sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Memórias Póstumas de Brás Cubas: Confidência

Machado de Assis





CAPÍTULO LVIII / Confidência




Lobo Neves, a princípio, metia-me grandes sustos. Pura ilusão! Como adorasse a mulher, não se vexava de mo dizer muitas vezes; achava que Virgília era a perfeição mesma, um conjunto de qualidades sólidas e finas, amorável, elegante, austera, um modelo. E a confiança não parava aí. De fresta que era, chegou à porta escancarada. Um dia confessou-me que trazia uma triste carcoma na existência; faltava-lhe a glória pública. Animei-o; disse-lhe muitas coisas bonitas, que ele ouviu com aquela unção religiosa de um desejo que não quer acabar de morrer; então compreendi que a ambição dele andava cansada de bater as asas, sem poder abrir o voo. Dias depois disse-me todos os seus tédios e desfalecimentos, as amarguras engolidas, as raivas sopitadas; contou-me que a vida política era um tecido de invejas, despeitos, intrigas, perfídias, interesses, vaidades. Evidentemente havia aí uma crise de melancolia; tratei de combatê-la. 

— Sei o que lhe digo, replicou-me com tristeza. Não pode imaginar o que tenho passado. Entrei na política por gosto, por família, por ambição, e um pouco por vaidade. Já vê que reuni em mim só todos os motivos que levam o homem à vida pública; faltou-me só o interesse de outra natureza. Vira o teatro pelo lado da plateia; e, palavra, que era bonito! Soberbo cenário, vida, movimento e graça na representação. Escriturei-me; deram-me um papel que... Mas para que o estou a fatigar com isto? Deixe-me ficar com as minhas amofinações. Creia que tenho passado horas e dias... Não há constância de sentimentos, não há gratidão, não há nada... nada... nada... 

Calou-se profundamente abatido, com os olhos no ar, parecendo não ouvir coisa nenhuma, a não ser o eco de seus próprios pensamentos. Após alguns instantes, ergueu-se e estendeu-me a mão: 

— O senhor há de rir-se de mim, disse ele; mas desculpe aquele desabafo; tinha um negócio, que me mordia o espírito. E ria, de um jeito sombrio e triste; depois pediu-me que não referisse a ninguém o que se passara entrenós; ponderei-lhe que a rigor não se passara nada. Entraram dois deputados e um chefe político da paróquia. Lobo Neves recebeu-os com alegria, a princípio um tanto postiça, mas logo depois natural. No fim de meia hora, ninguém diria que ele não era o mais afortunado dos homens; conversava, chasqueava, e ria, e riam todos.




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Texto-fonte: 
Obra Completa, Machado de Assis, 
Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994. 


Publicado originalmente em folhetins, a partir de março de 1880, na Revista Brasileira.


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tudo pode acontecê quando o medo ressuscita a natureza escondida das pessoa: a atração pelo mau-oiado

tudo pode assustá


a villa parecia sê marcada com gente qui gosta de se vingá de quem num tá junto: quem num tá junto só pode tá contra, se tá contra num pode tá junto: é inimigo e precisa recebe mau-oiado. o pensamento é simples, quem tá dum lado num pode tá dotro lado, sê tá qui fique lá; ou mais pió, é bão aprendê tê raiva dotro lado qui num tá do mesmo lado ou vai se daná. parece fácil resolvê esse retrato do pensamento, lado contra lado, mais num é, quase nada tem só dois lado; isso mesmo, quase... pruqui o lado das pessoa rica num é o mesmo lado das pessoa mendiga, nem o lado das pessoa qui qué sê rica é o mesmo lado das pessoa mendiga. num basta num querê sê mendiga, o lado da riqueza e o lado da pobreza separa as pessoa, queria podê vê diferente, mais num consigo vê meió qui vejo; o rico é feliz pruqui brilha e tem o pobre pra se serví; o pobre, na sua veiz, se alegra só de vivê e podê saí do porão abafado pra serví aquele qui se serve dele



num é fácil mudá isso, tudo pode assustá

a rua subia do rio inté as casa do lugá mais alto; lá embaixo, vivia os vulto assombração, arrastado nas sola das bota dos rico, pra lá e cá, tudo na frontêra da lei e das ordem; nas casa de madêra qui podia sê pensão, boteco, padaria, comércio de comida e bebida, vivia os esmagado pelo chão das lei e arrumação da posição de cada um inté o lugá mais alto

naquela rua, o sol batia na metade do dia, depois ele ia descê pra tráis da curva do rio, sempre do mesmo feitio avermeiado, era quando o chêro de podre e cachaça subia ladêra pra cima. a algazarra tagarelada dos dia se aproximava das casa, lá do alto, isso incomodava os rico do alto, eles vive no alto, pra tê sossego e quietude, longe das umidade de gente suja e espumando qui dorme em qualqué canto e come uqui vem nas mão

as gente do alto se assusta com as gente da várzea, vê, lá do alto, um antro confuso disposto pra toda e qualqué violência mais a doidura pra tê vingança da vida de miséria desajeitada. lá do alto, o andamento da riqueza prefere se serví e reclamá das gente bem da várzea, o caminho da pobreza; na manêra de vê, lá do alto, o pobre é qui maisqué sê pobre

É... pode ser, Maria Clara. Mas agora não estamos acamados. Nós estamos em público e vosmecê é a baronesa Maria Clara, minha esposa. A negrinha Ayomide pode aguardar para fazer sua aparição na desarrumação da cama no quarto de dormir.

Só de dormir?

as cara do barão ficô corada e a voz estancô, tava esperando pelos pensamento da cabeça, num queria misturá as vontade das virilha com os cuidado de juízo, represô as palavra, ele num sabia se tava de uso das ideia ou se tudo qui se passava na cama era alucinação, queria podê dizê qui muntu das lembrança do quarto com as vela apagada era verdade, mais num tinha firmeza pra dizê


Uma baronesa preta e descalça, quanto mais cara ele fazia mais a baronesa retrucava, o barão sabia qui num era bão pra ele seguí aquela discussão como se tudo fosse costumêro, na posição cobiçada qui tinha de guardião das arma da villa, num podia se deixá sê abatido pelos boato nem as alucinação qui a muié mandava mais qui ele nele mesmo, o hôme do casarão, mas com modos de branca para sossegar os curiosos.

ele precisô aceitá qui ela num tava dizendo mentira

É pode ser... uma baronesa negra, ficô pensativo antes de continuá aquela disputa de palavra, mas educada com as melhores mulheres brancas...

Virgi ducéu, quanto despreparo para reconhecer a verdade! Não seria o contrário, sinhô Barão? As melhores mulheres brancas educadas pela baronesa preta?

pela primêra veiz, desde qui o pretu fugitivo foi agarrado, ela quase sorriu, num chegô a tanto, mais foi um pequeno siná de soltura, num foi um riso aberto e rumoroso, mais foi suficiente pra desmanchá a cara de brabeza do barão

Uma baronesa melhor que as brancas, muito melhor...

Mais livre, com certeza. Mesmo que fosse aleijada, o barão oiô com toda atenção e gosto pra baronesa, seu rosto iluminô como a vela ilumina a escuridão, ele acariciava com usóio a muié perfumada e exaltada, mas a baronesa não é aleijada...

Isso é o que o Barão diz, mas entende melhor o significado da palavra escravizado quem foi escravizada, cusóio ele implorava pra ela lhe acompanhá, fugí prum lugá com as liberdade da cama, eu sou uma mulher menos triste quando posso refletir a liberdade. E queria um dia não precisar separar as mulheres pela cor nem pelo tamanho da dor.

Eu também, respondeu o barão, foi sua resposta pronta pra terminá aquela conversa de murmúrio e resmungo, ele num sentia acomodação nehuma de tá assim, nas vista de tudo qui era gente, sendo desconversado pela muié

Sou a esposa que não casou, as vista da baronesa desafiava o barão, havia um chêro de igreja no quêxume dela, tinha medo só de pensá como isso tudo havia de acabá, mas não foi essa a razão desta conversa: entrar na igreja para ofício de casamento; pronto, ela tava de volta no assunto do pretu aprisionado, por que o Barão não quer interceder pelo rapaz? Por que tem tanto medo? Juiz e polícia com medo da lei é o mesmo que fazer parte do linchamento e da injustiça.

uqui é qui existe depois do medo, ele se puruguntô, Mais medo? E depois? Não sei, sentia prazê em vê a baronesa se aproximá dele, ela lhe tirava do medo e lhe colocava deitado na cama morna, namorando com as mão, pedindo cusóio, fervendo as água das loucura devagarzinho, como se tivesse tomando limonada com bolinho frito, ele animado e vivo, desacordando das tarefa do dia, modorrando os pensamento, assistindo ela lhe tirando das roupa, Deve ser horrível sentir medo do medo, ela o levaria rindo sobre as água do medo, era preciso creditá, a voz lhe tremia todo quando respondeu

Vosmecê está louca?

O Barão acha isso mesmo?

queria abraçá a baronesa toda veiz toda enquanto ia contando as novidade da vida na villa, entre as risada divertida, os meió beijo e os assunto sem brabeza, num queria sabê dos assunto qui deixava os dois estranhado, as palavra saindo espetada e atravessada

Não posso fazer intervenção pública em um caso como esse... vai saber o que fez o negrinho...

ela oiô dum jeito novo pra ele, embora tão grande e forte como sempre, ele tava estranho, diferente do barão qui conhecia, o rosto suado, a testa enrugada, ele tava aborrecido, desacomodado é a meió palavra pra explicá aquela estranheza qui ela sentiu. o barão se esquivô daquele feitio de oiá qui ele num desconhecia, era ela mesma, ayomide qui tava ali, e, por mais tolerante qui fosse, num tinha feitio qui podia fazê ela desistí


ele alisava o dorso da mão canhota com o dedão da direita, parecia acostumado com os rompante da baronesa, na verdade, esse seu jeito lhe deixava mais assanhado; o bate-estaca num gemia, mais num via a hora de se colocá à disposição da desarrumação da cama pra cumprí na risca as tarefa de marido na floresta adentro, saltava duma lembrança pra outra, os braço em súplica desesperada, os músculo retesado, o peso do corpo qui subia e descia, sem batida ou violência, os rosto banhado de suô, os desvestido das vestimenta jogada desajeitada no chão, ela com as mão firme nas anca do barão, os dois de lado, ele prudento, enfiado bem fundo, se jogando padrento com paciência, usóio nusóio, os beijo moiado, as língua cada veiz mais assanhada, mais duro, mais bate-estaca, Eu te amo, dizia ele, Não é verdade, eu que te amo, respondia ela, as palavra sussurrada era sempre as mesma, ela montada, ele estremecendo, segurando o desfecho, ela subindo e descendo, ele gemendo, Eu que te amo, ela desafiando, depois desmontando com os beijo inté floresta adentro, o desfecho adiando, ele desvira e desce os seus beijo, num pede nem purugunta se pode, bebe com gosto o gosto da muié deliciada, ela lhe empurra, depois lhe puxa e chama, Vem, ele obedece e se acomoda pudrento dela, inté qui ela avisa qui tá na direção do sol, queimando de febre, delirando e namorando, as liberdade na cama tirava eles da terra, enrodilhados um notro inté ele avisá do seu desfecho de hôme, ela continuava queimando, Não se atreva, não se atreva, num foi atrevimento, apenas passô do ponto qui num tem volta, os gole morno deslizando inté derramá, um surto depois otro, otro e otro, inté ficá modorrando, sonolento, escorregando, saindo, remando pra durumí a sono solto, Dê a sua mão, decretô ela, termine o que começou, muntas veiz já fez assim, a baronesa vinha só, Não veio junto, minha preta, Eu não governo a sua impaciência, vamos... trabalhe, os dedo parecia desajeitado, Devagar, Assim, puruguntô, a resposta foi uma risada divertida, Esfregue, isso... assim... não tão forte... fortinho, as água refluiu na mão do barão, as onda foi subindo inté afogá os dedo desgovernado, Mais... mais... mais... as vista fecha, num lembra mais do barão, só qué as mão, mais... mais.. mais...

ele desviô o oiá na praça, primêro na direção do sol, depois pru otro lado

O que o Barão procura?

os grito na praça lhe enche a cabeça

Alguém está tocando piano...

ela queria tê paciência com aquela tocação desajeitada qui mais parecia sê um acompanhamento perturbado daquela gritaria

Eu sei, os pretos também sabem o que é um piano. Mas, seja quem for o pianista, não está de bem com o piano.

Até eu toco melhor... vosmecê não acha?

oiô pru barão com naturalidade e riu inté tremê os óio

Meu marido de mentira, escute essa preta... está me parecendo que a única pessoa que lhe importa é vosmecê mesmo, o resto não conta.

o marido num saiu do lugá, mais as palavra da esposa sem igreja lhe incomodô muntu, as língua transparente e fina da verdade tava ali, ela continuava desafiando com seus resmungo

Basta, quase gritô com uma voz quebrantada de ranzinzice, vosmecê seria a última pessoa a me dizer isso, suspirô fundo pra ajustá a respiração e voltá a conversá com meia voz, os óio cravado na baronesa

Por que? O Barão acredita que levar para cama uma negrinha lhe faz melhor que o Moringue?

estridente grito desumano atravessô o desafio da baronesa, o barão resmungô mais otro tanto, suplicava adormecê longe dali

O que vosmecê acha?

Talvez lhe faça parecer pior, disse pra fazê doê no marido qui escôieu tê pra própria salvação. ele ficô diferente, pareceu tá misturado com aquele fundo confuso de castigo, medo e perdão

Vou descobrir o que fez esse negrinho, mas não me acuse pela inutilidade dos meus esforços em despertar pensamentos bondosos na tropa de polícia do Moringue.

falava sem falá, escutava contra a própria vontade, fazia de conta, disfarçava, mais sabia qui a baronesa era a aragem fresca encharcada do chêro da vida, precisava dela pra respirá

ela falava e provocava

Isso mesmo, descubra, piscô o ôio zombetêra

Lembre que não sou juiz, o barão tava numa situação confessa e inoportuna pra etiqueta da sua vida civilizada com pensamento galante, simpática e doadora de esmola, gente de bem da villa

Se o Barão não tem interesse... eu tenho, virô as costa e caminhô na direção da liberata, depois dos dois ou trêis passo dado parô-se e voltô atenção no barão, as palavra qui soltô num desafiava nem zombava, faça alguma coisa, Barão. Por favor...

o chefe das arma da villa acostumado com as conversa higiênica, sábia e abstrata, tava ali, na rua, cruzando com os cidadão de bem, mais parecia qui só ele tava faminto de tê vida

Maria Clara, a voz qui saiu num foi do chefe das arma, o que vosmecê pensa que posso fazer?

o vento pareceu qui pressentiu o desacerto dos dois e passô assustado e frio, congelando as palavra na garganta, inté qui a baronesa se livrô do silêncio qui lhe encolhia dos espritu, num queria se esquecê da muié com teimosia qui simplesmente num fugia, soltô um grito miúdo e atrevido pra respondê

O que vosmecê precisa fazer!

E o que preciso fazer?

Perguntar ao Moringue qual é a culpa do preto torturado. Isso é o que o Barão precisa fazer...





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26. O Guardador de Rebanhos - XL - Passa uma Borboleta - Alberto Caeiro

Fernando Pessoa


Alberto Caeiro
(heterônimo de Fernando Pessoa)




XL - Passa uma Borboleta  


Passa uma borboleta por diante de mim 
E pela primeira vez no Universo eu reparo 
Que as borboletas não têm cor nem movimento, 
Assim como as flores não têm perfume nem cor. 
A cor é que tem cor nas asas da borboleta, 
No movimento da borboleta o movimento é que se move, 
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta 
E a flor é apenas flor.





XLI - No Entardecer 


No entardecer dos dias de Verão, às vezes, 
Ainda que não haja brisa nenhuma, parece 
Que passa, um momento, uma leve brisa... 
Mas as árvores permanecem imóveis 
Em todas as folhas das suas folhas 
E os nossos sentidos tiveram uma ilusão, 
Tiveram a ilusão do que lhes agradaria... 

Ah, os sentidos, os doentes que veem e ouvem! 
Fôssemos nós como devíamos ser 
E não haveria em nós necessidade de ilusão ... 
Bastar-nos-ia sentir com clareza e vida 
E nem repararmos para que há sentidos ... 

Mas graças a Deus que há imperfeição no Mundo 
Porque a imperfeição é uma cousa, 
E haver gente que erra é original, 
E haver gente doente torna o Mundo engraçado. 
Se não houvesse imperfeição, havia uma cousa a menos, 
E deve haver muita cousa 
Para termos muito que ver e ouvir. . .





XLII - Passou a Diligência 


Passou a diligência pela estrada, e foi-se; 
E a estrada não ficou mais bela, nem sequer mais feia. 
Assim é a ação humana pelo mundo fora. 
Nada tiramos e nada pomos; passamos e esquecemos; 
E o sol é sempre pontual todos os dias.




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O Guardador de Rebanhos
Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa)
(Fonte: http://www.cfh.ufsc.br/~magno/guardador.htm)


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