sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

The Royal Ballet - Jóias - primeira variação das 'Esmeraldas'

Jewels – 'Emeralds' first variation

Jóias - primeira variação das 'Esmeraldas'



"Nós devemos primeiramente compreender que a dança é uma arte independente, não um mero acompanhamento. Eu acredito que ela seja uma das grandes artes… A coisa importante no balé é o movimento por si mesmo. Um balé pode conter uma história, mas o espetáculo visual… é o elemento essencial. O coreógrafo e o bailarino devem lembrar-se que eles devem alcançar a platéia através dos olhos. Esta é a ilusão no qual convence a platéia, tal como é no trabalho de um mágico."



Beatriz Stix-Brunell
George Balanchine









O brilhante ballet de George Balanchine ainda brilha com todo o brilho das pedras preciosas que o inspiraram. Primeira solista do Royal Ballet Beatriz Stix-Brunell realiza a primeira variação do movimento 'Emeralds'.

O Jewels usa três pedras preciosas como ponto de partida para explorar uma variedade de estilos musicais e de dança, cada um intimamente conectado à própria vida e carreira de Balanchine. O balé foi inspirado na beleza das pedras preciosas que ele viu na loja de joalherias Van Cleef & Arpels, em Nova York. Ele passou a fazer história com este, o primeiro ballet abstrato de três atos, realizado pela primeira vez em 1967 pelo New York City Ballet. Jewels foi apresentado na íntegra pelo The Royal Ballet pela primeira vez em 2007, usando figurinos da produção original da NYCB e novos cenários de Jean-Marc Puissant.

Cada um dos três movimentos utiliza uma pedra diferente para sua inspiração e um compositor diferente para seu som. A elegância e elegância da França romântica vêm à tona na primeira parte de Balanchine, 'Emeralds'. Um corpo de dez mulheres brilha em torno de uma série de números de solo refinados para quatro mulheres e três homens, em um ato que evoca o século 19 do compositor Gabriel Fauré e "a França da elegância, conforto, vestimenta, perfume", como Balanchine colocou isto. O fogo de 'Rubies' vem de Stravinsky e da energia da era do jazz de Nova York. Grandeza e elegância completam o ballet em 'Diamonds', com o esplendor da Rússia Imperial e a opulenta Terceira Sinfonia de Tchaikovsky. Cada seção saúda uma era diferente na história do balé clássico, bem como um período distinto na vida de Balanchine. Por tudo isso, Balanchine mostra sua genialidade em combinar música com coreografia visionária.




Jewels by George Balanchine 

- Diamonds Final










Nasceu em São Petersburgo, na Rússia, em 1904, com o nome de Georgi Militonovitch Balanchivadze. Influenciado pelo pai, que era compositor, o jovem bailarino estudou composição e piano no Conservatório de Leningrado, o que fez com que se tornasse, segundo críticos da época, o coreógrafo de maior conhecimento musical de seu tempo. Começou na Escola Imperial em 1914, onde veio a se formar sete anos depois. Estreou como coreógrafo em 1923, com um pequeno grupo de bailarinos, entre os quais Alexandra Danilova e no ano seguinte, sua companhia denominada "Os Bailarinos do Estado Russo" incursionou pelo estrangeiro para fugir para o mundo ocidental.

Balanchine escreveu de si mesmo, "Nós devemos primeiramente compreender que a dança é uma arte independente, não um mero acompanhamento. Eu acredito que ela seja uma das grandes artes…A coisa importante no balé é o movimento por si mesmo. Um balé pode conter uma história, mas o espetáculo visual… é o elemento essencial. O coreógrafo e o bailarino devem lembrar-se que eles devem alcançar a platéia através dos olhos. Esta é a ilusão no qual convence a platéia, tal como é no trabalho de um mágico." Balanchine se comparava a um artesão, como se fosse um cozinheiro ou marceneiro.

FLAMENCOS - pasos de rumbas

Pasos básicos de Rumbas


Iniciación



a bússola da rumba







Para um nível de iniciação o ritmo da bússola binária, a bússola da rumba.

O primeiro dos dois passos é levar o pé para frente e depois devolvê-lo ao seu lugar. Com a bússola marcávamos com o pé no silêncio. Ou seja, quando não há palmas, é quando temos que tirar o pé. No vídeo, você pode ver a execução completa da etapa e tirar qualquer dúvida. Quando assimilarmos o passo, introduziremos o movimento do quadril.

O movimento dos braços neste primeiro passo básico pode ser de várias maneiras, para baixo, para cima ou para os dois braços, fazendo o movimento básico.

O segundo passo também é simples, de iniciação. Abrimos e fechamos nossos pés se movendo para o lado. O quadril se move nesta etapa de uma maneira mais importante. Se fizermos isso mais rápido, as etapas serão menores.

Finalmente, combinamos os dois passos aprendidos alternadamente para poder usá-los com qualquer rumba flamenga.









Explicaremos as posições básicas dos braços e o movimento das mãos com os dedos durante a dança do flamenco. Também veremos a coordenação que terão ambos os braços, mãos com pulsos e dedos. Para um nível de iniciação.

Neste tutorial de flamenco, veremos um passo básico de Rumba Flamenca e um tiro com percussão de palma.

Faremos isso ao ritmo da bússola binária, a bússola da rumba.






Sevillanas con Manuel Reyes








HOMENAJE A MARIO MAYA.
Manolo Marín, Eva Yerbabuena, Paco Jarana y Rafaela Carrasco.
Ballet Nacional de España








Mario Maya, retrato del bailaor andaluz





quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Honoré Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (15)

 Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Vol 1


1
Estudos de Costumes 
- Cenas da Vida Privada



Memórias de duas jovens esposas





PRIMEIRA PARTE




XV – LUÍSA DE CHAULIEU À SRA. DE L’ESTORADE



Março


Ah! Meu anjo, o casamento nos torna filósofos?... Teu querido rosto devia estar amarelo no momento em que me escrevias aqueles pensamentos terríveis sobre a vida humana e sobre os nossos deveres. Acreditas, então, que me converterás ao matrimônio com aquele programa de trabalhos subterrâneos? Pobre de ti! Eis, pois, para onde te arrastaram os nossos sapientíssimos devaneios! Partimos de Blois paramentadas com toda a nossa inocência e armadas com os estiletes agudos da reflexão: os dardos dessa experiência puramente moral das coisas viram-se contra ti! Se não te conhecesse como a mais pura e a mais angélica criatura do mundo, eu te diria que teus cálculos tresandam a depravação! Como, querida, no interesse de tua vida de campo, submetes teus prazeres a um corte sistemático, tratas o amor como tratarias teus bosques? Ó! Prefiro mil vezes perecer na violência dos turbilhões do meu coração a viver na secura de tua sábia aritmética! Eras, como eu, a mais instruída das moças, porque muito havíamos refletido sobre poucas coisas: mas, minha filha, a filosofia sem o amor, ou sob um falso amor, é a mais horrível das hipocrisias conjugais. Não sei se, de quando em quando, o maior imbecil da terra não entreveria o mocho da sabedoria acoitado no teu montão de rosas, descoberta pouco recreativa que pode apagar a mais acesa das paixões. Fazes o teu destino em vez de seres seu joguete. Portamo-nos as duas de modo bem singular: muita filosofia e pouco amor, é o teu lema; muito amor, pouca filosofia, o meu. A Júlia, de Jean-Jacques, que eu julgava um professor, não é mais do que uma estudante comparada contigo. Virtudes de mulher! Encaraste a vida? Ai de mim, zombo de ti e talvez tu é que tenhas razão. Imolaste num dia tua mocidade e te tornaste avara antes do tempo. O teu Luís, sem dúvida, será feliz. Se ele te ama, e não o duvido, jamais perceberá que procedes no interesse de tua família, da mesma forma que as cortesãs procedem no interesse de sua fortuna; evidentemente elas tornam os homens felizes, a julgar pelas loucas dissipações de que são causa. Um marido clarividente ficaria por certo apaixonado por ti; mas não acabaria ele por se dispensar de ter gratidão por uma mulher que faz da falsidade uma espécie de espartilho moral, tão necessário à sua vida como o outro o é para o seu corpo? Mas, querida, o amor a meu ver é o princípio de todas as virtudes, referidas a uma imagem, da Divindade! O amor, como todos os princípios, não se calcula. É o infinito na nossa alma. Não quiseste justificar perante ti mesma a horrível posição de uma moça casada com um homem a quem ela pode somente estimar? O dever, eis a tua regra e a tua medida; mas agir por necessidade, não é isso a moral de uma sociedade de ateus? Agir por amor e por sentimento, não é essa a lei secreta das mulheres? Tu te fizeste homem, e o teu Luís vai sentir-se mulher! Ó querida, tua carta mergulhou-me em meditações infinitas. Verifiquei que o convento jamais pode substituir uma mãe para os filhos. Suplico-te, meu nobre anjo de olhos negros, tão pura e tão altiva, tão grave e tão elegante, pensa nesses primeiros clamores que a tua carta me arranca! Consolei-me pensando que, no momento em que me lamentava, o amor derrubara com certeza os arcabouços da razão. Eu farei talvez pior sem raciocinar, sem calcular; a paixão é um elemento que deve ter uma lógica tão cruel como a tua.



Segunda-feira


Ontem à noite, ao deitar-me, fui à janela para contemplar o céu, que era de uma sublime pureza. As estrelas assemelhavam-se a tachas de prata que sustivessem um véu azul. Pelo silêncio da noite, pude ouvir uma respiração e pelo claro-escuro que espargiam as estrelas, vi o meu espanhol, trepado, como um esquilo, nos galhos de uma árvore da aleia lateral dos bulevares, admirando, sem dúvida, as minhas janelas. Essa descoberta, como primeiro efeito, fez-me voltar para o quarto, com os pés, e as mãos, como que quebrados: mas no fundo dessa sensação de medo eu sentia uma alegria deliciosa. Estava abatida e feliz. Nenhum desses espirituosos franceses que me querem desposar teve o espírito de vir passar as noites sob um olmo, arriscando-se a ser preso pela guarda. Meu espanhol deve estar ali com certeza há muito tempo. Ah! Ele não me dá mais lições; quer recebê-las, pois as terá. Se ele soubesse tudo que a mim mesma eu disse sobre sua fealdade aparente! Eu também, Renata, filosofei. Pensei que havia algo de horrível em amar um homem belo. Não é isso confessar que os sentidos são as três quartas partes do amor, quando ele deve ser divino? Refeita do medo inicial, espichei o pescoço por trás da vidraça para tornar a vê-lo e nisso fiz bem. Por meio de um caniço oco, ele, com um sopro, fez-me chegar às mãos, pela janela, uma carta artisticamente enrolada em torno de um pesado grão de chumbo.

“Meu Deus! Não vá ele pensar que eu deixei a janela aberta de propósito!”, pensei comigo mesma, “se a fecho bruscamente será tornar-me cúmplice.” Fiz melhor do que isso, voltei à janela como se não tivesse ouvido o ruído do bilhete, como se nada tivesse visto, e disse em voz alta:

— Griffith, venha ver as estrelas.


Griffith dormia como uma solteirona. Ao ouvir-me, o mouro deixou-se cair com a rapidez de uma sombra. Deve ter morrido de medo, como eu, pois não o ouvi retirar-se; ficou com certeza ao pé do olmo. Depois de um bom quarto de hora, durante o qual eu me afogava no azul do céu e nadava no oceano da curiosidade, fechei a janela e deitei-me na cama para desenrolar o fino papel com a solicitude dos que, em Nápoles, trabalham com os livros antigos. Meus dedos tocavam fogo. “Que horrível poder esse homem exerce sobre mim!”, pensei. Em seguida aproximei o papel da luz para queimá-lo sem o ler... Um pensamento me reteve a mão. “Que me escreve ele, para fazê-lo em segredo?” Pois bem, querida, queimei a carta, lembrando-me de que, se num caso desses, todas as raparigas da Terra a tivessem devorado, eu, Armanda Luísa Maria de Chaulieu, não a devia ler.

No dia seguinte, nos Italiens, ele estava no seu posto; mas, por mais primeiro ministro constitucional que tenha sido, não creio que minha atitude lhe tenha revelado a menor agitação de minha alma: fiquei absolutamente como se nada tivesse visto nem recebido na véspera. Estava satisfeita comigo mesma; ele, porém, estava muito triste. Pobre homem: é tão natural na Espanha entrar o amor pela janela! Durante o intervalo, ele veio passear pelos corredores. O primeiro secretário da embaixada da Espanha disse-mo, relatando-me um ato dele que é sublime. Sendo duque de Sória, ele devia desposar uma das mais ricas herdeiras da Espanha, a jovem princesa Maria Heredia, cuja fortuna lhe amenizaria os rigores do exílio; mas parece que, frustrando os desejos dos pais, que os tinham comprometido desde a infância, Maria amava o mais moço dos Sória, e o meu Felipe renunciou à princesa Maria, deixando-se despojar pelo rei da Espanha.

— Deve ter feito essa grande coisa com toda a simplicidade — disse eu ao jovem.

— Conhece-o, então? — respondeu-me com toda a ingenuidade.

Minha mãe sorriu.

— Que vai ser dele, pois está condenado à morte, não? — perguntei.

— Se ele está morto na Espanha, tem direito de viver na Sardenha.

— Ah! Também há túmulos na Espanha? — disse eu para aparentar que tomava a coisa em gracejo.

— Há de tudo na Espanha, até espanhóis dos velhos tempos — respondeu-me minha mãe.

— O rei da Sardenha concedeu, não sem dificuldades, um passaporte ao barão de Macumer — continuou o jovem diplomata —, mas por fim ele se tornou um súdito sardo; possui magníficos feudos na Sardenha, com direito de alta e baixa justiça. Tem um palácio em Sassari. Se Fernando VII morresse, Macumer provavelmente entraria na diplomacia, e a corte de Turim faria dele um embaixador. Embora moço, ele...


— Ah! Ele é moço?

— Sim, senhorita... embora moço, é um dos homens mais distintos da Espanha.

Eu percorria a sala com o binóculo, enquanto ouvia o secretário, e parecia prestar-lhe pouca atenção; mas, entre nós, estava desesperada por ter queimado a carta. Como se expressará um homem desses quando ama? E ele me ama. Ser amada, adorada em segredo, ter nessa sala onde se reúnem todas as sumidades de Paris um homem seu, sem que ninguém o saiba! Ó! Renata, compreendi então a vida parisiense, e seus bailes, e suas festas! Tudo se apresentou a meus olhos com uma cor verdadeira. Quando se ama, precisa-se dos outros, quando mais não seja para sacrificá-los ao ente amado. Senti no meu ser um outro ser feliz. Todas as minhas vaidades, meu amor-próprio, meu orgulho estavam lisonjeados. Só Deus sabe o olhar que passeei pela assistência!

— Ah! Sonsinha! — disse-me a duquesa ao ouvido.

Ah! Minha muito ardilosa mãe adivinhou, por minha atitude, alguma alegria secreta, e tive de arrear pavilhão ante aquela mulher sapiente.

Aquelas duas palavras mais me ensinaram do mundo do que eu surpreendera em um ano, pois que estamos em março. Infelizmente dentro de um mês não teremos mais os Italiens. Que fazer sem essa adorável música, quando se tem o coração transbordando de amor?

Na volta, querida, com uma resolução digna de uma Chaulieu, abri minha janela para admirar um aguaceiro. Oh! Se os homens soubessem o poder de sedução que exercem sobre nós as ações heroicas, eles se fariam bem grandes; os mais pusilânimes tornar-se-iam heróis. O que soubera a respeito do meu espanhol deixara-me febril. Tinha certeza de que ele estava ali, pronto para me atirar uma nova carta. Por isso não queimei: li. Eis pois a primeira carta de amor que recebi, senhora argumentadora, cada uma a sua:

“Luísa, não é por sua sublime beleza que a amo; não a amo por seu espírito tão vasto, pela nobreza dos seus sentimentos, pela graça infinita que comunica a tudo, nem pela sua altivez, por seu desdém real a tudo o que não é da sua esfera e que em si não exclui a bondade, pois tem a caridade dos anjos; amo-a, Luísa, porque fez curvarem-se para um pobre exilado todas essas altivas grandezas; porque, por um gesto, por um olhar, consolou um homem de estar tão abaixo da sua pessoa, que não tinha direito senão à sua generosa piedade. É a única mulher no mundo que, para mim, abrandou o rigor de seus olhos, e, como deixou cair sobre mim esse olhar benfazejo, quando eu era apenas um grão na poeira, coisa que jamais obtive quando tinha todo o poder de que um súdito pode dispor, faço empenho de dizer-lhe, Luísa, que se me tornou querida, que a amo por si mesma e sem nenhum pensamento preconcebido, ultrapassando de muito as condições que impôs a um amor perfeito. Saiba, pois, ídolo por mim colocado no mais alto dos céus, que existe no mundo um rebento da raça sarracena, cuja vida lhe pertence, a quem tudo pode pedir como a um escravo, e que se honrará de executar as suas ordens. Dei-me a si para sempre e pelo único prazer de me dar, por um único olhar seu, por essa mão estendida, certa manhã, para o seu professor de espanhol. Tem um servo, Luísa, e não outra coisa. Não, não me atrevo a pensar que possa um dia ser amado, mas talvez serei suportado e somente por causa de minha dedicação. Desde aquela manhã em que me sorriu como uma jovem nobre que adivinhava a miséria de meu coração solitário e traído, eu a entronizei: é a soberana absoluta de minha vida, a rainha dos meus pensamentos, a divindade de meu coração, a luz que brilha onde estou, a flor de minhas flores, o bálsamo do ar que respiro, a riqueza de meu sangue, a luz que vela meu sono. Um único pensamento perturbava essa felicidade: a senhora ignorava ter de seu um devotamento sem limites, um braço fiel, um escravo cego, um agente mudo, um tesouro, pois que sou apenas o depositário de quanto possuo; enfim, ignorava que dispunha de um coração ao qual tudo podia confiar, o coração de uma velha avó a quem tudo podia pedir, um pai do qual pode reclamar toda a proteção, um amigo, um irmão; todos esses sentimentos lhe fazem falta, sei-o. Surpreendi o segredo de seu isolamento! Minha ousadia proveio do meu desejo de lhe revelar a extensão de suas posses. Aceite tudo, Luísa, pois me dará a única vida possível para mim no mundo, a de me devotar. Ao colocar-me o colar da servidão, a nada se expõe: jamais pedirei outra coisa senão o prazer de me saber seu. Nem mesmo me diga que jamais me amará: terá de ser assim, eu o sei; devo amar de longe, sem esperança, e para mim mesmo. Quanto quisera saber se me aceita como servo, e por isso dei tratos à imaginação a fim de achar uma prova que lhe ateste que não haverá de sua parte nenhuma quebra de dignidade se mo fizer saber, porquanto faz já muitos dias que lhe pertenço, sem que o saiba. Poderá, pois, dizer-mo se, uma noite, nos Italiens, tiver na mão um ramo composto de uma camélia branca e de uma camélia vermelha, imagem de todo o sangue de um homem às ordens de uma candura adorada. Tudo então ficará dito: a qualquer hora, amanhã como daqui a dez anos, tudo o que quiser e que seja possível a um homem fazer será feito, apenas o peça ao seu feliz servidor.

Felipe Henares




p. s. — Minha querida, confessa que os grão-senhores sabem amar! Que ímpeto de leão africano! Que ardor refreado! Que fé! Que sinceridade! Que grandeza de alma na humilhação! Senti-me pequenina e a mim mesma perguntei completamente aturdida: “Que fazer?...” É próprio de um grande homem desorientar os cálculos ordinários. Ele é sublime e enternecedor, ingênuo e gigantesco. Com uma única carta foi além das cem cartas de Lovelace e de Saint-Preux. Oh! Eis aí o amor verdadeiro sem chicanas: é ou não é; mas, quando é, mostra-se na sua imensidade. Eis-me destituída de todos os coquetismos. Recusar ou aceitar! Estou entre esses dois termos, sem um pretexto para abrigar minha irresolução. Toda e qualquer discussão suprimida. Não é mais Paris, e a Espanha ou o Oriente; é enfim o abencerragem que fala, que se ajoelha ante a Eva católica trazendo-lhe sua cimitarra, seu cavalo e sua cabeça. Aceitarei esse resto de mouro? Releia muitas vezes essa carta hispano-sarracena, minha Renata, e nela verá que o amor leva de roldão todas as estipulações judaicas de sua filosofia. Sim, Renata, tua carta pesa-me sobre o coração, tu me emburguesaste a vida. Preciso eu acaso de manhãs? Não sou eternamente senhora desse leão que substitui seus rugidos por suspiros humildes e religiosos? Oh! Quanto não deve ele ter rugido no seu covil da rue Hillerin-Bertin! Sei onde ele mora, tenho seu cartão de visita: F. , Barão de Macumer. Tornou-me qualquer resposta impossível, nada me resta senão atirar-lhe ao rosto duas camélias. Que ciência infernal possui o amor puro, verdadeiro, ingênuo! Eis, pois, o que há de mais elevado para o coração de uma mulher, reduzido a uma ação simples e fácil. Oh! A Ásia! Li as Mil e uma noites, é esse o seu espírito: duas flores, e tudo está dito. Atravessamos os catorze volumes de Clarissa Harlowe com um ramo. Retorço-me ante essa carta como uma corda no fogo. Leva ou não leva tuas duas camélias. Sim ou não, mata ou dá vida! Enfim, grita-me uma voz: “Experimenta-o!”. Vou experimentá-lo.






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Honoré de Balzac (Tours, 20 de maio de 1799 — Paris, 18 de agosto de 1850) foi um produtivo escritor francês, notável por suas agudas observações psicológicas. É considerado o fundador do Realismo na literatura moderna.[1][2] Sua magnum opus, A Comédia Humana, consiste de 95 romances, novelas e contos que procuram retratar todos os níveis da sociedade francesa da época, em particular a florescente burguesia após a queda de Napoleão Bonaparte em 1815.

Entre seus romances mais famosos destacam-se A Mulher de Trinta Anos (1831-32), Eugènie Grandet (1833), O Pai Goriot (1834), O Lírio do Vale (1835), As Ilusões Perdidas (1839), A Prima Bette (1846) e O Primo Pons (1847). Desde Le Dernier Chouan (1829), que depois se transformaria em Les Chouans (1829, na tradução brasileira A Bretanha), Balzac denunciou ou abordou os problemas do dinheiro, da usura, da hipocrisia familiar, da constituição dos verdadeiros poderes na França liberal burguesa e, ainda que o meio operário não apareça diretamente em suas obras, discorreu sobre fenômenos sociais a partir da pintura dos ambientes rurais, como em Os Camponeses, de 1844.[1] Além de romances, escreveu também "estudos filosóficos" (como A Procura do Absoluto, 1834) e estudos analíticos (como a Fisiologia do Casamento, que causou escândalo ao ser publicado em 1829).

Balzac tinha uma enorme capacidade de trabalho, usada sobretudo para cobrir as dívidas que acumulava.[1] De certo modo, suas despesas foram a razão pela qual, desde 1832 até sua morte, se dedicou incansavelmente à literatura. Sua extensa obra influenciou nomes como Proust, Zola, Dickens, Dostoyevsky, Flaubert, Henry James, Machado de Assis, Castelo Branco e Ítalo Calvino, e é constantemente adaptada para o cinema. Participante da vida mundana parisiense, teve vários relacionamentos, entre eles um célebre caso amoroso, desde 1832, com a polonesa Ewelina Hańska, com quem veio a se casar pouco antes de morrer.


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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Balzac, Honoré de, 1799-1850. 
          A comédia humana: estudos de costumes: cenas da vida privada / Honoré de Balzac;                            orientação, introduções e notas de Paulo Rónai; tradução de Vidal de Oliveira; 3. ed. – São                  Paulo: Globo, 2012. 

          (A comédia humana; v. 1) Título original: La comédie humaine ISBN 978-85-250-5333-1                    0.000 kb; ePUB 

1. Romance francês i. Rónai, Paulo. ii. Título. iii. Série. 

12-13086                                                                               cdd-843 

Índices para catálogo sistemático: 
1. Romances: Literatura francesa 843

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Leia também:

Honoré Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada - Ao "Chat-Qui-Pelote" (1)
Honoré Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (01)
Honoré Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (07)
Honoré Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (1)
Honoré Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (1a)
Honoré Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (2)
Honoré Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (3)
Honoré Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (4)
Honoré Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (5)
Honoré Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (6)
Honoré Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (7)
Honoré Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (8)
Honoré Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (9)
Honoré Balzac - A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (10)
Honoré Balzac - A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (11)
Honoré Balzac - A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (12)
Honoré Balzac - A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (12b)
Honoré Balzac - A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (13)
Honoré Balzac - A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (14)
Honoré Balzac - A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (16)

Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 11 — A Garrafa de Porto

Edgar Allan Poe - Contos




Aventuras de Arthur Gordon Pym 
Título original: Narrative of A. G. Pym 
Publicado em 1837





11 — A Garrafa de Porto





Passamos o resto do dia num estado de letargia estúpida, sempre a olhar para o navio, até que as trevas, ocultando-o da nossa vista, nos fizeram, de certo modo, cair em nós. Então, a agonia da fome e da sede voltou, absorvendo todas as outras preocupações e considerações. Contudo, nada podíamos fazer até de manhã e, instalando-nos o melhor possível, esforçamo-nos por recuperar um pouco. Pela minha parte, consegui-o, para além do que esperava, e dormi até ao nascer do dia, quando os meus camaradas, que tinham sido menos favorecidos do que eu, me acordaram para recomeçarmos as tristes tentativas na despensa.

Tudo estava completamente calmo, com o mar mais sereno que jamais vi, enquanto a temperatura estava quente e agradável. O brigue fatal desaparecera no horizonte. Começamos as operações por arrancar, com bastante dificuldade, outra cadeia do traquete; uma vez as duas presas aos pés de Peters, tentou mais uma vez chegar à porta da despensa, pensando que talvez a conseguisse forçar, desde que lá chegasse em menos tempo, o que tinha esperança que acontecesse, pois a carcaça do navio estava em melhor posição do que antes.

Na verdade, conseguiu chegar muito depressa à porta e, aí, soltando um dos pesos dos tornozelos, utilizou-o para a forçar; mas todos os seus esforços foram vãos, porque o madeiramento era muito mais resistente do que ele pensava. Estava completamente esgotado por aquela longa permanência debaixo de água e era indispensável que um de nós o substituísse. Parker ofereceu-se imediatamente para o serviço, mas, depois de três viagens infrutíferas, nem sequer tinha conseguido chegar até à porta. O estado deplorável do braço de Augusto, tornava-o incapaz para qualquer tentativa, pois, mesmo que conseguisse chegar à porta, não teria força para a arrombar; portanto, era a mim que me incumbia agora usar todas as minhas forças para salvar a comunidade.

Peters tinha deixado uma das cadeias na passagem e eu vi, assim que mergulhei, que não tinha peso suficiente para me manter em pé debaixo de água. Assim, resolvi que a minha primeira viagem, seria apenas para encontrar o outro peso. Com este objetivo, tateava o chão do corredor, quando senti algo duro, que apanhei imediatamente, nem tendo tempo para verificar de que se tratava; depois voltei-me e subi à superfície. A minha descoberta era uma garrafa e podem imaginar a nossa alegria ao verificarmos que estava cheia de Vinho do Porto. Demos graças a Deus por aquele consolo e socorro tão oportuno, depois do que, com o meu canivete, tiramos a rolha e bebemos cada um um gole, sentindo-nos espantosamente reconfortados e como que inundados de calor, de forças e de ânimo. Voltamos a rolhar a garrafa com todo o cuidado e, com a ajuda de um lenço, amarramo-la de forma que não se partisse.

Descansei um pouco, após esta feliz descoberta, e voltei a descer, recuperando a cadeia, com a qual subi imediatamente. Depois de a ter amarrado a um pé, desci pela terceira vez apenas para verificar que nunca conseguiria arrombar a porta da despensa. Subi desolado.

Decididamente, era preciso renunciar a todas as esperanças e vi nas fisionomias dos meus camaradas que se tinham resignado a morrer. O vinho tinha-lhes provocado uma espécie de delírio, do qual eu me livrara, talvez, devido à minha última imersão. Falavam de forma incoerente e de assuntos que nada tinham a ver com a nossa situação: Peters enchia-me de perguntas sobre Nantucket, enquanto Augusto, aproximando-se de mim com um ar muito sério, me pedia que lhe emprestasse um pente, pois, segundo dizia, tinha os cabelos cheios de escamas e desejava limpá-los antes de desembarcar. Parker parecia um pouco menos afetado e insistia para que eu tornasse a descer e lhe trouxesse o primeiro objete que apanhasse. Aceitei e, logo à primeira tentativa, depois de cerca de um minuto debaixo de água, subi com uma pequena mala de couro que pertencia ao capitão Barnard. Abrimo-la imediatamente, com a débil esperança que contivesse algo que se comesse ou bebesse; mas apenas lá encontramos uma caixa com navalhas de barba e duas camisas de linho. Tornei a mergulhar, mas subi sem nada. Quando a minha cabeça saía da água, ouvi o barulho de qualquer coisa a partir-se na coberta e, ao subir, vi que os meus companheiros de infortúnio se tinham ignobilmente aproveitado da minha ausência para beber o resto do vinho e que tinham deixado cair a garrafa, na precipitação de a reporem no lugar antes da minha chegada. Fiz-lhes notar a sua falta de coração e Augusto desatou a chorar. Os outros dois tentaram rir e dar ao caso um ar de brincadeira, mas espero nunca mais ver um riso assim, pois as convulsões dos seus rostos eram completamente horríveis. Era evidente que a excitação provocada nos seus estômagos vazios, originara um efeito violento e instantâneo e que estavam muito embriagados. Só a muito custo, consegui que se deitassem, caindo logo a seguir num sono profundo acompanhado de um sonoro ressonar.

Encontrei-me então sozinho no brigue, por assim dizer, e os meus pensamentos eram da natureza mais terrível e sinistra. A única perspetiva que se me apresentava era morrer de fome lentamente ou, vendo as coisas pelo melhor, ser tragado pela primeira tempestade que se levantasse, porque não podíamos acalentar qualquer esperança de, no nosso estado de fraqueza, sobreviver a outra.

A fome torturante que sentia era quase insuportável e sentia-me capaz de fazer os maiores extremos para a apaziguar. Com o meu canivete cortei um pedaço de couro da mala e tentei comê-lo, mas foi-me completamente impossível engolir o mínimo bocado que fosse. No entanto, parecia-me que mascar pequenos fragmentos de couro me aliviava um pouco o sofrimento. Perto da noite, os meus companheiros acordaram um a um e todos num estado de fraqueza e de horror indescritível, causado pelo vinho, cujos vapores já se tinham evaporado. Tremiam, como se estivessem atacados por uma febre violenta, e imploravam água soltando gritos lancinantes. O seu estado comovia-me muito e não podia deixar de me regozijar pelo feliz acidente que me tinha impedido de me tentar pelo vinho, poupando-me assim àquelas sinistras e aflitivas sensações. Além disso, a sua conduta alarmava-me e causava-me grande inquietação, porque era evidente que, a menos que o seu estado melhorasse, não me poderiam prestar qualquer assistência na nossa salvação comum. Ainda não tinha desistido da ideia de trazer mais qualquer coisa do camarote, mas só podia recomeçar com as tentativas se um deles estivesse suficientemente lúcido para segurar a corda enquanto eu descia. Parker parecia um pouco melhor do que os outros e esforcei-me por o reanimar por todos os meios possíveis. Lembrando-me que talvez um banho de mar tivesse um efeito positivo, atei-lhe uma corda à volta do corpo e depois, conduzindo-o até à escada do camarote, sempre inerte e passivo, empurrei-o para a água e retirei-o imediatamente. Tive ocasião para me felicitar pela experiência, porque ele pareceu recuperar a vida e a força e, ao subir, perguntou-me com um ar perfeitamente normal, qual era o motivo por que o tratava daquela maneira. Quando lhe expliquei os meus objetivos, agradeceu-me muito e disse-me que se sentia muito melhor depois do banho; depois falou sensatamente da nossa situação. Resolvemos então aplicar o mesmo tratamento a Augusto e Peters, o que fizemos a seguir, provocando nos dois um alívio enorme. Esta ideia da imersão súbita fora-me sugerida por qualquer velha leitura de caráter médico sobre os efeitos da aspersão e do duche nos casos em que o doente sofre de delirium tremens.

Vendo que podia novamente confiar nos meus camaradas para segurarem na corda, mergulhei mais três ou quatro vezes no camarote, embora já fosse noite e uma ondulação bastante suave, mas alta, vinda do norte, fizesse balouçar um pouco o nosso batelão. Durante estas tentativas consegui trazer duas grandes facas de cozinha, um cântaro com capacidade de três galões, mas vazio, e uma manta, mas nada que servisse para nos mitigar a fome. Depois de ter encontrado estes objetos continuei os meus esforços até estar completamente esgotado, mas não encontrei mais nada. Durante a noite, Parker e Peters revezaram-se na mesma tarefa, mas nada apanharam e, convencidos que nos estávamos a esgotar em vão, abandonamos aquela empresa com desespero.

Passamos o resto da noite na mais terrível angústia moral e física que podem imaginar. A manhã do dia 16 chegou por fim e os nossos olhos sondaram todos os pontos do horizonte com avidez, à procura de socorro, mas em vão. O mar continuava tranquilo, mas com ondas grandes de norte, como na véspera. Há seis dias que não comíamos nem bebíamos nada, exceto a garrafa de Porto, e era evidente que não poderíamos resistir muito mais tempo, a não ser que encontrássemos alguma coisa. Nunca vi, e espero não vir a ver, seres humanos tão macilentos como Peters e Augusto. Se os encontrasse em terra no estado em que se encontravam agora, nem suspeitaria que os conhecia. As suas fisionomias tinham-se alterado completamente, e eu só a muito custo reconhecia neles os indivíduos que me acompanhavam dias antes. Parker, embora extremamente magro e tão fraco que mal podia levantar a cabeça, não estava tão acabado como os outros dois. Sofria com grande paciência, nunca se queixava e tentava incutir-nos a esperança por todos os meios que conseguia inventar. Quanto a mim, embora tivesse estado doente no início da viagem e fosse de constituição fraca, era o que sofria menos; não estava tão magro e conservara num grau surpreendente as minhas capacidades mentais, enquanto os outros estavam completamente abatidos e pareciam ter caído numa segunda infância fazendo gestos tolos, como os idiotas, e dizendo os mais absurdos disparates. No entanto, de vez em quando, pareciam reviver bruscamente, como que inspirados pela consciência da sua situação. Então punham-se em pé, de um salto, como que impulsionados por acesso momentâneo de vigor e falavam dos problemas de uma maneira perfeitamente racional, mas cheia do mais profundo desespero. É possível que os meus camaradas tenham tido do seu estado a mesma opinião que eu tinha do meu, e que eu me tenha tornado involuntariamente culpado das mesmas extravagâncias e das mesmas imbecilidades, mas isso é uma questão que me é impossível verificar.

Por volta do meio-dia, Parker declarou que via terra do lado de bombordo e tive a maior dificuldade para o impedir de se deitar à água para a alcançar a nado. Peters e Augusto não prestaram grande atenção ao que ele dizia, parecendo os dois absorvidos numa sombria contemplação. Olhando na mesma direção, foi-me impossível distinguir qualquer coisa que se parecesse com terra; aliás sabia perfeitamente que estávamos longe de qualquer terra para sentir uma esperança dessa natureza. Assim, demorei muito tempo a convencer Parker do seu engano. Desatou então a chorar como uma criança com grandes gritos e soluços, durante duas ou três horas; por fim, esgotado pela fadiga e pelo desespero, adormeceu.

Peters e Augusto fizeram então algumas tentativas infrutíferas para mascarem pedaços de couro. Aconselhei-os a mascarem o couro e a deitá-lo fora, mas estavam demasiado cansados para seguirem o meu conselho. Porém, eu continuei a mascar alguns pedaços de vez em quando e senti algum alívio, mas o meu grande sofrimento era provocado pela falta de água e só resisti ao desejo de beber água do mar lembrando-me das terríveis consequências que daí resultaram para outros indivíduos em idênticas circunstâncias.

O dia decorria desta forma, quando, de repente, avistei uma vela a Este, na direção da nossa proa, do costado de bombordo. Parecia-me ser um grande navio, navegando na nossa direção e a uma distância de doze ou quinze milhas. Nenhum dos meus companheiros o tinha ainda visto e evitei dizer-lhes imediatamente, receando que, mais uma vez, as nossas esperanças fossem vãs. À medida que se aproximava, vi nitidamente que tinha a proa na nossa direção e as velas pequenas abertas. Não me pude conter por mais tempo e mostrei-o aos meus companheiros de infortúnio. Levantaram-se de um salto, entregando-se de novo às mais extravagantes demonstrações de alegria, chorando e rindo como os idiotas, saltando e batendo com os pés na coberta, arrancando os cabelos, rezando e blasfemando alternadamente. Estava tão influenciado pela sua conduta, assim como pela perspetive de salvação, que já considerava certa, que não resisti a juntar-me a eles, a participar nas suas loucuras e a dar plena liberdade a todas as explosões da minha alegria e felicidade, espojando-me e rolando pela coberta, batendo palmas, gritando e fazendo outras infantilidades semelhantes, até que voltei a mim e caindo no mais extremo desespero e miséria humana, ao ver que o navio nos apresentava a ré e navegava numa direção totalmente oposta à que o vira seguir de início.

Demorei algum tempo a explicar a nossa nova infelicidade aos meus nobres camaradas. Respondiam a tudo o que eu dizia com olhares fixos e gestos que significavam que não se brinca com coisas sérias. Foi a conduta de Augusto que mais me impressionou, pois, apesar de tudo o que lhe disse para o convencer, persistia em afirmar que o navio se aproximava a toda a velocidade na nossa direção e em fazer preparativos para subir a bordo. Apontava algumas algas que flutuavam ao longo do brigue, afirmando que era uma embarcação do navio, chegando a esforçar-se para saltar para ela, urrando e gritando de maneira confrangedora; por fim fui obrigado a usar a força para o impedir de se atirar ao mar.

Quando nos recuperamos um pouco, da nossa emoção, continuamos a olhar o navio até que o perdemos finalmente de vista, pois o céu encobriu-se e levantou-se uma pequena brisa. Quando desapareceu completamente, Parker voltou-se, de repente, para mim com uma tal expressão no rosto que senti um calafrio. Tinha um ar tranquilo e um sangue-frio que nunca tinha notado nele e, antes que abrisse a boca, tive um pressentimento do que ia dizer. Propôs-me, em poucas palavras, o sacrifício de um de nós para salvação dos outros.





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Edgar Allan Poe (nascido Edgar Poe; Boston, Massachusetts, Estados Unidos, 19 de Janeiro de 1809 — Baltimore, Maryland, Estados Unidos, 7 de Outubro de 1849) foi um autor, poeta, editor e crítico literário estadunidense, integrante do movimento romântico estadunidense. Conhecido por suas histórias que envolvem o mistério e o macabro, Poe foi um dos primeiros escritores americanos de contos e é geralmente considerado o inventor do gênero ficção policial, também recebendo crédito por sua contribuição ao emergente gênero de ficção científica. Ele foi o primeiro escritor americano conhecido por tentar ganhar a vida através da escrita por si só, resultando em uma vida e carreira financeiramente difíceis.

Ele nasceu como Edgar Poe, em Boston, Massachusetts; quando jovem, ficou órfão de mãe, que morreu pouco depois de seu pai abandonar a família. Poe foi acolhido por Francis Allan e o seu marido John Allan, de Richmond, Virginia, mas nunca foi formalmente adotado. Ele frequentou a Universidade da Virgínia por um semestre, passando a maior parte do tempo entre bebidas e mulheres. Nesse período, teve uma séria discussão com seu pai adotivo e fugiu de casa para se alistar nas forças armadas, onde serviu durante dois anos antes de ser dispensado. Depois de falhar como cadete em West Point, deixou a sua família adotiva. Sua carreira começou humildemente com a publicação de uma coleção anônima de poemas, Tamerlane and Other Poems (1827).

Poe mudou seu foco para a prosa e passou os próximos anos trabalhando para revistas e jornais, tornando-se conhecido por seu próprio estilo de crítica literária. Seu trabalho o obrigou a se mudar para diversas cidades, incluindo Baltimore, Filadélfia e Nova Iorque. Em Baltimore, casou-se com Virginia Clemm, sua prima de 13 anos de idade. Em 1845, Poe publicou seu poema The Raven, foi um sucesso instantâneo. Sua esposa morreu de tuberculose dois anos após a publicação. Ele começou a planejar a criação de seu próprio jornal, The Penn (posteriormente renomeado para The Stylus), porém, em 7 de outubro de 1849, aos 40 anos, morreu antes que pudesse ser produzido. A causa de sua morte é desconhecida e foi por diversas vezes atribuída ao álcool, congestão cerebral, cólera, drogas, doenças cardiovasculares, raiva, suicídio, tuberculose entre outros agentes.

Poe e suas obras influenciaram a literatura nos Estados Unidos e ao redor do mundo, bem como em campos especializados, tais como a cosmologia e a criptografia. Poe e seu trabalho aparecem ao longo da cultura popular na literatura, música, filmes e televisão. Várias de suas casas são dedicadas como museus atualmente.


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Edgar Allan Poe

CONTOS

Originalmente publicados entre 1831 e 1849 



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Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XX - Se as fortalezas e muitas outras coisas... são úteis ou não

O PRÍNCIPE

Maquiavel


AO MAGNÍFICO LORENZO DE MEDICI NICOLÓ MACHIAVELLI






CAPÍTULO XX



SE AS FORTALEZAS E MUITAS OUTRAS COISAS QUE A CADA DIA SÃO FEITAS PELOS PRÍNCIPES SÃO ÚTEIS OU NÃO

(AN ARCES ET MULTA ALIA QUAE COTIDIE A PRINCIPIBUS FIUNT UTILIA AN INUTILIA SINT)




Para conservar seguramente o Estado, alguns príncipes desarmaram os seus súditos, outros mantiveram divididas as terras submetidas, alguns nutriram inimizades contra si mesmos, outros dedicaram-se a conquistar o apoio daqueles que lhes eram suspeitos no início de seu governo, alguns construíram fortalezas, outros as arruinaram e destruíram. E, se bem não seja possível estabelecer determinado juízo sobre todas essas coisas sem entrar nas particularidades de cada um dos Estados onde devesse ser tomada alguma dessas deliberações, falarei de maneira genérica, compatível com o assunto.

Jamais existiu um príncipe novo que desarmasse os seus súditos, mas, antes, sempre que os encontrou desarmados, armou-os; isto porque, armando-os, essas armas passam a ser tuas, tornam fiéis aqueles que te são suspeitos, os que eram fiéis assim se conservam e de súditos tornam-se teus partidários. E, porque não se pode armar todos os súditos, beneficiados aqueles que armas, com os outros podes tratar mais seguramente; essa diversidade de tratamento que reconhecem em seu favor os torna obrigados para contigo e os outros desculpar-te-ão, julgando ser necessário tenham aqueles mais recompensas por estarem sujeitos a maiores perigos e maiores obrigações. Mas quando os desarmas, começas a ofendê-los, mostras deles duvidar, ou por vileza ou por desconfiança uma ou outra destas opiniões concebe ódio contra ti. E, por não poderes ficar desarmado, torna-se necessário que te voltes à milícia mercenária, que é daquela qualidade que já foi dita e, quando fosse boa, não poderia sê-lo por forma a defender-te dos inimigos poderosos e dos súditos suspeitos.

Porém, como disse, um príncipe novo num principado também novo, sempre organizou as forças armadas e destes exemplos a história está repleta. Mas, quando um príncipe conquista um novo Estado que, como membro, se agrega ao antigo, então é necessário desarmar o conquistado, salvo aqueles que, nele, foram teus partidários na conquista; estes mesmos, com o tempo e a oportunidade, devem ser tornados amolecidos e efeminados, procedendo-se de modo que as armas fiquem somente em poder de teus próprios soldados, daqueles que, no Estado antigo, estavam junto de ti.

Os nossos antepassados e aqueles que eram considerados entendidos costumavam dizer que Pistóia precisava ser mantida pela divisão do povo e Pisa pelas fortalezas; e, por isso mesmo, em algumas regiões por eles conquistadas, mantinham as discórdias entre os partidos para dominá-las mais facilmente. Isto, naqueles tempos em que a Itália apresentava certo equilíbrio, devia ser útil. Mas não creio se possa admitir tal como preceito hodierno, eis que não acredito pudessem as divisões, alguma vez, acarretar qualquer benefício; ao contrário, quando o inimigo se avizinha, as cidades divididas, necessariamente, perdem-se logo, eis que sempre a parte mais fraca aderirá às forças externas e a outra não poderá resistir.

Os venezianos, levados pelas razões acima mencionadas segundo acredito, incentivavam as facções guelfas e gibelinas nas cidades a eles submetidas; e, se bem nunca as deixassem chegar à luta, alimentavam entre elas essas divergências para que, ocupados os cidadãos naquelas suas diferenças, não se unissem contra eles. Isso, como se viu, não lhes aproveitou porque, derrotados em Vailá, logo algumas daquelas cidades passaram a se insurgir e lhes tomaram todo o Estado. Tais atitudes revelam fraqueza do príncipe, eis que em um principado poderoso jamais serão permitidas semelhantes divisões, úteis somente em tempo de paz, eis que por elas pode-se mais facilmente manejar os súditos; mas, sobrevindo a guerra, tal sistema demonstra sua falácia.

Sem dúvida alguma, os príncipes se tornam grandes quando superam as dificuldades e as oposições que lhes são antepostas; porém a fortuna, principalmente quando quer tornar grande um príncipe novo, que tem mais necessidade de adquirir reputação do que um hereditário, o faz nascer dos inimigos e determina que lhe sejam opostos embaraços, a fim de que ele tenha oportunidade de superá-los e, assim, possa subir mais alto pela escada que os inimigos lhe oferecem, Por isso, muitos pensam que um príncipe hábil deve, quando tenha ocasião, incentivar com astúcia alguma inimizade para, eliminada esta, continuar a ascensão de sua grandeza.

Os príncipes, particularmente aqueles que são novos, têm encontrado mais lealdade e maior utilidade nos homens que no início de seu governo foram considerados suspeitos, do que nos que inicialmente eram seus confidentes. Pandolfo Petrucci, príncipe de Siena, dirigia o seu Estado mais com aqueles que lhe foram suspeitos do que com os que não o foram. Mas deste assunto não é possível falar em caráter genérico, pois o mesmo varia segundo cada caso. Somente direi isto: os homens que no início de um principado haviam sido inimigos, sendo de condição que para manter-se precisam de apoio, o príncipe poderá sempre com grande facilidade vir a conquistá-los; e eles tanto mais são forçados a servi-lo com lealdade, quanto reconheçam ser-lhes necessário cancelar com obras aquela má opinião que, a seu respeito, se fazia. Assim, o príncipe deles obtém sempre maior utilidade do que daqueles que, servindo-o com excessiva segurança, descuram de seus interesses.

Já que o assunto torna oportuno, não quero deixar de recordar aos príncipes que tomaram um Estado novo pelo favor de alguns dos habitantes do mesmo deverem considerar bem qual a razão que determinou assim agissem os que o favoreceram; se a mesma não é afeição natural em relação a eles mas sim, se o apoio decorreu do fato dos mesmos não estarem satisfeitos com o Estado anterior, só com fadiga e grande dificuldade se poderá conservá-los amigos, dado que é quase impossível possam vir a ser contentados. E, considerando bem os exemplos que se extraem das coisas antigas e modernas, em razão disso, ver-se-á ser muito mais fácil ao príncipe tornar amigos aqueles homens que se contentavam com o regime antigo e, portanto, eram seus inimigos, que aqueles que, por descontentes, fizeram-se seus amigos e o favoreceram na conquista.

Tem sido costume dos príncipes, para poder manter seu Estado mais seguramente, edificar fortalezas que sejam a brida e o freio postos aos que desejassem enfrentá-los, bem como um refúgio seguro contra um ataque de surpresa. Eu louvo esse proceder, porque usado desde tempos remotos; não obstante messer Nicoló Vitelli, nos tempos atuais, destruiu duas fortalezas na Cidade de Castelo para, assim, conservar o Estado. Guido Ubaldo, Duque de Urbino, tendo retornado ao seu domínio de que havia sido expulso por César Bórgia, destruiu desde os alicerces todas as fortalezas daquela província, por entender que sem aquelas seria mais difícil perder novamente seu Estado. Os Bentivoglio, retornados a Bolonha, usaram igual expediente. Portanto, as fortalezas são úteis ou não, segundo os tempos; se te fazem bem por um lado, prejudicam-te por outro. Pode-se explicar esta afirmativa pela forma a seguir exposta.

O príncipe que tiver mais temor de seu povo do que dos estrangeiros, deve construir as fortalezas; mas aquele que sentir mais medo dos estrangeiros que de seu povo, deve abandoná-las. O castelo de Milão, edificado por Francisco Sforza, fez e fará mais guerra à casa dos Sforza do que qualquer outra desordem naquele Estado. Por isso, a melhor fortaleza que possa existir é o não ser odiado pelo povo: mesmo que tenham fortificações elas de nada valem se o povo te odeia, eis que a este, quando tome das armas, nunca faltam estrangeiros que o socorram. Nos nossos tempos vê-se que as fortalezas não têm sido proveitosas a príncipe algum, senão à Condessa de Forli quando foi morto o Conde Girolamo, seu esposo, eis que a mesma, refugiando-se numa fortificação, pode fugir ao ímpeto popular, esperar pelo socorro de Milão e recuperar o Estado; ademais, as circunstâncias eram tais que o estrangeiro não podia socorrer o povo. Depois, também para ela pouco valeram as fortalezas quando César Bórgia a atacou e o povo, seu inimigo, aliou-se ao estrangeiro. Portanto, teria sido mais seguro para ela, quer então, quer antes, não ser odiada pelo povo do que possuir fortalezas. Consideradas assim todas estas questões, louvarei tanto os que fizerem como os que não fizerem as fortalezas e censurarei aquele que, fiando-se nas fortificações, venha a subestimar o fato de ser odiado pelo povo.






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Brevíssima biografia de Nicolau Maquiavel

Nicolau Maquiavel
Filósofo político e escritor italiano
Por Dilva Frazão



Nicolau Maquiavel (1469-1527) foi um filósofo político, historiador, diplomata e escritor italiano, autor da obra-prima "O Príncipe". Foi profundo conhecedor da política da época, estudou-a em suas diferentes obras. Viveu durante o governo de Lourenço de Médici. Realista e patriota definiu os meios para erguer a Itália.

Nicolau Maquiavel nasceu em Florença, Itália, no dia 3 de maio de 1469. Sua família de origem Toscana participou dos cargos públicos por mais de três séculos. Filho de Bernardo Maquiavel, jurista e tesoureiro da província de Marca de Ancona e de Bartolomea Nelli, que era ligada às mais ilustres família de Florença.

Interessado pelos problemas de seu tempo, Maquiavel participou ativamente da política de Florença. Com 29 anos, tornou-se secretário da Segunda Chancelaria durante o governo de Piero Soderim. Tinha a seu cargo questões militares de ordem interna como a redação de documentos oficiais. Ocasionalmente, realizou missões diplomáticas envolvendo a França, Alemanha, os Estados papais e diversas cidades italianas, como Milão, Pisa e Veneza...

... A obra “O Príncipe”, escrita por Maquiavel em 1513, e publicada postumamente em 1532, se transformou em sua obra-prima. O livro, um manual sobre a arte de governar, foi inspirado no estilo político de César Bórgia um dos mais ambiciosos comandantes italianos, que ficou conhecido por seu poder e atrocidades que cometeu para conseguir o que queria. Maquiavel viu nele o modelo para os demais governantes da época.

A obra revela a preocupação de Maquiavel com o momento histórico da Itália, fragilizada pela falta de unidade nacional e alvo de invasões e intrigas diplomáticas. Indignado com a decadência política e moral da Itália, o autor dirige conselhos a um príncipe imaginário, com o único objetivo de unificar a Itália e criar uma nação moderna e poderosa.

Para Maquiavel, o importante era realizar o desejo projetado, mesmo sob qualquer forma de governo – monarquia ou república, e por qualquer meio, inclusive a violência. Considerava os fatores morais, religiosos e econômicos, que operavam na sociedade como forças que um governante hábil poderia e deveria utilizar para construir um estado nacional forte. Assim, o príncipe com seu exército nacional que substituísse as precárias forças mercenárias, deveria ser capaz de estender seu domínio sobre todas as cidades italianas, acabando com a discórdia.


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Leia também:

Maquiavel - O Príncipe: Capítulos I e II e resenha crítica
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos II Dos Principados Mistos
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos III Dos Principados Mistos (conclusão)
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos IV Por Que o Reino de Dario, Ocupado por Alexandre, Não se Rebelou...
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos V - De que modo se deve governar as cidades...
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos VI - Dos Principados novos que se conquistam com as armas...
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos VII - Dos Principados novos que se conquistam com as armas e fortuna...
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos VII - Dos Principados novos que se conquistam com as armas e fortuna...(2)
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos VIII - Dos que chegaram ao Principado por Meio de Crimes
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos IX - Do Principado Civil
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos X - Como se deve medir as forças de todos os Principados
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XI - Dos Principados Eclesiásticos
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XII - De Quantas Espécies São as Milícias, e dos Soldados Mercenários
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XIII - Dos Soldados Auxiliares, Mistos e Próprios
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XIV - O Que Compete a Um Príncipe Acerca da Milícia (Tropa)
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XV - Daquelas coisas pelas quais os homens, e especialmente os príncipes, são louvados ou vituperados
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XVI - Da Liberalidade e da Parcimônia
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XVII - Da Crueldade e da Piedade
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XVIII - De que modo os príncipes devem manter a fé da palavra dada
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XIX - De como se deva evitar o ser desprezado e odiado
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