
Fartai-vos agora dentro da moral.


Que satisfação eu sinto
por não terdes que falsear os padrões morais
para salvaguardar
o prestigio, a superioridade e o estômago
dos vossos filhos.




Ah!
O meu suicídio é uma novidade histórica
é um sádico prazer
de ver-vos bem instalados no vosso mundo
sem necessidade de jogos falsos.


Eu elevado até o Zero
eu transformado no Nada-historico
Eu no inicio dos Tempos
eu-Nada a confundir-me com vós-Tudo
sou o verdadeiro Cristo da Humanidade!


Não há nas ruas de Luanda
Negros descalços e sujos
a pôr nódoas nas vossas falsidades de colonização
em Lourenço Marques
em Nova York, em Leopoldville
em Cape-Town
gritam pelas ruas
a foguetear alegria nos ares:



-Não há negros nas ruas!
Nunca houve.
Não há negros preguiçosos
a deixar os campos por cultivar
e renitentes à escravização
já não há negros para roubar.
Toda a riqueza representa agora o suor do rosto
e o suor do rosto é a poesia da vida.




Não existe música negra
Nunca houve batuques nas florestas do Congo
Quem falou em spirituals?

Vá de enchem os salões
de Debussy Struss Korsakoff.
Já não há selvagens na terra.
Viva a civilização dos homens superiores
sem manchas negróides
a perturbar-lhe a estética!



Nunca houve descobrimentos
a África foi criada com o mundo.



O que é a colonização?
O que são massacres de negros?
O que são os esbulhos de popriedade?
Coisas que ninguém conhece.



A história está errada
Nunca houve escravatura
nunca houve domínio de minorias
orgulhosas da sua força


Acabai com as cruzadas religiosas
A fé está espalhada por todo mundo
sobre a terra só há cristãos
vós sois todos cristãos.




Não há infiéis por converter
Escusai de imaginar mais infidelidades religiosas
para justificar
Repugnantes actos de barbarismo.

Não necessitais enviar mais missionários
a África
nem aos bairros de negros
Nunca houve feitiços
nem concepções religiosas diferentes
nunca houve religiosos a auxiliar a ocupação militar.


Acabai tudo, tudo
e vós sois todos irmãos.
Podeis continuar com os vossos sistemas
socialistas ou capitalista
que isso não me interessa.
Explorai o proletariado
ou dai-lhe de comer
isso é convosco.

Continuai com os vossos sistemas políticos
ditaduras democracias.
Matai-vos uns aos outros
lutai pela glória
lutai pelo poder
criai minorias fortes
que protejam os seus comp…
apadrinhai os afilhados dos vossos amigos
criai mais castas
aburguesai as ideias
e tudo sem a complicação
de verdes intrusos
imiscuir-se na vossa querida
e defendida civilização
dos homens privilegiados.

Homens irmãos
dai-vos as mãos
gritai a vossa alegria de serdes sós
SÓS!
únicos habitantes da Terra.


Eu atingi o Zero!


Isto s implica extraordinariamente
a vossa ética.
Ao menos não percais agora
a ocasião de serdes honestos.



Se houver terramotos
Calamidades, cheias ou epidemias
ou terras a defender da invasão das águas
ou motores parados nas lamas a de selvas africanas
raios partam!
já não tereis de chamar-me
para acudir ás vossas desgraças
para reparar os vossos desastres
ou para carregar com a culpa das vossas incúrias.
Ide para o diabo!

Eu não existo
Palavra de honra que nunca existi.
Atingi o Zero
o Nada.
Abençoada a Hora
do meu super-suicidio
para vós
homens que construís sistemas morais
para enquadrar imoralidades

O sol brilha só para vós
a lua reflecte luz só para vós
nunca houve esclavagistas
nem massacres
Nem ocupações da África.

Como até a história
se transforma num Tratado Moral
sem necessidade de arranjos apressados!


Não existem os pretos dos cais e do caminho de
ferro.
Nos locais de trabalho nunca se ouviram cantos
dolentes
só há chiadeira do guindastes.
Nunca pisaram os caminhos do mato
carregados com quilos às costas
são os motores que se queimam sob as cargas

Ó pretos submissos humildes ou tímidos
Sem lugar nas cidades
ou nos escaninhos da honestidade
ou nos recantos da força
com a alma poisada no sinal menos,
polígamos declarados
dançarinos de batuques sensuais
sabei que subistes todos de valor
Atingistes o Zero
sois Nada
e salvastes o Homem.




Acabou-se o ódio de raças
e o trabalho de civilização
e a náusea de ver meninos negros
sentados na escola
ao lado dos meninos de olhos azuis
e as extorsões e compulsões
e as palmatoadas e torturas
para obrigar inocentes a confessar crimes
e os medos de revolta
e as complicadas demarches politicas
para iludir as almas simples.


Acabaram-se as complicações sociais!



Atingi o zero
Cheguei à hora do inicio do mundo
E resolvi não existir.

Cheguei ao Zero-Espaço
ao nada-tempo
ao Eu coincidente com vós-Tudo.


E o que é mais importante
Salvei o mundo.






Afirmação





Ah!


Faça-se luz no meu espírito
LUZ!


Calem–se as frases loucas
Desta renúncia impossível.



Eu–todos nunca me enganei
nunca coincidirei com o nada
não me deitarei nunca debaixo dos comboios



Não fui eu quem falou
da salvação do mundo
à custa da minha existência
da transformação do valor negativo em Zero
por meio do castigo ao inocente
em super – suicídio novidade histórica



Quem falou não fui eu
foi a minha loucura.



O meu lugar está marcado
no campo da luta
para conquista da vida perdida



Eu sou. Existo
As minha mãos colocaram pedras
nos alicerces do mundo
Tenho direito ao meu pedaço de pão



Sou um valor positivo
da humanidade
e não abdico,
nunca abdicarei!



Seguirei com os homens livres
O meu caminho
para a liberdade e para a Vida.

Perdoem–me os cinco minutos de loucura
que vivi.




1949
Original dactilografado. Arquivado fls.204 a 209/210ª215

Do poema”Afirmação”, in Michel Laban , “Mário Pinto de Andrade – um intelectual na
política”, Da negação à Afirmação”,pp.87 – 99, Edições Colibri.